Por Eduardo Ritter/Superávit Caseiro
Você já parou para pensar como determinados momentos mudam as nossas vidas para sempre? Já imaginou como você estaria se tivesse feito outra escolha na hora de decidir, muitos anos atrás, qual profissão seguir? E se tivesse escolhido outra cidade para morar? E se seus pais, seus avós ou bisavós tivessem mudado suas decisões e tivessem tomado outro rumo? Onde você estaria? Para Jacqueline Halal Pallamolla só há uma certeza: a sua vida foi marcada por detalhes que mudaram radicalmente o seu destino, porém, cada um desses momentos valeu a pena.
Tudo começou antes mesmo dela nascer. Mais exatamente, no final dos anos 1940, quando o avô, Georges Halal, teve que deixar o Líbano com a esposa, Maria Halal, fugindo da grave crise causada pelo pós-Guerra. Seu pai, Jacques Halal, o mais velho de seis irmãos, acabou ficando na cidade natal, Barsa El Koura. No entanto, quando tinha 13 anos, ele foi o primeiro a encarar uma viagem de navio de aproximadamente um mês e seguir o destino do pai: o Brasil. O ano era 1955.
Enquanto os avós e demais familiares se estabeleceram no sul do país, mais especificamente em Pelotas, Jacques ficou em São Paulo, onde se casou com Najat Haddad Halal, também vinda do Líbano. Com uma vida dedicada ao comércio na capital paulista, logo após o nascimento da filha em 1973, Jacques resolveu se juntar ao restante da família e se mudou com esposa e filhos definitivamente para Pelotas. Durante todo esse tempo, tanto Georges, quanto o filho Jacques, tinham que tomar decisões que afetavam o futuro deles e daqueles que os acompanhavam: ir ou ficar? Arriscar ou deixar as coisas como estavam? Seguir a razão ou o coração? E cada uma dessas decisões do avô e do pai afetou diretamente a vida de Jacqueline Halal Pallamolla.
A inquietude, a curiosidade, a energia e a vontade de viver e trabalhar são visíveis em poucos minutos de conversa com Jacqueline. A sensação que se tem é que se ela voltasse no tempo e fosse colocada na mesma situação de crise vivida pelo pai e avô no Líbano dos anos 1940 e 1950, ela teria tomado as mesmas decisões e o sucesso obtido seria o mesmo. Tudo porque ao longo dos anos ela aprendeu muito com os já falecidos avós e com o pai, que já chegou aos 80 anos.
Conhecer a história da família fez com que Jacqueline também soubesse lidar bem com as situações em que teve que tomar aquelas decisões que mudam para sempre as nossas vidas. Ainda na adolescência, ela começou a trabalhar na loja do pai, a Jack’s Magazine, localizada no centro de Pelotas. “Eu fui emancipada para poder assinar a carteira. Sou até aposentada!”, diverte-se Jacqueline, relembrando aquele tempo. “Ninguém faz pacote de presente como eu!”, brinca.
Assim, aos 14 anos, Jacqueline passou a dividir o seu tempo entre os estudos no Colégio São José e o trabalho na loja do pai. Pouco antes de completar 17 anos, ela ingressou no curso de Administração da Universidade Católica de Pelotas (UCPEL) e, com pouco mais de 20 anos, já estava formada. “Foi tudo cedo”, avalia. Pouco tempo depois, Jacqueline decidiu dar saltos maiores e montou a própria loja, que já antecipou o nome do empreendimento que a tornaria uma empresária de sucesso: Jacques Georges, que ficava localizada em frente ao chafariz do calçadão do centro de Pelotas. “Foi um sucesso. Até hoje meus ex-funcionários e clientes daquele tempo vêm no hotel para conversar”, salienta. A loja funcionou durante oito anos. Nesse período, Jacqueline passou a investir em estudo e conhecimento, cursando MBA em Marketing e fazendo outros cursos para se qualificar profissionalmente. “Foi uma época boa”, lembra. No entanto, ela nem imaginava que a vida dela estava prestes a mudar com o surgimento de uma nova paixão.
Sucesso profissional: um amor e dois filhos
Jacqueline é casada com Franco Pallamolla e é mãe de Arthur, 24 anos, e Enzo, 10 anos. Mas não é desses amores que estamos falando. A paixão que entrou na vida de Jacqueline para mudar a sua vida mais uma vez apareceu por acaso. Em meados dos anos 1990, Jacques Halal decidiu construir um prédio com apartamentos de um e dois quartos. “Ele sempre fez obras, junto com o trabalho na loja. Aliás, ele nunca para. Agora, com 80 anos, ele está fazendo mais obras”, diverte-se Jacque. “Mas no meio do caminho da construção desse prédio, quando já estava quase pronto, ele disse: ‘vou fazer um hotel’. E eu disse: ‘pai, que hotel? A gente não sabe nada de hotel’. Ele respondeu: ‘ah, a gente vai aprender. Aliás, você vai aprender’”. Foi então que Jacqueline aceitou o desafio do pai e, pela primeira vez na vida, passou a estudar sobre hotelaria para tocar o negócio. “O hotel ficou pronto e nós não entendíamos muito de hotelaria. Foi então que comecei a fazer uma imersão e selecionar a equipe”, recorda.
Nesse momento, o espírito empreendedor e os aprendizados nos anos de convivência com o pai e com o avô voltaram a aparecer com força. “Eu fiz um curso muito rápido com um especialista em hotelaria de Gramado, e depois teve outro que veio dar uma assessoria nos primeiros meses de funcionamento do hotel. E eu comecei a aprender tudo o que eu podia de hotelaria”, acentua. Colocando em prática o que diz o velho ditado popular, “trocar o pneu com o carro andando”, o hotel foi inaugurado em alto estilo em 2003. O primeiro hóspede? Ninguém mais, ninguém menos do que um dos maiores nomes da música popular brasileira: Gilberto Gil, cantor, compositor e ministro da Cultura da época.
Para aprender, Jacqueline Halal começou a frequentar mais cursos e feiras de hotelaria em São Paulo. “E assim eu fui aprendendo e equipando o hotel”, conta. Além de toda a montagem de equipamento e estrutura, ela também foi responsável pela contratação e treinamento da equipe, que inicialmente contou com 28 funcionários. Essa era uma nova experiência, pois até então Jacqueline havia trabalhado apenas com loja, que vende produtos, e agora se encontrava diante da oferta de serviço. Com a nova paixão, inclusive, ela decidiu encerrar as atividades da loja de roupas. No entanto, o nome foi transferido para o hotel: Jacques Georges, que até hoje está localizado na Rua Gonçalves Chaves, n°512, próximo ao Theatro Guarany.
Foi assim que um novo amor nasceu na vida de Jacqueline: “Eu comecei a ficar tão apaixonada por hotel, que eu ia para lá às 5h30 da manhã para montar o café com as meninas e eu não saia sem vistoriar todos os apartamentos para ver se estavam todos bonitinhos, cheirosinhos, limpinhos, antes de ir para casa, mesmo sabendo que a governanta tinha olhado. Eu entrei numa nóia nos primeiros meses… Porque eu me apaixonei por aquilo e começou a dar resultado. Sempre havia uma lista de espera”, relembra. No início, a lista de espera era em média de dez pedidos por dia que não podiam ser atendidos, pois o hotel estava sempre com os seus 42 apartamentos ocupados.
Um dos motivos para o sucesso, além da paixão que ela conseguiu passar para a equipe e para os hóspedes, é que o hotel era uma novidade na cidade e região. “Eu acho que Pelotas demorou muito para ter um hotel novo. A hotelaria pelotense era tradicional e de boa qualidade, mas já antiga. Então, o Jacques Georges foi uma novidade naquela época”.
Foi então que, apaixonada por hotelaria, Jacqueline decidiu ter um segundo filho profissional. Por volta de 2005, juntamente com o pai, ela decidiu investir na criação de mais um hotel. Para isso, eles adquiriram o prédio onde funcionava uma retífica de caminhão, além das residências ao fundo, que é onde foram construídas as torres com os apartamentos do Jacques Georges Tower. A inauguração ocorreu quatro anos depois, em 2009, e mais uma vez em alto estilo. Desta vez, a primeira hóspede foi Rita Lee, ícone da música brasileira. “Para abrir o segundo foi bem mais fácil do que o primeiro, pois já tinha bem mais conhecimento sobre o setor”, avalia. Hoje, Jacqueline Halal coordena a equipe dos dois hotéis, que conta com a governança, o setor de compras, o setor financeiro, a recepção, os recursos humanos e os mensageiros. Além de proprietária, ela também atua como gerente e administradora do Jacques Georges Tower, localizado na Rua Almirante Barroso, 2069, no centro de Pelotas.
A nova estrutura passou a contar com 74 apartamentos, além de cinco salas de eventos, piscina e academia. Segundo Jacqueline, um dos principais diferenciais são as salas de eventos, tendo em vista que o perfil dos hóspedes é executivo. “Semana passada mesmo as cinco salas estavam cheias, todos os dias. Então, os eventos movimentam bastante, principalmente agora que estão voltando a acontecer com mais frequência, com a redução da pandemia”, comenta. Aliás, a pandemia foi um capítulo a parte nessa história de amor entre Jacqueline Halal Pallamolla e a hotelaria.
A solidariedade como marca para superar a pandemia
A vida ia bem demais para ser verdade. Nada lembrava a viagem de mais de 30 dias de navio do Líbano até o Brasil feita pelo avô e pelo pai há mais de meio século. Os negócios iam bem, os dois hotéis nunca tinham entrado no vermelho, a satisfação dos hóspedes, da equipe e da gerente e proprietária estavam a todo o vapor. Porém, 2020 começou diferente. As notícias sobre a circulação de um novo vírus, altamente transmissível e com uma dose de letalidade considerável, transformou o mundo. E, assim, Jacqueline, como o mundo todo, viu tudo mudar de uma hora para a outra.
Desde o início da pandemia de Covid-19 os dois hotéis ficaram fechados por quase dois anos inteiros. Foi um período difícil, em que Jacqueline se sentiu como se visse seus dois filhos queridos gravemente doentes. Porém, ela não os abandonou. “Nas primeiras semanas era uma coisa nova, ficou tudo completamente vazio. Dava uma tristeza. Eu chegava aqui, ficava uma ou duas horas e ia pra casa. Às vezes eu dava a descarga, ligava os chuveiros, para manter o funcionamento da estrutura”, revela. Com isso, pela primeira vez, Jacqueline via os dois hotéis operando no vermelho, principalmente porque o setor de turismo e hotelaria foi um dos mais afetados pela pandemia, pois ninguém estava viajando para parte alguma. Apesar da pior crise da história da hotelaria, os dois hotéis conseguiram sobreviver sem atrasar as contas, valendo-se dos programas governamentais que incentivavam a manutenção dos contratos de trabalho e das reservas financeiras da família.
Jacqueline conta que hoje a normalidade ainda não foi totalmente restabelecida, mas pelo menos estar no vermelho deixou de ser o “novo normal” para os hotéis. “Tem mês que a gente consegue empatar, que já está bom. Mas ficamos um ano e oito meses operando no vermelho. Desde que abriu o hotel, nunca tinha acontecido algo parecido”, avalia.
Mas não foi apenas a crise financeira que marcou a trajetória dos hotéis Jacques Georges durante a pandemia. Como destacou Jacques Halal em entrevista, a solidariedade e a humildade são valores que vieram juntos com os imigrantes libaneses que fugiam dos rastros da Guerra. “Não é só ganhar para si, mas também colaborar com o progresso. É o que tento fazer por Pelotas, essa cidade para a qual devo muito, porque acolheu a mim e a minha família”. E durante a pandemia, a cidade precisou tanto dele, quanto da filha, Jacqueline.
Quando Pelotas criou a ala Covid, o então reitor da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), Pedro Hallal, ligou para Jacqueline solicitando alguns apartamentos para os médicos e enfermeiros que faziam jornadas longas e não queriam ir para casa para não contaminar a família. “Eu consultei o meu pai e ele disse: todo o hotel é dele. Todos os funcionários e toda a equipe”. Assim, Jacqueline fechou o hotel Jacques Georges da Gonçalves Chaves para os médicos e enfermeiros, sem custo nenhum. Essa ação solidária com os profissionais da saúde na guerra contra a pandemia durou aproximadamente sete meses.
Conforme ressaltado por Jacqueline, esse foi um período bem difícil para as finanças da empresa que apenas agora está começando a mudar. “A retomada está sendo boa, mas não está igual como era antes ainda. Principalmente em Pelotas, pois em outros lugares a retomada está sendo mais rápida. Na Europa, por exemplo, você não caminha na rua nos lugares de turismo. Hotel e restaurante, você só consegue vaga reservando com um mês de antecedência. Tudo muito movimentado. A gente está voltando para a normalidade de novo em vários lugares. Aqui acho que ainda não, mas está se encaminhando para isso”, avalia. Além disso, a retomada de eventos e shows também está fazendo com que haja um aumento nas reservas. Um exemplo foi no último final de semana de abril, em que o hotel ficou lotado com bandas e outros profissionais ligados ao setor de eventos.
Uma curiosidade do ramo hoteleiro revelada por Jacqueline é que em hotéis, como o Jacques Georges Tower, que tem o perfil executivo como o principal tipo e cliente, as reservas feitas pelos canais online, como Booking ou Trip Advisor, são minoria. Ela conta que quando houve um crescimento desses canais e a criação de aplicativos, eles mesmos procuravam os hotéis para oferecer o anúncio para o público. No entanto, no caso dos dois hotéis pelotenses, a imensa maioria das reservas – aproximadamente 70% – é feita diretamente no hotel, principalmente por WhatsApp e e-mail. No entanto, ela acredita que a criação de políticas de divulgação de turismo na região poderia trazer um público mais diversificado para os hotéis da cidade. “Há poucas semanas nós hospedamos um grupo de 18 japoneses que vieram de São Paulo numa van com um guia e estavam fazendo o trecho Jaguarão – Rio Grande – Pelotas e estavam encantados com a região. Então, se tivesse mais esse incentivo, nós teríamos com certeza mais turismo”, comenta.
Hotelaria: o destino que uniu Jacqueline Halal Pallamolla a uma de suas maiores paixões
Em 2004, quando o hotel Jacques Georges tinha apenas um ano de vida, o filme “Efeito borboleta” se tornou um grande sucesso no mundo inteiro. Na narrativa, o estudante universitário Evan Treborn fica doente e, enquanto está inconsciente, ele viaja no tempo, podendo alterar momentos chaves da sua vida. Cada pequena mudança, altera completamente a vida dele e das pessoas próximas. Às vezes uma boa ação acabava se transformando em um pesadelo no futuro, e outras vezes a tentativa de melhorar algo estragava tudo lá na frente. Essa viagem no tempo era feita por Evan diversas vezes. A cada nova volta ao passado, ele tentava corrigir algo que deu errado, mas o resultado nunca era o esperado. Em síntese, alterando o passado, ele também alterava totalmente o presente.
Ouvindo Jacqueline Halal Pallamolla contar a sua história a sensação que fica é que, independentemente do que fosse alterado lá atrás, ela acabaria uma hora ou outra, por acaso ou por destino, encontrando uma de suas maiores paixões: a hotelaria. Um marco nessa trajetória certamente foi a construção do primeiro hotel, o Jacques Georges da Gonçalves Chaves. “O primeiro hotel me fez apaixonar por hotelaria. Eu gosto de ficar na recepção, recebendo hóspede, conversando, sabendo de onde veio, porque veio, se quer uma dica… Já peguei hóspede e já levei para o lugar aonde ele precisava ir. E às vezes, quando vão para hotel errado, pois os dois têm o mesmo nome, se estou por aqui já levo com o meu carro para o local certo. Adoro entrar nos apartamentos e ver se está tudo bem limpinho, tudo certinho, porque sou completamente apaixonada. Isso é o mais importante”. Essa paixão é fácil de ser percebida, não só na fala de Jacqueline, mas na empolgação que fazem os seus olhos brilharem cada vez que conta uma nova história sobre os dois hotéis.
Essa paixão, aliás, é um dos principais diferenciais do empreendimento, além das instalações bem equipadas. “Além disso, acho que uma das melhores coisas que temos é a nossa equipe. A equipe também é o reflexo de como eles estão sendo conduzidos. E a maior parte da equipe está trabalhando com a gente há muitos anos, alguns desde que os hotéis abriram as portas”, afirma.
Esse cuidado e dedicação com o trabalho é algo que Jacqueline aprendeu com o pai e o avô e que ela leva consigo a cada novo dia. Aliás, sobre o pai, ela comenta: “Ele tem 80 anos, mas parece que tem 40. E tem mais memória do que eu!”. Toda essa trajetória e influência da família fez com que Jacqueline sintetize em uma frase o que ela se tornou após duas décadas trabalhando com hotelaria: “sou uma administradora apaixonada pelo que faz”. A maior prova dessa conclusão é o sucesso que o hotel faz entre funcionários e clientes.