O economista Mauro Roberto Bom tem uma longa trajetória profissional e acadêmica na área de economia, finanças e empreendedorismo. No entanto, nessa entrevista ao Superávit Caseiro, ele revela que desde que ingressou na Associação Comercial de Pelotas (ACP), inicialmente como sócio, há aproximadamente seis anos, mudou muito a sua forma de ver o associativismo. Em abril de 2018, ele tomou posse como presidente da ACP, entidade que completa 150 anos de existência no ano que vem. O mandato da atual gestão encerra neste ano. Além da atuação de Mauro Roberto Bom na ACP, ele também teve atuação marcante na Caixa Econômica Federal (CEF), onde foi gerente de Agência, gerente Regional nas áreas da Construção Civil, Empresarial, Privada e de Governo (Gestão Pública) entre 1997 e 2004. Posteriormente, de 2004 até2015, foi superintendente Regional em Pelotas, Santa Maria e Novo Hamburgo. Na academia, foi professor de Economia e Macroeconomia da Universidade Católica de Pelotas (UCPEL), além de ter sido coordenador do curso de Ciências Econômicas e membro do Conselho Universitário da entidade. Durante quatro anos, presidiu a Associação dos Economistas de Pelotas e foi membro da Fundação de Apoio Universitário da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). É sócio proprietário da MB Consultoria, atuando como consultor empresarial nas áreas de Finanças, Gestão Pública e Privada e Liderança. Com toda essa bagagem e repertório, o economista comenta nesta entrevista a situação empresarial de Pelotas e Região, os impactos da pandemia, as perspectivas para o futuro e a necessidade de alfabetizar a população brasileira no que diz respeito a planejamento financeiro e empreendedorismo. Ao final, ele faz um convite para que toda a comunidade pelotense procure conhecer a ACP, uma entidade empresarial atuante há quase 150 anos, um importante canal de informação sobre desenvolvimento de Pelotas e região.
Superávit – Qual é o perfil do empresário de Pelotas e região?
Mauro Roberto Bom – Nesses anos todos trabalhando na região, a gente percebe que o empresariado pelotense vem mudando, o que eu acho muito positivo. Claro que mais ou menos 63% do nosso Produto Interno Bruto (PIB) é de comércio e serviço, que é o carro chefe da região e do país, mas a gente percebe que além da potência e da força do comércio e do serviço local, há diversos outros setores que também são importantes, afinal, nós temos cerca de 40 mil estudantes universitários, em uma cidade de 340 mil habitantes, ou seja, é uma proporção enorme. Isso é a qualidade do serviço prestado, caso contrário não teríamos todo esse público aqui. Um exemplo: o comércio é muito pujante e o agronegócio realmente vem inovando muito, com novas tecnologias de produção, de gestão e de administração. Então, essas são as duas marcas do perfil das empresas ou do empresariado pelotense quando você olha de fora.
Superávit – E quais foram as principais mudanças nesse perfil nos últimos anos?
De 10 anos para cá, se percebe outra mudança muito forte, que é a questão tecnológica. A criação do nosso Parque Tecnológico, o Tecnosul, tem mudado o cenário. O primeiro fator positivo foi uma aproximação da academia, ou seja, da UFPEL, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-riograndense (IFSUL) e da UCPEL com as empresas de tecnologia. Essa aproximação fazia falta e agora ela começou e vem evoluindo. Nosso parque tem de cinco para seis anos e já tem mais de 30 empresas incubadas que geram mais de 270 empregos diretos, e tem empresas que já se emanciparam, evoluíram e até já foram vendidas, além de outras tantas em criação. Tem ainda o projeto chamado Inova Cuca, que participei recentemente, e que é uma oportunidade que os estudantes têm de apresentar as suas ideias, os seus projetos, as ideias de como eu transformo isso em um negócio ou potencial de negócios. É um trabalho muito interessante que estimula a classe empresarial a pensar: opa, aqui nós temos cérebro, aqui nós temos pessoas com ideias inovadoras e nós temos pessoas com capacidade de fazer algo novo. Eu vejo que, se há 20, 30 anos, grande parte da nossa mão de obra formada aqui ia embora, muitas vezes para o Vale dos Sinos, para a grande Porto Alegre, para a Serra ou para outros estados, porque eles tinham um parque tecnológico melhor, eu diria que hoje me parece um setor criativo muito forte aqui em Pelotas. Nós temos indústrias em Pelotas muito fortes, que pouco falamos nelas. A gente fala muito no comércio e no serviço, que realmente é onde está o maior volume, e também no agronegócio, que é uma referência no Brasil, por exemplo, com a cultura do arroz, mas eu percebo um viés novo de uma nova onda de empresários, homens e mulheres, voltados para as novas tecnologias e para a inovação do ponto de vista operacional e também do ponto de vista da gestão da qualificação. Eu vejo uma grande mudança nos últimos anos que, no meu ver, é positiva.
Superávit – Dentro desse contexto de mudanças temos que considerar que em todas as áreas acaba acontecendo situações de dificuldade. Qual seria hoje a maior dificuldade que o empresário pelotense enfrenta?
Mauro Roberto Bom – Eu diria que uma das maiores dificuldades do empresário, não só em Pelotas, mas no Brasil, é o nosso modelo tributário. Nossa matriz tributária é algo que deveria ter sido mudado há 30 anos, como mudou aqui do lado o Uruguai, a Argentina, ou o Chile. Ou seja, não é nenhuma megalomania. Nós não conseguimos criar um sistema tributário mais simples. E estou falando apenas do formato, não estou falando de reduzir a carga tributária, que também seria importante. Em um primeiro momento, não seria a redução o grande canal. O grande canal seria simplificar a forma de você pagar os impostos. O maior exemplo é que foi criado há dez anos o Simples. Bom, se foi criado o Simples é porque se tem o complexo. Então se alguém criou o Simples é porque alguém dentro do próprio sistema governamental admitiu que é muito complicado. Só que o Simples não abrange todo mundo e não é tão simples assim. Então, na verdade esse é um problema não apenas do âmbito local. Já uma questão mais local é a questão energética, por exemplo. Nós não temos gás. Agora nós estamos com o licenciamento aprovado de uma termoelétrica em Rio Grande, que vai impactar muito aqui na região. Eu diria que na minha forma de ver, a região não será mais a mesma depois da conclusão dessa termoelétrica: em número de emprego, geração de renda, pagamento de impostos, mas principalmente, porque hoje nós não temos gás. Por exemplo: não adianta ter um polo industrial cheio de terrenos sem a energia, seja em Pelotas, seja em Rio Grande. Isso faz com que muita gente não venha para cá: indo para Serra Gaúcha, para o Vale dos Sinos, para o polo petroquímico, pois lá chega o gás. Aqui não. Então, isso será um divisor de águas, nesse outro contexto.
Superávit – Seguindo com a questão das dificuldades do empresariado local, qual a avaliação que pode ser feita sobre o impacto da pandemia após dois anos do surgimento da Covid-19?
Mauro Roberto Bom – Impactou muito. Os impactos econômicos e sociais foram fortes. Apesar disso, nós tivemos alguns setores que não sofreram nenhum tipo de contingência devido ao tipo do setor em que atuam, como o agronegócio, que é rural, a construção civil ao ar livre, etc. Nas empresas, nas escolas, nos serviços, no comércio e onde se trabalha em ambientes fechados e onde se tem possível aglomeração, houve grandes perdas. Nós tivemos lojas que fecharam, academias que fecharam, salões de beleza que fecharam, universidades fechadas, escolas fechadas, ou seja, uma cidade onde o carro chefe é o comércio e o serviço, todos esses negócios que nós estamos falando que fecharam impactou muito no resultado da cidade, pois tem um peso maior no PIB do município. Claro que nem uma perda compensa perder uma vida e a gente tem aí inúmeras vidas perdidas, apesar de todo o esforço, de toda a evolução que houve no aumento de leitos hospitalares, no aumento de leitos de UTIs, no aumento de equipes médicas, na dedicação ímpar dos profissionais de Saúde, fazendo todo um esforço. Mas mesmo assim perdemos muitas vidas. Aqui no prédio da ACP, que é da própria entidade e que aluga para terceiros, por exemplo, nós chegamos a ficar com 14 salas desocupadas. Muitas empresas com anos de trajetória não suportaram, tiveram que fechar, tiveram dificuldades, não conseguiram pagar o aluguel e tiveram que entregar. Hoje o cenário já é outro, mais da metade dessas 14 peças já foram realocadas e a vida continua. Mas, houve realmente um impacto forte, setorialmente falando. Todo aquele sistema, cuja a característica é atender direto ao público, foi mais impactado pela pandemia, com certeza. Por outro lado, olhando a cidade, uma cidade com 340 mil habitantes, nós temos sete hospitais e tivemos hospitais ampliados, com mais leitos e mais leitos de UTIs, e agora vamos ter o hospital de pronto-socorro, além do hospital da Unimed, inaugurado a não muito tempo. Ou seja, não é fácil achar uma cidade do nosso porte com tamanha estrutura no setor de saúde. Então, eu vejo que teve um ganho por essa ótica, não só de investimento e qualificação, como também na ampliação da tecnologia na área da saúde.
Superávit – Falando agora das atividades da ACP, o que é possível destacar para o público sobre as principais ações e realizações de eventos nessa retomada?
Mauro Roberto Bom – Nós tivemos que nos reinventar. Somos uma entidade que no ano que vem completa 150 anos, sendo a terceira mais antiga do Rio Grande do Sul, e nosso prédio fez 80 anos, agora em janeiro. Além disso, durante a pandemia, conseguimos nos reinventar, oferecendo soluções e informações aos associados, seja na área de saúde, de crédito, na área jurídica, etc. Nós recém tínhamos lançado um site novo da entidade, então, tivemos que lançar a entidade muito forte nas redes sociais. Aquilo que fazíamos sempre presencial, aprendemos a fazer por redes sociais, como reunião almoço, café, happy hour, tudo por redes sociais. E para a nossa sorte houve uma grande aceitação. Nós tivemos uma média, em 2021, de mais de 30 eventos, praticamente todos virtuais e uns poucos híbridos. E nós tivemos mais de sete mil pessoas assistindo nossas lives pelas redes sociais. Nosso salão aqui em cima, ele comporta em média, em uma reunião almoço, no máximo 120 pessoas, e a nossa média de reunião almoço virtual foi de mais de 300 pessoas. Ou seja, é mais do que comportaria o nosso salão. E isso também permite a participação de quem não está na cidade. Para nós foi uma grande mudança em que saímos praticamente do zero e hoje temos quase 8 mil seguidores nas redes sociais. Então, para nós foi uma necessidade e ao mesmo tempo uma oportunidade para dar uma guinada no mundo das novas tecnologias.
Superávit – Para o futuro, você acredita que essa é uma nova realidade que veio para ficar ou vai voltar a ser tudo presencial como antes?
Mauro Roberto Bom – Eu acho que grande parte das mudanças vieram para ficar. Vou dar alguns exemplos pontuais. Nós fomos educados com o trabalho todo presencial. Até poucos anos atrás, quando alguém dizia que estava fazendo algo à distância, em geral havia um sentimento de preconceito. Como se alguém dissesse que uma pessoa em casa não produz, só produz se estiver presencialmente em um determinado lugar. Porém, hoje sabemos que dependendo da situação, pode haver uma produção melhor em casa. As empresas, por exemplo, estão desalugando os grandes escritórios e estão reduzindo custos para investir em novas tecnologias e na qualificação de pessoas. Grande parte de algumas cidades possuem redes de hotéis voltada para o chamado turismo executivo e hoje se percebe que, mesmo com as atividades retomando, a maioria das reuniões continuam sendo virtuais, afinal, assim se reduz o custo para quem faz as reuniões. Porém, é prejuízo para o dono do hotel que esperava todo o mês a reunião lá. Então, eu percebo que boa parte do nosso cenário atual, vai ficar. Nossos conceitos, a nossa cabeça, a nova geração de empreendedores, de estudantes, de professores, a nova geração de empresários e empresárias, já estão percebendo que eu não preciso mais ficar olhando para você, para você produzir. Que eu tenho como fazer isso à distância. Claro que ainda há muito a ser adaptado, como legislação trabalhista e uma série de coisas, porque nós tínhamos o modelo único presencial, e agora já se tornou no mínimo um modelo híbrido.
Superávit – Agora falando como economista, o Brasil tem um dos menores índices no que se refere à alfabetização financeira no mundo e anualmente a gente vê notícias do aumento no endividamento da população. Como seria possível capacitar melhor a população em termos de conhecimento sobre economia e finanças?
Mauro Roberto Bom – Eu acredito que nós deveríamos ter, a partir do sétimo ano do Ensino Fundamental e todo o Ensino Médio, uma disciplina de Educação Financeira. Junto com a História, a Geografia, o Português, enfim, com as outras disciplinas que já temos. As pessoas precisam conhecer mais como funcionam os mecanismos financeiros do cotidiano, como o cheque especial, o cartão de crédito, o que representa o parcelamento da fatura, o que é uma taxa de juros do governo, etc. Ninguém fala para o jovem sobre aquilo: o que é uma taxa de juros, o que é o IPTU, o que é o ITBI e outros impostos. Isso é fundamental para saber quanto que eu ganho, quanto que eu pago, como que são feitas as retenções e tudo o mais. Isso já deveria começar no sétimo ano. No segundo grau deveria continuar com esse assunto e incluir mais um, que é fundamental e que a maioria da população não conhece, ficando refém do sistema público: a educação previdenciária, que é um ramo da financeira. Também acho que deve ser trabalhado um contexto mais amplo, como por exemplo, ensinar como funcionam títulos públicos, um CDB, uma Letra de Câmbio, ou seja, eu acredito que nós perdemos ao não oferecer ao aluno essa informação prática da vida dele. Hoje, como funciona? Eu me formo, não me programo financeiramente na vida, não planejo e fico refém de, quando eu tiver idade para me aposentar, o governo vai me dar alguma coisa. A gente não tem uma cultura de planejamento e criação. E isso deveria ser ensinado para todos, tanto no ensino público quanto no privado. E essa é uma deficiência do sistema.
Superávit – E sobre os pequenos empresários, como por exemplo, aquele empresário por necessidade, aquele que perdeu o emprego na pandemia e precisou montar seu próprio negócio para poder sobreviver. Como capacitar essas pessoas, principalmente considerando o alto número de empresas que abrem e pouco tempo depois fecham as portas por falta de planejamento?
Mauro Roberto Bom – Na pergunta anterior, eu respondi toda ela sob a ótica da Pessoa Física. Mas, eu creio que no Ensino Médio já daria para colocar questões da Pessoa Jurídica. Por quê? Porque não há emprego para todos. Sempre vai ter um grupo de pessoas que de alguma forma vai ter que achar outro meio para sobreviver que não seja exercendo o seu trabalho. Na melhor situação que nós vivemos no Brasil, tivemos taxa de pouco mais de 4% [2014]. Mas em um país com mais de 100 milhões de pessoas com idade para trabalhar, 4% são quatro milhões de pessoas. Ou seja, não tem empresa para todos, não tem emprego para todos. E quando tem, exige um nível de qualificação que às vezes esse cidadão não tem. Então, eu colocaria no Ensino Médio o mínimo de finanças do Microempreendedor Individual (MEI), da microempresa, para não ser uma pessoa refém. Isso tinha que estar no Ensino Médio em todo o Brasil. Hoje muitas pessoas se formam nas mais diversas áreas e não tem ideia sobre como fazer para montar o seu próprio negócio. Elas ficam reféns de achar um contador ou um profissional da área financeira e administrativa que lhe preste alguma consultoria, porque não conhecem essa área. Elas não têm a formação básica sobre isso. Quando a gente não tem a informação básica, qualquer informação que chega é a certa, pois eu não tenho como argumentar o que eu não conheço.
Superávit – Como estão hoje as relações da ACP com a sociedade?
Mauro Roberto Bom – Antes de eu ter essa vivência dentro da ACP, há cerca de seis anos, eu não tinha o conhecimento da importância do associativismo. Você montou a sua empresa, o seu pequeno negócio, e as pessoas de modo geral, o quê fazem? Eu vou ter que contratar um empregado, vou ter que ir ao Sindicato para pelo menos fazer um acordo coletivo ou algo parecido. Mas muitas vezes eu não dou importância para as entidades de classe. As entidades de classe são um ponto de informação. Nesse mês de março, por exemplo, temos quatro eventos. No dia 10, uma live virtual para marcar a Semana da Mulher. Já no dia 19, teremos o primeiro encontro das mulheres empresárias do ano. No dia 24, depois de dois anos fazendo no formato virtual, vamos ter o primeiro “Tá na Hora” presencial. E no dia 29 teremos mais uma live. Então, teremos dois eventos virtuais e dois presenciais em apenas um mês, todos dando informação, orientação, capacitação, vivência, relacionamento para o associado e para quem não é associado. Nós temos todo o tipo de sócio: desde produtor rural, comerciante, prestador de serviços, microempreendedor, pequena, média e grande empresa. Então, a entidade tem essa visão corporativa no sentido de ser um fomentador, e não ser um dependente, para que você consiga tocar o seu negócio. E nesse sentido fazemos vários eventos e ações, inclusive com nossos parceiros, como o Sebrae, por exemplo, onde a gente vai oportunizando esses conhecimentos para evitar que as empresas nasçam e fechem em pouco tempo por desconhecimento. A gente oportuniza isso. Mas se você estiver longe da entidade, muitas vezes você nem fica sabendo.