A pandemia do COVID-19 criou desafios ainda mais significativos para os refugiados, que muitas vezes têm comprometido sua capacidade de acessar serviços básicos de saúde e assistência social, participação social e engajamento cívico. O Brasil e a Colômbia estão passando por profundas mudanças urbanas como resultado do deslocamento interno e da migração transfronteiriça. A migração interna tem sido um fator chave, mas o fluxo de refugiados, incluindo aqueles que fogem da recente crise na Venezuela, criou desafios para as áreas urbanas em termos de como fornecer a infraestrutura física, social e comunitária necessária para apoiar a saúde e o bem-estar. Mais de 5 milhões de venezuelanos fugiram de seu país desde 2014, com 1.764 milhões vivendo na Colômbia e 264.617 no Brasil (R4V, agosto de 2020). A agência de migração das Nações Unidas, Organização Internacional para as Migrações (OIM), advertiu que a Venezuela caminha para o mesmo “momento de crise” dos refugiados visto no Mediterrâneo em 2015. O Brasil e a Colômbia já possuíam frágeis suportes formais de saúde e infraestrutura urbana mesmo antes da pandemia do COVID-19, comprometendo o bem-estar dos refugiados. A construção de locais resilientes para apoiar a saúde e o bem-estar foi identificada como uma estratégia de proteção potencial para permitir que as comunidades respondam melhor ao risco e à vulnerabilidade. Para promover a inclusão social, precisamos entender a resiliência como “salto para a frente” em vez de “salto para trás”. Essa conceituação alternativa é vista como mais compatível com nossa perspectiva de estudo – a atenção está voltada para a capacidade das comunidades de continuar uma trajetória de desenvolvimento ascendente, em vez de simplesmente retornar ao seu nível original de vulnerabilidade antes da pandemia.
Considerando esse contexto, o Projeto ‘Projetando Comunidades Resilientes para apoiar a saúde e o bem-estar dos Refugiados Venezuelanos no Brasil e na Colômbia’ iniciou uma pesquisa exploratória em Julho de 2020 e busca propor ferramentas e recursos tecnológicos para informar o desenvolvimento de comunidades resilientes para refugiados da Venezuela no Brasil e na Colômbia, em termos de acesso a serviços de saúde e bem-estar, considerando o contexto da pandemia COVID-19. Esse projeto propõe um conjunto de ferramentas para o planejamento e gestão urbana integrada, que contribuam para o desenvolvimento de políticas e práticas públicas de resiliência eficazes de resposta ao COVID-19. Essas ferramentas buscam intervenções inclusivas, de caráter tecnológico, que ofereçam suporte aos órgãos públicos para auxiliar e apoiar a saúde e o bem-estar desse grupo vulnerável. Esse projeto é uma prioridade agora, pois o impacto do COVID-19 está causando efeitos deletérios nos países de baixa e média renda (LMICs – Low and middle income countries), como Brasil e Colômbia. 80% dos refugiados vivem em LMICs e essas áreas já possuem fracos apoios formais de saúde e infraestrutura urbana, o que compromete ainda mais o bem-estar dessa população. Experiências anteriores com o vírus Ebola e outros surtos mostraram que as políticas públicas precisam incluir refugiados e pessoas deslocadas de seus países para combater o impacto das pandemias e garantir que todos tenham acesso a saúde e ao bem-estar. Reconhecemos que as políticas públicas devem incluir refugiados em medidas de preparação/resposta à pandemia do COVID-19. Reconhecemos é necessário apoio urgente para explorar como as comunidades podem ser resilientes e estarem preparadas para enfrentar pandemias, tanto mais imediatamente no contexto do COVID-19 quanto em cenários futuros.
Buscamos responder a seguinte pergunta: Como planejar comunidades resilientes e inclusivas, envolvendo refugiados venezuelanos no Brasil e na Colômbia, que apoiem a saúde e o bem-estar em resposta à pandemia COVID-19?
Como objetivos temos:
(i) desenvolver uma GIS Plataforma Multi-nacional, capaz de mapear as condições de saúde e bem-estar dos refugiados venezuelanos no Brasil e na Colômbia em todo território nacional de ambos países, a fim de entender as necessidades dessa população em resposta à pandemia do COVID-19;
(ii) mapear e compreender as experiências dos refugiados venezuelanos no Brasil e na Colômbia a partir de um aplicativo inovador para celular que consiga identificar as barreiras, os desafios e as oportunidades que existem e/ou que poderiam ser criadas para promover um planejamento urbano sustentável e saudável para as comunidades durante e após a pandemia do COVID-19;
(iii) desenvolver capacidade tecnológica além da pesquisa, trabalhando em estreita colaboração com comunidades, atores humanitários, formuladores de políticas públicas e profissionais e pesquisadores no Brasil e na Colômbia.
O desenvolvimento inicial da GIS Plataforma estará disponível dentro poucos meses e rapidamente colocada a disposição das principais partes interessadas, financiadores e beneficiários. Essa GIS Plataforma terá o potencial de ser adaptada e expandida para outros países e regiões afetadas pela pandemia. O aplicativo de celular a ser desenvolvido, BondCommunities app, dará acesso aos dados da plataforma como também possuirá outras funcionalidades para captação de entrevistas, diários de fotos e fóruns de políticas públicas. É importante ressaltar que os resultados também apoiarão intervenções já existentes, incluindo a Plataforma R4V já desenvolvida pelo ACNUR, para que se possa vincular os entendimentos de saúde e bem-estar em diferentes assentamentos onde vivem refugiados venezuelanos no Brasil e na Colômbia.
Em seguida, será desenvolvido um Kit de Ferramentas contendo recomendações específicas sobre como comunidades podem ser planejadas para enfrentar momentos de pandemia, como o COVID-19, de forma resiliente, sem pânico e consciente. O trabalho multidisciplinar desenvolvido em estreita colaboração com acadêmicos do Brasil, Colômbia, Reino Unido e USA, comunidades locais, atores humanitários, formuladores de políticas públicas e profissionais, é central para o alcance dos objetivos, aplicação bem-sucedida e aprimoramento dos métodos aplicados. Esse trabalho em equipe também permitirá o estabelecimento de caminhos de impacto, de maneira que recursos e kits de ferramentas sejam disponibilizados imediatamente as instituições interessadas para apoiar a tomada de decisões.
O projeto é inovador tanto no design da pesquisa quanto na natureza multidisciplinar da equipe do projeto, impulsionado por uma estrutura que coloca as comunidades centrais no processo de investigação. A amostra populacional se baseará em várias faixas etárias, sexos mistos e tipologias domésticas (por exemplo, morar sozinho, famílias, casais).
Brasil & Colômbia no Processo de Acolhida
O Brasil desempenha um importante papel de liderança na proteção internacional de migrantes e refugiados, sendo o primeiro país do Cone Sul a ratificar a Convenção de 1951 relativa ao Estatuto dos Refugiados em 1960. Existem 264,617 venezuelanos vivendo no Brasil (ACNUR, 2020) e em média entre 150 a 200 venezuelanos passam por dia no Centro de Recepção e Registro da cidade de Pacaraima em Roraima, um dos principais pontos de entrada na fronteira entre o Brasil e a Venezuela. O Governo Federal Brasileiro implementa um programa de interiorização – o Operação Acolhida, voltado para refugiados venezuelanos desde 2018. Seu principal objetivo é transferir refugiados de áreas onde serviços públicos e oportunidades econômicas são desproporcionalmente escassos para destinos onde os serviços públicos locais podem ser mais bem desenvolvidos para apoiar iniciativas de integração. Além desse programa planejado e assistido, observa-se o movimento espontâneo de refugiados no território nacional, principalmente em direção às cidades grandes como São Paulo e Rio de Janeiro. Essa combinação de estratégias de migração – induzida e espontânea – levanta o desafio de como elaborar políticas de integração de longo prazo. Conforme indicado pelo ACNUR (Agência das Nações Unidas para os Refugiados) no documento do Comitê Executivo “Novas abordagens para soluções”, é necessário examinar intervenções mais permanentes e abrangentes, que trabalhem para o desenvolvimento de comunidades saudáveis e sustentáveis, destinadas ao reassentamento de longo prazo.
Na Colômbia, de acordo com a ACNUR, até Agosto de 2020, 1.764.883 refugiados venezuelanos se estabeleceram no país. A resposta do governo colombiano a esse fluxo de refugiados tem se concentrado na concessão de Permissão Especial de Permanência (PEP), que permite que refugiados acessem emprego formal, bem como serviços de educação e saúde por até dois anos (Conselho Nacional de Política Econômica e Social, 2018). Sem uma política integral de imigração e realocação, os refugiados venezuelanos reassentam-se permanentemente em áreas urbanas periféricas de grandes cidades, como Bogotá, Barranquilla, Cúcuta, Medellín, Cartagena e Cali (Fedesarrollo e ACRIP, 2018), tendo Bogotá como principal destino, recebendo 238.758 imigrantes permanentes (Ministerio de Relaciones Exteriores da Colômbia). Em 2017, estimou-se que a área metropolitana de Sabana de Bogotá (Bogotá e 11 municípios vizinhos) tinha 158.000 do déficit habitacional total, com 60.573 famílias sem moradia e 97.334 casas consideradas estruturalmente vulneráveis ou localizadas em bairros sem serviços públicos (Secretaria de Planejamento, 2017). Dado o atual aumento da migração de refugiados da Venezuela, espera-se um maior estresse na infraestrutura da cidade para a prestação de serviços essenciais. Enquanto a taxa de desemprego em Bogotá é de 11%, chega a 18% para refugiados venezuelanos (Fedesarrollo e ACRIP, 2018), o que limita ainda mais o acesso a serviços públicos essenciais – como moradias e serviços de qualidade – para famílias desempregadas e empregadas informalmente.
O objetivo do Projeto a longo prazo é influenciar a política e a prática regional por meio de uma Agenda de ‘Cidades Resilientes para Refugiados’ que aborde como planejar e projetar melhor as comunidades para apoiar a saúde e o bem-estar em caso de futuras pandemias. Os resultados em termos da plataforma, ferramentas e diretrizes para comunidades resilientes fornecerão um legado duradouro local e nacionalmente, fornecendo apoios práticos que poderão ajudar agências humanitárias regionais e internacionais na América Latina, Ásia e África, por exemplo. A GIS Plataforma e o kit de ferramentas oferecem a oportunidade de serem expandidas para mapear outros países onde o COVID-19 teve um impacto nas comunidades de refugiados. Trabalharemos com nossos parceiros do projeto para identificar as partes interessadas regionais e internacionais relevantes que se beneficiariam com a pesquisa, bem como utilizar as redes existentes para promover capacitação e escalabilidade do projeto para outros países.