Kaique Cangirana/Superávit Caseiro
A Economia Agrícola estuda as influências dos diversos fatores do ambiente, indústria e políticas no setor agrícola demonstrando seus impactos no resultado da economia como um todo. Diante da importância de tal temática, o Superávit Caseiro entrevistou o doutor e professor em economia agrícola, Paulo Waquil, do Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), o agronegócio brasileiro fechou 2023 com superávit de US$148,58 bilhões no acumulado do ano, sendo que a agropecuária brasileira obteve desempenho recorde no mesmo ano, crescendo 15,1% e alavancando o PIB brasileiro de 2023 em 2,9%, conforme números divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Valores que hoje impulsionam a economia brasileira, nos levaram a conhecer um pouco mais da origem deste setor através de entrevista realizada com o doutor em Economia Agrícola, professor Paulo Waquil:
“Em meados do século passado, o Brasil tomou a postura de buscar o desenvolvimento através da industrialização. Muita atenção foi dada ao processo de urbanização e industrialização do país e a agricultura foi marginalizada. A agricultura sempre teve um papel importante para cumprir nesse processo, porque produz alimentos e matérias-primas para a indústria, logo, o processo de industrialização não tinha como ocorrer se a agricultura também não passasse por um processo de mudanças”, afirma o professor. Ele acrescenta que por volta dos anos 1960 houve um processo de mudança tecnológica e produtiva na agricultura que foi se intensificando ao longo do tempo. Conforme o pesquisador, o Brasil era importador de alimentos e passou dessa condição, no meio do século passado, a uma condição de exportador mundial de alimentos, pois a agricultura passou por um processo de mudanças tecnológicas e produtivas, com maior integração com a indústria e com os serviços, o que gerou um aumento de produtividade. Waquil afirma ainda que hoje temos um uso mais intensivo de insumos, de tecnologias e maior acesso a crédito. “A agricultura responde a estes estímulos. Agricultores, principalmente no centro-sul do Brasil, são muito mais mercantilizados, acompanham preços, entendem melhor esse processo de comercialização, respondem aos estímulos de mercado. Mas, isso não é um processo homogêneo, é claro que ainda tem regiões mais periféricas, com poucas tecnologias e agricultura de subsistência. O Brasil é um país com muitas desigualdades e isso se reflete também na agricultura” afirma o professor.
O IPEA, constatou que exportações do agronegócio somaram US$165,05 bilhões, e as importações, US$16,47 bilhões somente em 2023. Diante do crescimento da produção a partir da industrialização, eixos de financiamento, tecnológicos e científicos passaram a surgir. O professor Paulo Waquil destacou a contribuição destes avanços:
“A agricultura, só conseguiu dar uma resposta, porque recebeu incentivo. Como no exemplo da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) que tem papel forte no Brasil inteiro na geração de tecnologias, mas não é só geração, a Emater (Agência de Inovação Rural) e outros órgãos de assistência técnica têm um papel fundamental na difusão dessas tecnologias. O setor financeiro tem um papel importante na concessão de crédito, e aí tem toda a questão de uma política agrícola com crédito, juros menores com direcionamento maior para a agricultura familiar. Então, há funções da pesquisa, da extensão, do crédito, mas há também, atração de investimentos. A agricultura passou a se integrar mais com a indústria e essa viu a agricultura como um mercado para os seus produtos. A indústria de máquinas de equipamentos se desenvolveu muito nesse período, a indústria de fertilizantes também, porque viu na agricultura um setor que respondia a isso. Digo que no meio do século passado a agricultura era um setor isolado e toda essa mudança só ocorreu porque teve um cenário favorável, de demanda, de preços e um ambiente institucional com o crédito, com a pesquisa e a extensão criando essa condição mais favorável ” .
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), produções como a soja, o milho em grão, a cana de açúcar, o café, algodão, trigo e arroz, são algumas das mais valiosas cultivares do agronegócio brasileiro. A partir de vastas oportunidades produtivas, o plano político se organiza para articulações e discussões para o setor, a bancada ruralista no Congresso Nacional conta com um grupo de 374 parlamentares e o professor teceu seus comentários após ser questionado sobre os objetivos do grupo:
“A bancada ruralista é uma das maiores e tem um papel político importante, mas de fato, ela está ali para discutir perspectivas políticas e não para promover o dinamismo do setor. A bancada tem parlamentares de quase todos os partidos, mas seu papel político é maior do que sua ligação ao setor agrícola. O maior resultado tem sido por ações do executivo e não do legislativo. É o executivo que promove a cada ano o “Plano Safra”, que aposta nas políticas direcionadas no setor, além de todo esse reconhecimento e valorização da agricultura familiar e ampliação do Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) e os mercados institucionais, criados por ações do executivo, por diferentes governos que passaram e não por ações de uma bancada ruralista. Então, digo que a bancada ruralista está mais habituada a fazer pressão, um certo lobby, mas em termos de ação concreta, depende muito mais de ações do executivo. Ações como alocar recursos para Embrapa, para o Plano Safra, pro Crédito Rural, para atividades de extensão rural e alocação para as compras alimentares como no exemplo da merenda escolar, são alguns casos. A bancada é sim muito forte na pressão política, mas as ações concretas são do executivo”.
O Agrônomo ressaltou também a inserção da agropecuária na indústria e as influências entre os setores desde os seus insumos, a produção e os consumidores:
Reforço a ideia de que a agricultura não está mais isolada, essa se integra com a indústria e com os serviços, e isso é o que conforma as cadeias agroindustriais. Se tu pensar na região de Pelotas, vai ver a importância que tem a cadeia do arroz, a cadeia do pêssego, a cadeia da pecuária. Percebe-se que não é uma agricultura isolada, pois a pecuária depende também dos frigoríficos. O arroz depende dos beneficiadores, o pêssego depende da indústria de comportas. Então, essa indústria também depende dos agricultores. A agricultura depende da indústria e a indústria depende da agricultura e tem todos esses serviços no entorno. Não falamos mais em economia agrícola, vamos hoje ouvir muito mais sobre o debate do sistema agroalimentar, que envolve a agricultura, a indústria, os serviços, essa integração é um ponto chave para entender melhor essa inserção da economia agrícola. Se tu pega um período de granizo, o pêssego sofre na região de Pelotas. Então, é interessante entender como o clima afeta na agricultura, mas também há todo um encadeamento nos segmentos que vem a seguir. Isso vai pesar lá para o consumidor. É muito interessante entender essas relações, sem encarar a agropecuária isoladamente, mas sim, como ela se integra a outras questões e outros setores da economia”.
A economia agrícola representa cerca de R$100 bilhões das exportações do Brasil, sendo que a venda do setor agropecuário se destacou com o crescimento de 25,3% das exportações no ano para o Produto Interno Bruto (PIB), de acordo com o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV). De acordo com o IBGE, o crescimento PIB do Brasil em 2023 foi impulsionado pela agropecuária e recolocou o país entre as 10 maiores economias do mundo, posto que deixou de ocupar em 2020 quando caiu para 12ª posição no ranking da Austin Rating. Compreender a importância do setor e seu impacto econômico para o país, é apenas o início deste vasto campo de conhecimentos que aproxima produtores e consumidores em meio a um sistema regido por questões ambientais, oportunidades mercadológicas e políticas de incentivo. A agropecuária sempre foi um setor promissor e segue em desenvolvimento junto à indústria, às inovações e tecnologias.