Dia da Consciência Negra: história, mercado de trabalho, educação e luta diária

-por Marisa Campos 

O 20 de novembro marca o Dia da Consciência Negra no Brasil, a data foi escolhida por coincidir com o dia da morte de Zumbi dos Palmares, grande líder Quilombola referência até hoje para a cultura e o movimento negro. O dia foi constituído pela Lei nº 12 519, de 10 de novembro de 2011, após a implementação da Lei. Cerca de mil cidades do país e nos estados do Amazonas, Amapá, Alagoas, Mato Grosso e no Rio de Janeiro a data faz parte do calendário, sendo decretado feriado.

 

O dia existe para que haja realmente uma consciência e reflexão do papel da sociedade brasileira no tratamento com as pessoas negras e o papel da luta do movimento negro contra a desigualdade racial. No dia 13 de maio de 1888 foi abolida a escravidão no Brasil. São apenas 133 anos que negros não são mais escravos, mesmo assim, até os dias atuais, as mazelas estruturais do racismo parecem não ter acabado junto a escravidão.

 

Os ex-escravizados ficaram nas ruas sem comida, roupa ou casa, expostos aos vícios como o alcoolismo, sem terem para onde ir nos morros cada um foi criando seu cantinho para morar sem sequer imaginar que estariam implementando o que é chamado hoje de favela, o que ainda concentra o maior número de pessoas negras.

 

Além disso, como reflexos desse passado muitas expressões dita em nosso vocabulário atualmente ainda são de origens racistas e poucas pessoas sabem como: doméstica, criado-mudo, dar nas coxas, cor do pecado, mulato (a), serviço de preto, magia negra, denegrir, cabelo ruim, pé na senzala, entre outras, milhares que ainda estão sendo descobertas. 

 

Como a luta do povo negro nunca parou desde que os primeiros africanos pisaram nesse país, cansados de sempre serem discriminados, humilhados com o objetivo de garantir direitos para a população negra brasileira, aos poucos foram surgindo movimentos sociais para cobrar e garantir o básico para um ser humano viver, o respeito.

 

Em 18 de junho de 1978 foi criado o Movimento Negro Unificado (MNU). O grupo nos anos chumbo da Ditadura Militar protestavam a favor dos direitos da população negra. Um marco do movimento, foi em 7 de julho do mesmo ano, onde o grupo se reuniu pela primeira vez nas escadarias do Teatro Municipal de São Paulo, o protesto contou com a presença de mais de 2 mil pessoas em plena ditadura militar.

 

A ocasião contou com a presença de diversos líderes de outras cidades brasileiras em São Paulo, intelectuais importantíssimos para a cultura negra como a escritora Lélia Gonzales e o professor de Geografia Abdias Nascimento estavam presentes neste ato importante que marca até hoje a resistência do povo negro brasileiro. Por isso, o dia é para realmente refletir e pensar em atitudes práticas para a luta contra o racismo.

 

Nos resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) do IBGE referente ao quarto trimestre de 2020, os negros representam 72,9% dos desocupados do país, sendo um total de 13,9 milhões de pessoas desempregadas. Um dado alarmante que deve ser combatido com iniciativas e ações afirmativas como estão fazendo algumas empresas como é o caso da Magazine Luiza com um treinee exclusivo para negros, “Legado”, como é intitulado, o programa seleciona profissionais negros formados para passarem 12 meses realizando atividades de aprendizagem, comportamentais, competências técnicas e a visão gera do negócio. Os selecionados podem atuar em 10 áreas de toda a empresa, o objetivo é ter mais pessoas negras em cargos de lideranças na empresa. 

 

Além da Magazine Luiza também existe o estágio da Ambev para todas as suas sedes e fábricas instaladas no país, o estágio batizado como “Representa” seleciona estudantes universitários para atuarem em diversas áreas da empresa. O programa, ajuda a desenvolver a atuação do estudante, com autonomia nas atividades, com todo o suporte e mentores especializados para auxiliar. A Bayer também possui seu programa de trainee, denominado “Liderança Negra” promove o desenvolvimento de profissionais negros ao longo de 18 meses para assumirem posições estratégicas de liderança na multinacional, com diversos conteúdos de aprendizagem técnica e sócio emocionais. 

 

Na área jornalística, pela primeira vez a Folha de São Paulo realizou um treinamento em jornalismo diário para estudantes ou quaisquer profissionais negros. Durante três meses foi realizado um curso online com aulas de práticas jornalísticas, português, uso de base de dados, entre outros temas, sendo coordenada pela jornalista Flávia Lima. Essas e outras iniciativas da inclusão do negro no mercado de trabalho para o crescimento profissional refletem em resultados para a luta antirracista, mas também, para inspirar outras grandes empresas para que mais iniciativas sejam criadas e oportunizadas.

 

Na educação, em 2019 o IBGE divulgou uma pesquisa que mostrou um aumento dos estudantes negros nas Universidades Públicas, alcançando a marca de 50,3%, esse é o resultado do sistema de cotas no Brasil. As cotas são garantidas pela Lei Federal nº 12.711 de 2012 e define que, no mínimo, 50%  das vagas nas universidades devem ser destinadas para alunos do ensino público, pessoas deficientes e também para pessoas autodeclaradas pretas, pardas ou indígenas.

 

Com essa Lei de apenas 9 anos já é possível ver os primeiros resultados eficazes das ações afirmativas que muito são julgadas e também mostra a importância das cotas raciais para a universidade pública. Dessa maneira, mais pessoas negras podem ingressar na universidade e cursar o que sonha. 

 

O dia 20 de novembro é isso, não é o dia de relembrar as dores e sim para ressaltar a luta de Zumbi dos Palmares, Dandara dos Palmares, Luiz Gama, Machado de Assis sempre embranquecido pela sociedade, Carolina Maria de Jesus, do MNU, Lélia Gonzales, Abdias Nascimento, Sueli Carneiro, Luiza Bairros, Conceição Evaristo, Djamila Ribeiro, Silvio Almeida, de Tim Lopes, entre milhares de lutadores contra o racismo. 

 

Dia 20 de novembro é para ressaltar a representatividade de profissionais especificamente do Jornalismo como Glória Maria, Maju Coutinho, Flávia Oliveira, Heraldo Pereira, Lissie Oliveira, Zileide Silva, Diego Sarza, Márcio Bonfim, Dulcineia Novaes, Joyce Ribeiro, Valéria Almeida, Manoel Soares, Fernanda Carvalho, entre outros incríveis profissionais. Além disso, veículos independentes como Site Mundo Negro, Notícia Preta e Alma Preta Jornalismo ressaltam com exclusivamente cultura negra e a luta racial no jornalismo. 

 

Dia 20 de novembro serve para refletir quais atitudes concretas podem gradualmente diminuir o racismo e a desigualdade social no Brasil visando para que as novas gerações cresçam sem o peso dos olhares racistas, tenham oportunidades de estudo adequado, um emprego digno e vivam em igualdade.

 

Para complementar, abordar situações, explicar sobre o racismo no Brasil e outras demandas da população negra, o professor de Sociologia, Mestre em Educação e Doutorando em Educação, William Machado afirma, em um primeiro momento, que o racismo no Brasil é estrutural e explica:

 

“Somos vítimas de um racismo que está calcado na estrutura da sociedade brasileira, o racismo perpetue na questão econômica, social, politica e passa na questão da movimentação dos negros na sociedade.

 

O professor acrescenta na sua fala um ponto importantíssimo sobre a discriminação racial: “O racismo no Brasil está calcado na cor da pele, para entender o racismo estrutural é necessário estudar a história brasileira.” 

 

Além disso, questionado sobre a importância do Dia da Consciência Negra e o que esse dia simboliza para o povo negro, William ressalta que é extremamente importante essa data, pois marca a luta de Zumbi dos Palmares e fala sobre uma discussão em alta no movimento negro: 

 

Precisamos desmistificar o dia da consciência negra, o dia não pode existir meramente no dia 20 de novembro. Não posso falar do negro apenas no dia 20, somos muito mais do que 20 de novembro, nós somos o ano inteiro, nós somos décadas inteiras, somos séculos inteiros, somos muito mais que isso, nós somos muito mais do que uma semana, para além de lembrar do negro, eu tenho que agir para a população negra, com educação, saúde, na economia e com possibilidades no mundo do trabalho, o dia da consciência negra é para lembrar que nos outros dias do ano, nós precisamos lembrar do povo preto brasileiro.”

 

Sobre comentários infelizes sempre compartilhados nas redes sociais como, por exemplo, “o dia da consciência humana”, William ressalta que 

 

“É uma questão de falta de leitura, conhecimento e estudo, de uma branquitude que não percebe a população e invisibiliza o tempo inteiro os negros nesse país. É necessário ser consciente e todos devem entender que tudo resulta na cor da pele, eu vou ser analisado pela cor da minha pele e isso preciso estar claro. A cor da pele é determinante para o racismo no Brasil, se eu tenho a pele preta eu sofro racismo, o racismo velado, a pior coisa que existe, porque tu nunca sabes onde estas pisando.”

 

O professor de Sociologia complementa sua fala anterior abordando a questão do silenciamento da população negra, um ato que escancara o racismo estrutural: 

 

“Silenciamento do povo negro, ele se da em vários momentos, quando eu não dou a voz para um aluno que está em sala de aula comigo, por exemplo, eu invisibilizado ele. Eu continuo mantendo esse racismo de forma estruturada, negando sua fala extremamente importante, a partir disso devemos repensar a educação que é base para podermos entender que quando se fala em consciência humana essas pessoas necessitam de leitura, conhecer a história do Brasil e depois disso começar a colocar em prática para perceber que quando se fala em consciência negra, nós estamos tentando conscientizar uma população do todo e da população que em sua maioria é preta que está nessa sociedade brasileira sendo discriminado pela sua cor de pele.”

 

O dia 20 de novembro é um dia para refletirmos sobre a luta negra e quais medidas práticas podem ajudar na luta antirracista. Pesquise, leia e estude sobre a história dos negros no Brasil e enxergue a sociedade de outra maneira. 

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