Bruna G. de Paula
Edna Tatiane Ávila Rosa
Lucas Kleinicke Rossales
Mikaela Kauana Griebler Graf
Nayane Ximendes Menezes
Taiane Teixeira Mendes
O Supremo Tribunal Federal (STF) julgou como improcedente o caso de uma jovem da cidade de Canela/RS, que praticou o homeschooling. Esta modalidade de educação controversa é responsável por grandes debates, objeto que proporciona opiniões intensas e divisor de lados. Em resumo, opta por uma educação escolar em casa, assumindo os pais integralmente a responsabilidade pelo ensino formal dos seus filhos, proporcionando um ensino no âmbito doméstico ou sob a tutela de um tutor designado. Logo, é assumida uma renúncia do ambiente, não só convencional escolar, como também de formação estrutural do estudante.
O homeschooling é movimento social que surgiu no final da década de 1970 nos Estados Unidos da América, e ganhou maior visibilidade na década de 1980. A iniciativa partiu do educador John Holt, para isso, ele fundou a revista Growing Without Schooling (Crescer sem estudar) e por meio dela, chamou a atenção de muitas famílias adeptas ao homeschooling. Destacam-se também, como influência significativa para o crescimento do ensino domiciliar, os estudos do casal Dorothy e Raymon Moore sobre os efeitos da escolarização quando forçada nos alunos prematuramente (MILLER, 2017).
Esta sentença, começou na cidade de Canela quando os pais da jovem solicitaram à Secretaria Municipal de Educação permissão para realizar o homeschooling. A família justificou-se “como cristãos, acreditamos no criacionismo (crença segundo a qual o homem foi criado por Deus à sua semelhança) por isso, não compartilhamos da ideia de que os homens tenham evoluído de um primata, como afirma a Teoria Evolucionista de Charles Darwin ensinada na escola”.
Entretanto, a prefeitura rejeitou o requerimento, e os pais entraram com um mandado de segurança perante a Justiça local, este foi-lhe negado tanto em primeira instância quanto no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS). O ministro Ricardo Lewandowski, posicionou-se fortemente no seu voto, alegando que razões religiosas não merecem ser consideradas pelo Judiciário para que os pais possam educar os filhos em casa. (GZN, 2018)
Em 2018, o STF negou provimento ao recurso extraordinário n.º 888.815 e julgou-o como improcedente, isto porque não se tem norma legal que regulamenta a prática do ensino domiciliar. O julgamento contou com a presença de dez ministros para decidir, onde se teve a votação de nove a um, pela negativa de provimento do recurso, entre os votos favoráveis estavam os dois ministros: Luís Roberto Barroso e Edson Fachin. (Gazeta do Povo, 2018).
No julgamento, Barroso defendeu o seu voto argumentando faltar apenas algumas regras para a regulamentação da matéria, como a necessidade de notificação das Secretarias Municipais de Educação, além da existência de avaliações periódicas e a volta à escola caso seja comprovada a falha na formação acadêmica. Já Fachin, deu parcial provimento ao recurso, votando pela determinação do prazo de um ano para que o legislador regulamentasse a matéria (Gazeta do Povo, 2018).
Para Alexandre de Moraes, ministro do STF e relator da decisão, o homeschooling é constitucional, dependendo apenas de uma lei que o regulamente. Segundo ele, a Constituição Federal, nos seus artigos 205 e 227, prevê a solidariedade do Estado e da família no dever de cuidar da educação das crianças e adolescentes, assim como o artigo 226 garante liberdade aos pais para estabelecer o planejamento familiar. No mais, acrescenta que o texto constitucional propõe colocar a família e o Estado junto para alcançar uma educação cada vez melhor para as novas gerações.
A Constituição, contudo, estabelece princípios, preceitos e regras que devem ser aplicados à educação, entre eles a existência de um núcleo mínimo curricular e a necessidade de convivência familiar e comunitária. A educação não é de fornecimento exclusivo pelo Poder Público. O que existe, segundo o ministro, é a obrigatoriedade de quem fornece a educação de seguir as regras. (…) para ser colocada em prática, deve seguir preceitos e regras, que incluam cadastramento dos alunos, avaliações pedagógicas e de socialização e frequência, até para que se evite uma piora no quadro de evasão escolar disfarçada sob o manto do ensino domiciliar (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2018).
Portanto, grande parte dos ministros relataram que o homeschooling é uma possibilidade legal, e se regulamentado em lei essa modalidade de ensino é possível ser experimentada. Ressalta-se, que os entes federativos podem, conforme o Art.211 regulamentar o ensino domiciliar, no Distrito Federal, por exemplo, essa modalidade é permitida desde 2020 (INSTITUTO POLITEIA).
No entanto, a problematização do homeschooling ocorre devido a diversas impossibilidades, de avaliar os resultados acadêmicos em casa de uma forma efetiva, a socialização precária de diversidade, e a proteção à criança e ao adolescente. A escola vai além de ser um ambiente de avaliações e socialização, também é um ambiente de proteção a saúde e integridade do indivíduo, exemplo disso, são as denúncias que as escolas fazem por sinais que as crianças apresentam de abusos e violências.
Na educação familiar, episódios de negligência, abusos e violência levam mais tempo para serem detectados e atingem níveis mais graves (NCPi,2022). Assim, podendo até mesmo salvar vidas, as quais os que praticam homeschooling, possuiriam uma maior dificuldade ou, no pior dos casos, nunca iria se conseguir alcançar. Contudo, essa modalidade encobre ainda mais os crimes cometidos contra a faixa infanto-juvenil, esmagadoramente cometidos por pessoas próximas à família.
Um levantamento feito por Elizabeth Bartholet, professora de direitos civis na faculdade de Direito da Universidade Harvard, expõe a ocorrência de sérios episódios de abusos, violência, negligência e até mortes em crianças de famílias que adotam a educação familiar. Logo, é questionável a certeza dada pela ANED em conseguir “um ambiente de trabalho seguro”, já que isso se trata de um conjunto de pontos que constroem a formação do indivíduo, sendo assim, o desenvolvimento integral, as dimensões sociais, afetivas e intelectuais (NCPi, 2022).
A escola no exercício da sua função também desempenha um papel fundamental para promover a interação social. É nesse ambiente que o ser humano vai conhecer outras realidades, habilidades, trocar ideias e aprendizados, como desvendar novas possibilidades.
O trabalho da escola e dos professores vai muito além de transmitir o conteúdo, uma vez que o contato com os estudantes desempenha um papel fundamental no apoio ao desenvolvimento pessoal, intelectual e emocional dos alunos.É através da educação presencial em escolas que o Estado vai poder ajudar os estudantes a passar por situações conturbadas, seja ansiedade, depressão, desânimo, muitas vezes devido a conflitos na própria família. No homeschooling, não tem garantia de que o aluno vai receber uma educação nesses aspectos, bem como do cumprimento dos demais direitos garantidos previstos por lei.
Outro fator negativo, é que no homeschooling é possível que os pais ensinem mesmo não sendo formados em áreas específicas ligadas à educação, isto poderá afetar na qualidade de ensino e na falta de apoio pedagógico que o estudante precisa. A responsabilidade de educar os filhos em casa, exigirá organização de tempo, e para aqueles que trabalham, a educação dos filhos pode, de certa forma, ser negligenciada. Pela mesma razão, há de se ter a possibilidade de alienação quanto a educação que o aluno terá, assim, havendo uma manipulação de informações que serão desviadas ao conhecimento do estudante.
Percebe-se, também, que educação domiciliar fomenta a discriminação social, uma vez que estão inseridos nas suas bolhas, os estudantes deixam de conhecer outras realidades, e de aprenderem com a diversidade. Em suma, as famílias de classes altas conseguem contratar professores particulares para dar aula para os seus filhos, enquanto as classes baixas não possuem condições, é notável que esse cenário traz como consequência uma barreira social.
Segundo a ANED, a educação domiciliar facilita o emprego de novas estratégias de aprendizado, favorece o empreendedorismo e proporciona gosto pelo aprendizado. No entanto, esse argumento não se sustenta, pois, a educação é um processo interno contínuo, o qual acontece ao longo da vida, que requer experiências, ou seja, o contato com pessoas é importante para o desenvolvimento e amadurecimento humano.
Nesse sentido, percebe-se que o homeschooling falha em gerar adultos seguros e bons resultados acadêmicos. Já que, é importante haver socialização para aprendizagem, alguém com quem se possa compartilhar experiências, alunos dessa modalidade deixam de viver, na prática, os problemas presentes na sociedade e mais tarde terão clareza das consequências disso, quando forem colocados frente a situações conflitantes, podem não estarem tão seguros assim para resolver. Os estudos apontam que a faixa infanto-juvenil, adepta ao homeschooling, apresenta hipótese menor de ingressar no ensino superior, renda mais baixa na vida adulta e autoconfiança menor.
Além disso, no contexto do ensino domiciliar, é comum que os alunos enfrentam desafios relacionados à falta de disciplina e motivação, o que pode levar a uma tendência de negligenciar as suas responsabilidades e tarefas. Aqui se entra um alerta sobre uma preocupação quanto à saúde do jovem, do quanto o meio pode prejudicar o desenvolvimento muscular da passagem infanto-juvenil até a fase adulta, podendo apresentar consequências a longo prazo. Foi realizada uma pesquisa americana, com crianças de 8 a 11 anos, e constatou-se que aquelas educadas em casa apresentavam menos força e resistência muscular do que as educadas nas escolas.
Conclui-se, portanto, que o ensino escolar presencial se apresenta como o método mais eficaz e propício para a educação de crianças e jovens, tendo em vista a oportunidade de convivência social com os seus pares, bem como, o benefício de um desempenho acadêmico otimizado na presença de professores e colegas, permitindo-lhes uma contribuição significativa nessa trajetória educacional. A escola oferece aos alunos proteção de direitos civis, além de uma equipe de professores formada e instruída para ensinar e modalidade vantajosa para a saúde física, pois, eles se movimentam para sair de casa e sendo no espaço físico da escola também, é possível se exercitarem. Ademais, o espaço escolar também trata o corpo dos alunos além do saber acadêmico e contribui na socialização e troca de saberes de indivíduos de diferentes realidades, o que possibilita eles a se abrirem para o novo, respeitarem o próximo, e construírem um senso crítico com base em situações que vivem e presenciam de fato, na prática.
Referências
CAMARGO, Marcelo. Entenda por que o homeschooling pode agravar desigualdades sociais no Brasil. 25 de Out 2022. online. Acessado dia 14 de abril de 2023. Disponível em: https://www.conectas.org/noticias/entenda-por-que-o-homeschooling-pode-agravar-desigualdades-sociais-no-brasil/#:~:text=Na%20avalia%C3%A7%C3%A3o%20de%20especialistas%2C%20a,homeschooling%20avan%C3%A7am%20no%20Congresso%20Nacional.
CORREIA, Alessandra. Educação domiciliar cresce nos EUA. 1 de nov de 2013. Online. Acessado dia 14 de março. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/11/131031_educacao_domiciliar_eua_mdb_ac
DIAS, Jonatas. Gazeta do Povo. 84% países membros do OCDE, tem ensino domiciliar legalizado. 05 de fevereiro de 2020. Online. Acessado dia 14 de abril 2023. Disponível em: https://www.semprefamilia.com.br/blogs/blog-da-vida/84-dos-paises-membros-da-ocde-tem-ensino-domiciliar-legalizado/
FRONZA, Raquel. STF impede ensino domiciliar e famílias da Serra terão que matricular filhos em colégio. 12 de Set 2018. Online. Acessado dia 14 de abril 2023. Disponível em: https://gauchazh.clicrbs.com.br/pioneiro/geral/noticia/2018/09/stf-impede-ensino-domiciliar-e-familias-da-serra-terao-que-matricular-filhos-em-colegios-10581937.html
GAZETA DO POVO. Por 9 votos a 1, homeschooling perde do julgamento do STF. 12 de Set 2018. Online. Acessado dia 14 de abril de 2023. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/educacao/por-9-votos-a-1-homeschooling-perde-julgamento-do-stf-7yo44fpv61ezdxhaap7s2hr0u/
HOMESCHOOLING: MEDIDA EQUIVOCADA E ABSOLUTAMENTE FORA DE TEMPO. 16 de maio de 2022. Online. Acessado dia 14 de abril de 2023. Disponível em: https://todospelaeducacao.org.br/noticias/homeschooling-medida-equivocada-e-absolutamente-fora-de-tempo/?gclid=CjwKCAjwitShBhA6EiwAq3RqA1zStTfHIBV06qxX9RR5DGcjKFvj8O4RUOUNN28YUipzws6QrKN6UhoClrYQAvD_BwE
MILLER, Amy. A História do Homeschooling, nos Estados Unidos. 24 de set 2017. Online. Acessado dia 09 de maio de 2023. Disponível em: https://aderivadosaber.wordpress.com/2017/09/21/a-historia-do-homeschooling-nos-estados-unidos/
Núcleo ciência pela infância. Os riscos e efeitos negativos da educação domiciliar sobre o desenvolvimento infantil. Junho de 2022. Online. Acessado dia 13 de março de 2023. Disponivel em: https://ncpi.org.br/wp-content/uploads/2022/06/NCPI_nota-cientifica_AF-digital_v1.pdf
Palestras dos professores. O que é homeschooling? Um guia para pais e alunos sobre educação domiciliar no Brasil. s/d. Online. Acessado dia 14 de março de 2023. Disponível em: https://palestraparaprofessores.com.br/educacao/o-que-e-homeschooling/
PEREIRA, Jeferson. Educação domiciliar: história, julgamentos e possível regulamentação no Brasil. s/d. Online. Acessado dia 14 de abril de 2023. Disponivel em : https://perfilremovido1652318122688624406.jusbrasil.com.br/artigos/716188422/educacao-domiciliar-historia-julgamentos-e-possivel-regulamentacao-no-brasil/
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. STF nega recurso que pedia reconhecimento de direito a ensino domiciliar. 12 de set 2018. Online. Acessado dia 14 de abril de 2023. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=389496