O Brasil não conhece os brasileiros… e nem os brasileiros conhecem o Brasil: A história de um ciclone e a democracia dos pequenos

Etiene Villela Marroni
Cientista Política/UFPel

Escrevo este texto na condição de cidadã brasileira, moradora de uma cidade média do interior do Brasil. Escrevo na condição de pessoa estudada, consciente das mudanças climáticas, do contexto democrático. Mas, escrevo em nome daqueles que mal sabem o que significa ser “democrático”. Que não sabem o que são mudanças climáticas, que não sabem que sua própria ocupação no espaço é fundamental para a soberania e segurança desse país chamado Brasil. Moramos longe, estamos nos rincões, mas sustentamos a democracia, protegemos nossas fronteiras, respeitamos nossa cultura. E, principalmente, respeitamos nosso povo e nossa natureza.

Sim, um ciclone passou. E passou deixando um rastro de destruição. E comunidades mobilizaram-se, municípios pequenos e médios uniram-se para ajudar uns aos outros. Mas, havia gente que morava longe. Muito longe. E ninguém enxergou. Por que não enxergam? Porque somos um país colonizado dentro do nosso próprio país. O Brasil não conhece os brasileiros. E nem os brasileiros conhecem o Brasil.

Sim, um ciclone passou. E passou mostrando que é preciso compreender que estamos falando para milhões e não para milhares. Que os ribeirinhos, os colonos, os indivíduos do interior precisam de voz. Gritamos, mas nossos gritos ecoam no silêncio de quem não quer nos ouvir. Precisamos incluir. Precisamos descer do salto. A invisibilidade daquele que não é visível torna-se trágica. O vento soprava forte, muito forte, mas a mudança não era climática, era do tempo. Tempo de pensar que para mudarmos precisamos incluir, deixarmos vaidades e frivolidades de lado.

Sim, um ciclone passou e mostrou, mais uma vez, o significado da solidariedade. Da comunhão de pequenos bairros, comunidades e cidades. Sim, nossa essência é boa, colaborativa e participativa. Porque temos que ser assim para nos mantermos em pé enquanto cidadãos e cidadãs, longe dos grandes centros e estruturas. Mas, por que temos que nos segurar uns nos outros para nos mantermos em pé? Quem diz onde quem nasce onde? Precisamos dividir o bolo. Precisamos nos despir das vaidades egocêntricas de quem vive na superestrutura do poder dos grandes centros.

Sim, um ciclone passou. E sim, sabemos que precisamos mudar. Mas, a mudança precisa vir daqueles que acham que tudo sabem. Porque não sabemos tudo. Descarbonizar a economia, vender créditos de carbono, trabalhar em “níveis sustentáveis”. Afinal, para quem é o planeta sustentável? Até o frio é romantizado e capitalizado pelo turismo e, ao mesmo tempo marginaliza aqueles e aquelas que mal tem o que vestir e onde morar. O vento sopra forte e carrega a desilusão de uma inclusão não inclusa. Sim, um ciclone passou. Mas ninguém enxergou. Porque a tragédia dos pequenos não vende. A desilusão dos aflitos é somente lamentada, mas não estagnada. E sobrevive-se, mas não vive-se, porque o holofote dos grandes centros não clareia o que não se vende.

Sim, um ciclone passou. E mostrou que o interior existe e resiste.
Sim, um ciclone passou. E estamos cansando de resistir. Queremos, somente, existir.

Fonte da imagem: Jô Folha, Jornal Diário Popular, Pelotas, RS

 

 

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