Política de cotas e ensino superior: uma busca por equidade

Agatha Ferrari
Bruno Amorim
Guilherme Dutra
Vitória Medeiros

O cenário educacional brasileiro, historicamente marcado por décadas de desigualdades e exclusão, viu surgir, ao final do século XX, movimentos que clamavam por medidas afirmativas capazes de reverter as disparidades no acesso às instituições de ensino superior no Brasil. Um dos grandes marcos desses movimentos foi a implementação da Lei de Cotas, considerada por muitos como um divisor de águas nas políticas educacionais do país.

As discussões que emergiram em torno das políticas de acesso ao ensino superior, vieram do destaque que as ações afirmativas ganharam ao longo dos anos à medida em a sociedade – ou parte dela – reconheceu a persistência de barreiras que limitavam o acesso de grupos étnico-raciais, em diversos contextos sociais, mas especialmente ao ensino superior.

A promulgação da Lei nº 12.711/2012 (BRASIL, 2012) marcou o apogeu dessa pauta, onde estabeleceu cotas de acesso ao ensino superior para negros, pardos e indígenas nas instituições federais. A implementação da Lei de Cotas, no entanto, não ocorreu sem desafios. Diversos questionamentos eram trazidos à tona, tais como: eficácia do sistema; impactos na qualidade de ensino; resistências às mudanças por uma elite já consolidada; etc.

Por sua vez, as instituições de ensino superior se viram também desafiadas a repensar práticas seculares e a lidar com a diversidade de forma mais ativa, algo que também era menosprezado no cenário educacional brasileiro.

O conceito de equidade educacional, como um de nossos objetivos de pesquisa, reflete a busca por um ensino superior que não apenas pense sobre a pluralidade da sociedade em que estamos inseridos, mas que também atue como um agente transformador e ativo na redução das desigualdades sociais. A equidade não é apenas questão de acesso, mas uma demanda por um ambiente acadêmico inclusivo que valorize as diversidades nas instituições de ensino superior.

O embasamento normativo se faz necessário à luz de que o acesso ao ensino superior e a equidade educacional são institutos previstos na Constituição Federal de 1988. Tem-se as previsões dos Artigos 3º e 5º da CF/88, porém é relevante mencionar outros dois artigos Constitucionais, são eles:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1988).

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: (…) I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola (BRASIL, 1988).

Feita essa breve análise histórico-conceitual, o objetivo de nosso ensaio é destacar o contexto histórico da implementação das políticas de cotas e refletir sobre a equidade educacional no ensino superior brasileiro.

1. Relevância das políticas de cotas

Partindo do ponto em que a lei estabelece os deveres do estado para com o acesso à educação, é importante salientar que sendo direito de todos, ele deve agir para garantir o acesso também para as classes historicamente desfavorecidas. As pessoas de classes sociais mais baixas, possuem menos oportunidades na sociedade onde tudo depende do dinheiro, até mesmo o ensino de qualidade. As cotas de baixa renda são importantes para que o ensino superior seja acessível a essas pessoas.

De acordo com Fernandes (1965), as heranças do período escravocrata ainda permanecem enraizadas no comportamento, e até na organização das relações interpessoais dos homens. Porém é cristalina a percepção de que além de estruturas imateriais, que estão enraizadas nas relações interpessoais, há também uma diferença entre o nível de renda entre as pessoas brancas, pretas e pardas. Segundo o IGBE (2022) a renda média mensal das pessoas brancas é 75% maior do que das pessoas pretas, e 70% maior que das pardas. Cotas somente para pessoas de baixa renda, não seriam suficientes para abranger de forma eficiente a população, tendo em vista que as desigualdades sociais vão além de quantos salários mínimos as pessoas recebem.

As cotas não foram planejadas para serem políticas eternas, mas sim até que as condições e oportunidades sejam mais igualitárias para esses diferentes grupos, inserindo-os nas universidades públicas e proporcionando condições para a continuidade desses cotistas, para que então no futuro, descendentes desses indivíduos que foram cotistas tenham um ponto de partida paralelo ao de quem não precisou das cotas, perseguindo então o pleno direito a educação.

2. Efeitos da política de cotas nas instituições de ensino superior 

É sabido que os debates acerca das ações afirmativas tiveram uma crescente ao longo dos anos, no entanto, quando falamos de políticas públicas o principal meio para saber e entender como ela está se portando, é através da sua avaliação. Nesse sentido, Cunha (2018) pontua que a avaliação de uma política serve para auxiliar em uma maior eficiência dos gastos bem como a efetividade de tal ação do Estado. Visto esses dois pontos, é inegável a importância da avaliação para entender a diferença que a política pública está fazendo.

Falando de efeitos positivos dessa política, em 2018 o IBGE divulgou que o número de matrículas de estudantes pretos e pardos nas universidades e faculdades públicas no Brasil, ultrapassou pela primeira vez o número de brancos matriculados. A porcentagem alcançada em 2019 foi de 50,3% e em 2020, teve-se total de 53% alunos negros resultando em um aumento de 400% quando comparado ao ano de 2010.

Em contrapartida, dados de 2018 do IBGE mostram que, entre jovens de 18 a 24 anos no ensino superior, havia 36,1% correspondendo a jovens brancos em contrapartida a 18,3% de jovens pretos ou pardos. Essa questão da idade pesa bastante pois em 2018, também divulgado pelo IBGE, 26,7% adolescentes de 15 a 17 anos pretos ou pardos estavam com atraso escolar, enquanto brancos correspondiam apenas a 17,4%.

Evidenciando o exposto acima, nota-se o avanço obtido dentro das universidades do Brasil quando falado em pessoas pretas ou pardas ocupando vagas nas mesmas. É indubitável a necessidade dessa política existir pois, a partir dela, é possível caminharmos para uma equidade educacional, do mesmo modo, existe o carecimento da atenção voltada aos anos escolares iniciais e de ensino médio e em como pode ser possível a equidade começar a partir deles.

Considerações Finais

Em suma, para se obter uma equidade educacional que cumpra o que seu conceito promete, ainda há de acontecer uma longa jornada. A jornada histórica para que as cotas surgissem e fossem vistas como uma solução para o problema social teve implacáveis desafios e tem causado questionamento na população até os dias atuais, mesmo com as inúmeras formas de explicação apresentadas na sociedade.

Mesmo com os números apresentando uma melhora significativa no ingresso de pessoas pretas ou pardas nas universidades públicas, graças à implementação da política de cotas, é inviável negar que tanto os cidadãos economicamente menos desfavorecidos quanto pessoas pretas ou pardas ainda tem uma certa dificuldade de inserção e permanência dentro das instituições de nível superior.

Referências

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acessada em: agosto de 2024.

BRASIL. Lei 12.711, de agosto de 2012. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12711.htm. Acessado em: agosto de 2024.

FLORESTAN FERNANDES – A integração do negro na sociedade de classes – Vol I – O legado da raça branca-1.

IBGE: renda média de trabalhador branco é 75,7% maior que de pretos. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencianacional/geral/audio/2022-11/ibge-renda-media-de-trabalhador-branco-e-757-maior-que-de-pretos#:~:text=A%20pesquisa%20mostra%20a%20cor>.

CUNHA, C. G. S. Avaliação de políticas públicas e programas governamentais: tendências recentes e experiências no Brasil. Revista Estudos de Planejamento, n. 12, dez. 2018. Disponível em: <https://bit.ly/2EdthC2>.

G1, 2019. Pela 1ª vez, pretos e pardos são mais da metade dos universitários da rede pública, diz IBGE. Disponível em: <https://g1.globo.com/educacao/noticia/2019/11/13/pela-1a-vez-pretos-e-pardos-sao-mais-da-metade-dos-universitarios-da-rede-publica-diz-ibge.ghtml>. Acesso em 09 dez. 2023.

G1, 2019.  Taxa de jovens negros no ensino superior avança, mas ainda é metade da taxa dos brancos. Disponível em: <https://g1.globo.com/educacao/noticia/2019/11/06/taxa-de-jovens-negros-no-ensino-superior-avanca-mas-ainda-e-metade-da-taxa-dos-brancos.ghtml>. Acesso em 09 dez. 2023.