Artistas _
Ali do Espírito Santo
Patrick Tedesco
Tainah Dadda
grupo T.E.L.A.
/ Laís Possamai
/ Nicolas Beidacki
/ Daniel dos Santos
Curadoria _
Nicolas Beidacki
Marcada pela relação experimental entre performance, paisagem, desencaixes e pertencimentos, a exposição aproxima práticas distintas sobre a necessidade de movimento e a pausa contemplativa frente a um lugar ou tempo que nunca cessam de recomeçar. Entrelaçadas por um contexto e observadas por suas dimensões poéticas, as obras de Ali do Espírito Santo, Tainah Dadda, Patrick Tedesco e do Grupo T.E.L.A procuram um diálogo entre o geopolítico e o geofísico, a catástrofe e o efêmero ou até mesmo entre o tempo histórico, ecológico, meteorológico e o inadiável cataclisma.
A fuga que promovem para um ponto de contemplação no horizonte evidencia um retorno íntimo e subjetivo para si e uma indagação sobre o jogo de dualidade e associação que existe entre o ambientado e o ambiente. Esse embate no qual nunca deixamos de exercer um papel crucial, tardio e muito provavelmente repleto de angústia. Sensações de “deixar para trás”, “ouvir o estrondoso silêncio”, “desviar-se de si” e “diluir a matéria” mesclam a interiorização de uma certeza que paira sobre os trabalhos: “nascer leva tempo”. Assim, sem deixar de abrir discussões sobre a linguagem da performance, da fotografia, da escultura e da instalação, as obras parecem sugerir a percepção de que existe uma inquietude, uma ruptura desconfortável com o lugar que nos cabe neste mundo. As águas do Guaíba, a Lagoa dos Patos, as margens, o objeto em chamas, o derretimento e o colocar-se na terra, por mais que se insiram numa lentidão visual programada, são intervenções de uma travessia, movimento, um turbilhão de delicadezas que avançam constantemente.
Avassaladora também é a sua radicalidade no vazio. A incerteza e a ambiguidade, partes fundamentais para as questões sobre os fins e começos, os lugares e não-lugares e o movimento interno e externo, vão surgindo quando todos os elementos utilizados nos trabalhos param, se desintegram, desambientam-se e voltam novamente a existir. Uma revelação de que tudo que conhecemos está permanentemente mudando, se desfazendo, ressurgindo e que não temos controle sobre a busca na qual seremos lançados. Nossa substância é um colocar-se no inesgotável fluxo que reúne o sentimento de “um mundo sem nós” e um “nós sem um mundo”, pouco a pouco andando, buscando o caminho do próprio caminho, numa travessia turva, triste e sombria. É a temporalidade daqueles que unificam passado e presente e estabelecem um mapa da compreensão do território de si, lançam uma cartografia da expressão mais íntima e veem a vida circular na terra.
Setembro de 2021
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Nicolas Beidacki
Curador da exposição virtual No Horizonte Profundo
Deixar Para Trás, 2017
Tainah Dadda
Fotoperformance
Entre o parto e o estrondo, 2017
Ali do Espírito Santo
Videoperformance, 04’09”
Metadesivo, 2019
T.E.L.A.
Instalação
Obra em Derretimento nº4, 2020
Patrick Tedesco
Videoarte/Time-lapse, 03’57”
ENTREVISTAS
Confira as entrevistas com os artistas da exposição
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Nicolas Beidacki _
Dos horizontes que se impõem, o seu é o que parece, na maioria dos casos, não apresentar nenhuma saída. Num determinado momento, há uma parede de concreto à sua frente; depois, observamos você num frágil trapiche sobre as águas que banham o interior de Pelotas. Já em Portugal, que seria o lugar para a fuga, o projeto se realiza dentro de casa, trancada. Numa obra que fala sobre deslocamento, ir adiante, deixar para trás, não é possível notar como quase tudo está se impondo ao seu movimento?Tainah Dadda _
A Física não era das minhas matérias favoritas, mas tenho alguma lembrança da relação entre a Força do Atrito e os corpos em movimento! Brincadeiras à parte, podemos mesmo pensar nesses termos, de que os obstáculos do espaço talvez sejam essenciais para o impulso da ação. Inclusive, foi a partir de uma maior percepção da hostilidade da cidade em que eu vivia para com seus artistas, que tive a motivação de me voltar para a paisagem urbana do interior do Rio Grande do Sul para desenvolver esse projeto.
Lembrei também de uma leitura feminista que uma pessoa fez das imagens durante uma das primeiras exposições da fotoperformance. Ela me disse que era sobre a busca da mulher pelo seu próprio espaço. Se tomarmos essa ideia como ponto de partida, então a presença de obstáculos que se impõem ao movimento das identidades femininas em seus percursos de independência é ainda potenciada. Mas vamos nos ater à palavra “busca”. Talvez a intenção deste corpo pese mais do que a concretude da ação. Ao buscar, não há um compromisso, nem a garantia de êxito. Pode não haver saída no horizonte, mas nada impede que sua busca.
Em outro sentido, a obra também não se define somente ao redor de grandes fugas, de partidas épicas, mas muito mais em torno das pequenas despedidas cotidianas, inerentes à vida. No dia a dia das cidades, há minúsculas mortes a todo o instante, breves perdas, mudanças constantes, deixar para trás é reconhecê-las e aceitá-las.
Aliás, mesmo no isolamento entre quatro paredes esses pequenos lutos diários não param de ocorrer. A série feita em Portugal surgiu daí. É importante dizer que ela se deu literalmente em estado de exceção. Estávamos no processo de desconfinamento do primeiro lockdown que o país viveu, no início da pandemia da Covid-19. Por isso, a escolha do espaço da casa que, para todos nós que pudemos cumprir as regras sanitárias, se tornou muito mais do que um abrigo, mas todo o microcosmos que uma rua ou uma cidade é. A relação do corpo com aquele ambiente e com o tempo se alterou profundamente. Na imobilidade dos dias confinados, as semanas e os meses pareciam passar em alta velocidade. Tudo era mais impermanente e frágil do que jamais pareceu ser, “deixar para trás” se tornou um imperativo, um solo comum para parte da população mundial, como há tempos não parecia possível. Então, minha reação natural foi experimentar a ação no espaço doméstico.Nicolas Beidacki _
A presença da cadeira como única bagagem que ainda sujeita essa personalidade que deixa para trás todo o resto na paralisação momentânea do movimento, implica, senão numa contemplação do ambiente exterior, numa reflexão sobre o pensamento interior da artista. Para onde se volta essa cadeira? E como a composição de interior e exterior dialogam com esse objeto?Tainah Dadda _
Interior e exterior dialogam continuamente, esse duplo movimento de interação com o ambiente externo e de meditação ativa é fundamental para a realização da ação. E a cadeira desempenha muitas funções, desde as mais práticas, como auxiliar na construção de uma outra qualidade de presença, na medida em que altera o equilíbrio, o peso e o tempo do corpo em deslocamento, quanto as mais simbólicas: como prolongamento desse corpo, ou bagagem como a pergunta se refere, ou o simbolismo de presenças e ausências que se deixam ou não para trás. A cadeira se volta para o passado, para as distâncias percorridas, mas avança sempre em direção a um por vir.Nicolas Beidacki _
Quando pensamos o registro do movimento é comum relacioná-lo com a imagem em vídeo, uma vez que a fotografia permite uma certa paralisação do presente, em lugar e em tempo. Como se deu a escolha para o uso da fotoperformance, uma vez que ela parece induzir a uma contradição natural ao movimento?Tainah Dadda _
A fotografia é um dispositivo mnemônico em sua origem e a relação entre corpo, memória afetiva e espaço está na base da concepção do projeto. Deixar para trás é sobre a impermanência, a transitoriedade das coisas, mas não se trata só de movimento, é também o esforço de capturar, de guardar o que se move. Ao final de cada percurso, a ação performática inclui uma etapa contemplativa, imóvel na cadeira, em que o trajeto percorrido é observado. Costumo dizer que é o “olhar de quem se despede”, aquela observação atenta de quem procura registrar na memória todos os detalhes, sons, cheiros… Mas é quase um trabalho de Sísifo, porque uma vez percorrido, o caminho já não é mais o mesmo. A fotografia então faz parte desta intenção de conservar o efêmero, fragmentar a ação, isolar o movimento para evidenciar detalhes que, no instante seguinte à captura da imagem, podem se alterar ou deixar de existir.Nicolas Beidacki _
O uso das cores na construção da imagem e na caracterização da pessoa que deixa para trás sempre é muito significativo no seu trabalho. Nos registros da série realizados no Brasil, vemos a alternância entre tons de preto na constituição da roupa que utiliza para a fotoperformance. Já em Portugal, é o vermelho que marca um contraste nos registros, tanto com relação ao ambiente da imagem, quanto com as imagens anteriores da série. O que motivou a mudança e como ela reflete nas características do próprio trabalho?Tainah Dadda _
Devo mencionar que, assim como as cadeiras, os figurinos de Deixar para trás são sempre peças de roupas usadas, que são doadas ou emprestadas em cada cidade que realizo a ação. É importante que sejam objetos impregnados de memória, que “vestem” esse corpo momentaneamente, mas não pertencem a ele. Por isso, jamais fico com nenhum deles, ao final da performance. Assim, há sempre um espaço para o acaso. O critério principal é que sejam peças de cores sólidas e linhas minimais. A busca por contraste entre a figura humana e o ambiente urbano, no caso do Brasil, e doméstico, em Portugal, também está sempre presente.
As séries no sul do Brasil foram realizadas, duas no outono, e uma ao final do inverno, enquanto em Portugal, era o auge do verão. Evidentemente, a questão climática e geográfica acarreta mudanças na composição das imagens em relação à luminosidade, mas não só, também na disponibilidade corporal tanto de quem performa, quanto de quem fotografa e outros aspectos sensoriais que são invisíveis, mas determinantes para o objeto fotográfico.
Mas voltando às roupas e as cores, tive a opção de um vestido preto também no Porto, mas o vermelho contava mais histórias – pelo modelo, acredito que seja dos anos 70, a etiqueta dizia que fora feito em outro país europeu, e foi oferecido para mim por uma brasileira que que vivia há poucos meses em Portugal e o comprou de segunda mão. Colocar um tom tão permeado de intensidades e extroversão no ambiente introvertido e íntimo da casa, embora promova uma ruptura em relação às edições anteriores da fotoperformance, também estabelece um diálogo de oposições. -
Nicolas Beidacki _
A série de trabalhos “Obra em Derretimento” é parte de uma pesquisa dividida em um eixo teórico e prático de sua pesquisa pessoal na especialização em Artes, em 2012. Nela, você menciona como aplicamos significações ao período que compreende o início, o meio e o fim do tempo. Lidando com materiais efêmeros, como o gelo, para onde se desloca o final do processo: o derretimento ou o registro?
Patrick Tedesco _
O final do processo é a morte do artista ou a morte da obra. Se, com o passar dos anos, ninguém mais lembrar que o artista existiu, então aquele percurso chegou ao seu fim. Da mesma forma, se a obra de Arte pegar fogo ou se perder em nuvens de HDs enferrujados, nada mais restará dela, e ela terá então completado a finalidade de sua existência.
É por isso que eu gosto de pensar que entre “inícios” e “fins” o que importa é o “meio”. Considero que em meu trabalho, tanto as performances do derretimento quanto os registros produzidos, fazem parte deste “meio”. Assim como em nossas breves e relapsas vidas, as esculturas de gelo e seus registros possuem um tempo diminuto de existência. Por irônico que pareça, sim, até mesmo os registros possuem esse tempo limitado de duração (não tenho a pretensão de que irão se manter vivos e acessíveis ao público daqui a algumas dezenas ou centenas de anos).
A minha brincadeira como artista é, então, colocar foco e luz sobre o gelo, conseguir o maior número de realizações e desdobramentos possíveis a partir deste raro objeto, pois, com isso, estou preenchendo de significado minha própria existência, no meio que existe entre o tique e o taque do relógio, no meio que existe entre um nascimento e uma morte.Nicolas Beidacki _
Existe, além do registro fotográfico ou filmado, o suporte para o derretimento, onde fica gravado o processo material do trabalho. Pode-se afirmar que ele atua, então, entre os métodos da escultura, fotografia, videoarte e performance. Como é operar as diferentes linguagens dentro de um mesmo processo? Isso esgota ou expande o sentido inicial dado ao trabalho?Patrick Tedesco _
Eu entendo o suporte para o derretimento como uma “tela de pintura”, este processo de gravação eu costumo chamar de “pintura indicial”. Para a semiótica de Peirce, a pegada de um cachorro, por exemplo, pode ser considerada como um índice (embora não vemos o cachorro que a produziu, pela sua forma de pata conseguimos concluir que “aí esteve um cachorro”). É o mesmo que ocorre com aquelas magníficas pinturas rupestres, em que podem ser vistas marcas de mãos sobre paredes de pedras, carimbadas que nos fazem compreender que viveram naquele local e produziram cultura milhares de anos atrás. Este é o mesmo tipo de relação que existe entre a marcação do gelo e a tela de pintura em meu projeto “Obra em Derretimento”.
Conforme você observou, coexistem, então, diferentes processos e métodos de trabalho com os quais eu gosto de trabalhar: pintura, escultura, fotografia, videoarte e execução de performances. Certamente é uma questão de expandir (e não de esgotar) o sentido do trabalho. Outros métodos de produzir arte ainda pouco explorados por mim poderiam ser adotados, como por exemplo a observação através da escrita, do desenho ou o planejamento de instalações – infinitas possibilidades de produção que passam longe de qualquer chance de esgotamento.
Com essa pergunta eu me lembrei de uma incrível exposição que visitei em Porto Alegre, em 2010, no início de meu percurso como artista, se chamava “Horizonte Expandido”. Essa exposição, com curadoria de André Severo e Maria Helena Bernardes, trazia uma geração de artistas que expandiram os horizontes de criação para além de formas cristalizadas, contribuindo para o surgimento da Arte Contemporânea conforme conhecemos atualmente, expandindo a vivência de Arte para a vida cotidiana e colocando-a lado a lado com outras áreas do conhecimento. Entre os artistas estavam Hélio Oiticica, Marina Abramovic, Allan Kaprow, Bruce Nauman, Joseph Beuys – acho que não preciso dizer mais nada – acabei pegando gosto por essa coisa de me tornar um artista interdisciplinar com horizontes expandidos.Nicolas Beidacki _
Seja no registro que permanece no suporte das obras ou nas imagens fotografadas, o seu trabalho apresenta muito, como é comum à fotoperformance, da ideia do pós-processo, que acaba se tornando um outro método artístico. É possível afirmar que esse resultado, no suporte e nas imagens, é um exercício da memória do trabalho?
Patrick Tedesco _
Mais do que ser um exercício da memória do trabalho, vejo o trabalho resultante do registro como obra propriamente dita. É o que acontece, por exemplo, com os quadros de fotografias e as videoartes que apresento em exibições (as vezes lado a lado, inclusive, junto às pinturas indiciais). É claro que o método adotado segue sim uma ideia de documentação, de expor o processo na posterioridade, mas esses documentos acabam por sofrer novas ações do artista: seleção, montagem, colagem, enquadramento, publicação. De forma que, com a ação da mão do artista, o registro acaba por conquistar aura de objeto de Arte – e isso é muito legal.Nicolas Beidacki _
Ao longo do processo de criação dos trabalhos da série, há momentos em que ele opera sobre retratos pessoais, a cidade de Pelotas, ou que se encontra focado na exclusividade da matéria em derretimento. Sendo um projeto que aborda as relações entre o tempo e memória, como esses elementos dialogam quando são colocados em diferentes contextos ou acrescidos de diferentes objetos?
Patrick Tedesco _
O projeto “Obra em Derretimento” segue o procedimento operativo de construção de esculturas de gelo e o registro, posterior, de seus desdobramentos, conforme já comentamos. No entanto, as circunstâncias de exposição e também a forma do objeto se alteram a cada trabalho. Os primeiros trabalhos que desenvolvi a partir de 2009 tratavam da construção de blocos de gelo produzidos através de água e tinta acrílica. O foco do olhar se tornava, então, a própria matéria do objeto, sua cor, sua textura e suas modificações ao longo do tempo, com um resultado essencialmente minimalista. Alguns anos depois, entre 2014 e 2015, criei uma nova série que se intitula “Imagem em Derretimento”, que segue o procedimento de imprimir imagens sobre blocos transparentes de gelo, como é o caso das obras “Obra em derretimento: autorretrato nº1” e “A Mona Lisa em derretimento”. Essa nova estratégia estimula o olhar para a observação da imagem impressa no gelo, ou seja, o foco está mais na imagem apresentada do que na escultura, se afastando do contexto minimalista presente nas primeiras experiências. Em 2017, executei a performance “Derretimentos Urbanos”, que se caracterizou pela construção de esculturas em tamanhos maiores as quais foram depositadas em locais emblemáticos da cidade de Pelotas – essa atitude, por sua vez, fez com que a obra estivesse mais presente no cotidiano da cidade, uma vez que passou a estar acessível, como um outdoor, aos olhos dos transeuntes.
Cada escolha gera formas distintas de interpretação e relação com o público, da mesma forma como as leituras podem ser extremamente variadas de acordo com o a idade ou histórico psicológico e social do público que entra em contato com a obra, por exemplo: crianças gostam muito mais de brincar e tocar no objeto, enquanto adultos tendem a produzir um significado existencial consciente ou comentar sobre alguma memória que a obra proporcionou. Em certa medida, quando estamos no processo de produção e planejamento, conseguimos prever e imaginar certas reações e possibilidades de leituras para a obra, mas o artista apenas conhece o real significado no momento em que o público passa a interagir e produzir sentido para o objeto estético construído.
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Nicolas Beidacki _
Além dos trabalhos artísticos, você possui um extenso projeto teórico – extremamente diversificado – onde reflete e discute aspectos de sua própria produção e da arte contemporânea. Como você interpreta o papel do artista contemporâneo nessa possibilidade da conceitualização e teorização?
Ali do Espírito Santo _
Estamos vivendo o tempo do Fim. O desmantelamento dos estados de bem estar social, as promessas de emancipação, a crise climática, tudo parece estar desabando. E de fato está, mas isso não é novidade, vem acontecendo faz vários anos. Então, aquela promessa da “culturalização” do ocidente como forma de levar adiante o projeto de uma modernidade bastante específica, que se instaura no final dos anos 80 com o modelo do “Museu Commodity” também vem definhando de modo incontrolável. Me parece que as elites que anteriormente patrocinavam essa especulação financeira na arte, ou deram uma guinada de fato para a extrema direita, ou não se interessam mais tanto por esse mercado.
Obviamente, o que ocorre com esse mundo global da arte, afeta ainda mais a periferia do mundo. Aqui, nunca foi tanto o capital externo um regulador desse projeto de culturalização, mas o próprio Estado, o qual, desde as últimas décadas, tem falhado na perseguição de um outro modelo, bastante ambíguo por sinal, que foi o da equação Cultura = Ação Social – um velho acordo que o mundo pós guerra firmou e fez prevalecer até as primeiras décadas da formulação do conceito de Multiculturalismo nos anos 80. Podemos pensar, por exemplo, no imenso corte de recursos que as Bienais latinas sofreram. Uma bienal, é um modelo bastante logístico de organizar as propostas da arte contemporânea num mesmo plano de visibilidade. Esse evento, há alguns atrás, não fazia parte da lógica da instituição Galeria de Arte, tanto que por muito tempo, a questão da “arte política” nas bienais, focava exclusivamente em projetos mais coletivos e voltados para uma inserção comunitária. Altos valores de circulação significavam grandes trabalhos expansivos, sempre com muita colaboração envolvida.
Hoje, já no início da segunda década do século 21, a precarização intensa dos países do sul global, que inclusive está “brasilizando” o norte, impede que pensemos em projetos que possam operar não como produtos finais, mas como processos abertos à grupos que não estão diretamente ligados ao sistema da arte. E em termos de Brasil, esses eventos têm adotado cada vez mais a forma do artista individualizado, ou seja, a velha estratégia das galerias.
Nesses dois exemplos que cito, tanto o Museu Commodity como o da Cultura= Ação Social são problemáticos. Certamente o segundo é mais desejável por ter esse viés mais aberto dos 90 e início dos 2000, o que Foster chama de “artista etnógrafo” devido esse flerte direto com o Outro, e o segundo, é quase um exemplo distante. O que ambos dividem é o fato de apostarem na cultura todas as suas cartas; para um, ela é uma forma bruta de lucro tal qual qualquer outro mercado, e para o outro, uma espécie de fazer político exclusivista da estética que anula as relações concretas da arte, como por exemplo, com as estruturas que sustentam esse sistema. E aí está o grande nó para a maioria dos/das artistas hoje, os/as quais em sua absoluta maioria são também ideologicamente de esquerda. Acredito que estamos imersos nos desdobramentos desse segundo ponto.
O que quero dizer com isso é que tematizar uma questão política na obra não é lá muita coisa. Nessa terceira onda do multiculturalismo, a dimensão histórica das minorias tem sido esvaziada por ações focadas em discussões de ordem muitas vezes de representação, e isso faz com que a tradução estética das políticas de gênero, raça e sexualidade sejam personalizadas na figura de um Indivíduo, quando na verdade se trata a priori e sempre, das dimensões exteriores das opressões, de condições grupais da política minoritária. O sistema de galerias é neoliberal porque sabe filtrar muito bem o peso material das nossas lutas, saindo daí não mais grupos ou coletivos que lutam, mas indivíduos singularizados por um tema específico que está vendendo. Esse revival da galeria hoje, como “espaço único da arte”, deve-se boa parte, por essa revitalização que nós, dissidências, fizemos aí.
Esse talvez seja um dos limbos onde a esquerda dorme seu sono imaterial atualmente, pois acredita que desta culturalização individualizada da política, que por sinal é bastante narcísica e niilista, vai sair alguma nova condição. Não se trata de negar a cultura como processo político, ao contrário, mas de entendê-la como zona de manejo e de intervenção, e de certa forma, buscar desnaturar o modo como essa se apresenta. E se tematizar a política na obra não basta, a Crítica Institucional tampouco pode nos levar a algum lugar em questão de ação política efetiva através da arte. Essas questões se tornam obsoletas pois o momento é complexo em suas múltiplas camadas, parece ser o Fim, mas não é, apenas demanda inteligibilização desse caos através do que a arte pode fazer.Nicolas Beidacki _
Hoje, depois de alguns anos com práticas diversas na arte contemporânea, é possível dizer que seus trabalhos são estabelecidos a partir da pesquisa da Geoperformance, conceito cunhado por você em 2016? Na concepção prática, como se dá a relação de “Entre o parto e o estrondo” e o termo e suas aplicações? Como se configura a ideia da Geoperformance quando pensada a partir da fotoperformance?Ali do Espírito Santo _
Sim, esse termo foi cunhado por mim em 2016, após uma residência que fiz com integrantes do grupo POCHA NOSTRA. Algumas questões surgiram desse processo, uma delas foi como podemos acessar o Afecto desde nossas premissas de liberdade, e então poder produzir desvios políticos que favoreçam nossa posição no mundo. Mas isso só veio à tona porque durante a residência esse tema foi tratado de modo convencional, desde um senso comum limitante às condições possíveis da Afecção.
Deleuze e Guattari não são pau para toda obra, mas nesse caso foram muito importantes na formulação desse conceito, e no que eles fizeram com Espinosa. Nessa perspectiva relacional, não há indivíduos, quando falamos, somos produtos de instâncias pré-individuais que nos fazem falar e que não estão nos regimes simbólicos. A questão da Geoperformance é sobre isso, aproveitar a dissonância cognitiva a significante da arte de ação (performance) para criar relação com os afectos, com as exterioridades, com esse pré individual. Há algo antes da estruturação, e não é uma psicologia, mas extrapsicologia. A forma Indivíduo continua sendo um problema, pois a afecção não vem do Eu, “somos afectados antes de nomear”. Nesse sentido, organizei uma série de laboratórios onde esse conceito foi testado, reuni bastante material e talvez saia um livro. Preciso retomar os laboratórios quando essa crise sanitária do covid passar.
Porém, entre o Parto e o Estrondo é um trabalho que está bem fora desse arco da Geoperformance. Procuro construir uma metodologia de produção que seja tentacular, ou seja, que algumas coisas não se encontrem tanto. Isso dá maior fluxo de circulação, e permite não estacionar numa linguagem específica, me agrada bastante essa intensificação do movimento. Esse é um trabalho que fala diretamente sobre a Imagem e como ela tem um poder literal em si mesma de capturar quem a observa, mesmo que de relance. Por isso as construo ora beirando o absurdo, como é o caso do guarda-chuva pegando fogo, ora uso de um metalismo pop das cores.Isso me interessa muito, porque acredito que essas imagens podem soar herméticas para quem está acostumado com as linguagens da arte contemporânea, mas podem ter também algo de familiar para o público. Como um kitsch às avessas, acho que o que venho fazendo com as imagens tem algo de uma publicidade imagética que toca “nossos corações”, e nos faz agregar o Weird que elas convocam. Essa questão do pop por exemplo, tem uma apelação ao popular num sentido de massificação mesmo, no entanto, isso não está colado apenas nas formas que o mainstream produz, como a pop art fazia nos anos 60, mas no saldo que resta dessa imaginação mercadológica histórica que o público muita vezes tem. É nessa parcela do inconsciente destinada a ser ocupada pela imagem do capital, fonte de imaginação abundante, que essas imagens querem estar.
Sobre a fotoperformance, penso ser um termo recente, mas que soa um tanto deslocado, a meu ver, daquilo que a performance se propõe enquanto relação com o corpo. Tudo que os anos 70 queriam era o rompimento com a pintura, com a mediação estática do espaço, por isso a ruptura da performance. Acho que esse conceito precisa ser mais discutido, pois sua filiação com a fotografia, bidimensional por essência, pode ser um tiro no pé (sem sangue nesse caso, forjado com ketchup rsrsrs). Acho que precisamos falar mais dessa abordagem.Nicolas Beidacki _
Em alguns textos disponíveis a respeito do seu trabalho, você aborda a questão de ser um artista aconceitual. Como isso se dá numa série de trabalhos que dialogam profundamente com questões relacionadas ao capitalismo, fim do mundo, angústia e desterritorialização? Como podemos separar e/ou compreender a diferença entre aconceitual e apolítico? E ainda: de que forma se relacionam os conceitos de arte e contemporânea e realismo capitalista no teu trabalho?
Ali do Espírito Santo _
Sou um artista tomado pela condução dos conceitos, e não vejo problema algum nisso. Mas como coloquei anteriormente, quando falo da Geoperformane, é que o espaço simbólico não consegue mediar tudo que existe no mundo, há coisas que saltam dessa superfície visível. Alguns trabalhos de performance que faço, tem por objetivo adentrar nessa zona não fenomênica, são trabalhos que envolvem bruxaria, práticas de sigilos mágicos, e muitíssima energia, onde o desgaste posterior é imenso. “A-conceitual” é mais sobre apontar limites na linguagem nesse sentido.
Esses temas que você enumera, fiz aparecer em alguns textos mais antigos que escrevi e que recentemente foram subidos nas plataformas que colaboro. Mas são escritos bem poéticos, onde essas questões aparecem muito soltas. Hoje em dia, esses problemas, que são de ordem estrutural no sistema das artes, me caem de maneira mais direta, por exemplo na competição naturalizada dessa guerra de todxs contra todxs que alguns colegas de trabalho (artistas) insistem. Tem muita ansiedade, um ensurdecimento por fama e visibilidade, competindo por merrecas e produzindo trabalhos apressados sem qualidade “estética”. Isso é horrível.
Sobre o apolítico, algumas pessoas já me perguntaram sobre isso, e entendo que quem lê esses escritos pode chegar nessa associação. No entanto, trata-se de uma provocação subentendida apenas contra essa figura magistral dx Artista Político pseudo engajadx numa causa, mas que opera só como umx commodity de galeria. Precisamos dizer aos ricos proprietários, que suas almas não serão salvas ao tocar em temas como racismo, sexismo e contrassexualidade. Não há purificação nesse jogo para quem nunca vai abdicar de sua estrutura material para de fato ser solidário concretamente a esses marcadores sociais. Penso que precisamos de mudanças estruturais que perdurem no tempo e que possam modificar de fato o sistema de redistribuição de riqueza, e não auxílios temporários no calor de tendências.
Mark Fisher forja esse conceito de Realismo Capitalista em 2009, logo depois da crise do Subprime de 2008. Um momento onde a esquerda mundial já demonstrava-se incapaz de formular alternativas para além do capitalismo. Então, ser realista, é estar conformado com a ideia de que nada há para ser feito, nada pode ser mudado, como se a via neoliberal fosse a única saída, onde um prolongamento infinito dessa ordem tida como natural da realidade é inclusive desejada no âmago libidinal da esquerda. Daí deriva um problema temporal também, pois o futuro desaparece do horizonte do pensável e do possível.
Isso atravessa minha dissertação de mestrado, e também fui o primeiro pesquisador a ligar essa atmosfera de fracasso da esquerda ao campo da arte contemporânea no Brasil, durante esse curso que ministrei, linkando as duas coisas em 2021. Não dá pra falar muito sobre, pois precisaríamos de outra entrevista só para tal. Mas a analogia trata-se de entender que o Tempo orientado ao Futuro foi uma premissa sine qua non para a política da arte no século 20 ( inclusive e também em produções fora da matriz colonial ! ) e que cada vez mais vemos o tempo da arte hoje adentrar num presentismo formal, subjetivo e epistêmico. Essa hegemonia do presente é própria da temporalidade capitalista, uma ideologia em vários estratos sociais, inclusive no sistema da arte. Não se trata de enxergar tradição por futuro nas vanguardas históricas, no entanto havia nesses processos modernos de política artística algo orientado a construir temporalidades diferenciais em relação ao presente. Esse é o meu ponto ao correlacionar o Fisher de 2009 com o niilismo sem futuro da arte contemporânea. Esse é um projeto bastante teórico.
Voltando à questão da Geoperformance, vejo isso mais como uma ferramenta circunstancial, localizada, e que não pode ser posta como uma solução geral. Dizer que o afeto é político não basta, é preciso agir coletivamente, criar instâncias visíveis de ação ambiciosas, rompendo também com esse a “priori” do agir e estar entre iguais.
Nicolas Beidacki _
Em uma das versões de “Entre o parto e o estrondo”, havia a presença do elemento textual sobre o vídeo. Como esse elemento se relacionava com as questões abordadas pela fotoperformance e sob quais circunstâncias ele foi modificado?
Ali do Espírito Santo _
Colocar texto sobre a imagem é algo que me persegue desde 2008. Um dos primeiros trabalhos que fiz em estúdio foi finalizar desse modo, um texto sobre uma fotografia. Nesse vídeo eram trechos da poesia de Roberto Piva Visão de São Paulo à noite -Poema Antropófago sob Narcótico (Paranóia). Acabei tirando essa parte por não ver mais muito sentido visual nessa sobreposição. -
Nicolas Beidacki _
Um desvio pode ser um rearranjo no movimento de um corpo; pode ser, também, uma anomalia, um resultado inesperado, um engano. A composição da palavra é multifacetada e pode ser interpretada de formas variadas, bem como o prefixo “meta”, que pode significar mudança, contemplação ou ainda, transcendência. No caso de “Metadesvio”, o título precede o trabalho ou o acompanha? De que forma ele atua sobre sua dinâmica?
Laís Possamai _
Nem uma coisa nem outra. Para falar de “Metadesvio”, é preciso falar primeiro de “Território Mudo”, de 2018, trabalho realizado nas dunas do Cassino, em Rio Grande – RS. Quando se trabalha com a paisagem, uma série de elementos deve ser levado em consideração além dos aspectos formais e naturais do fazer artístico; no caso de “Território Mudo”, por exemplo, precisamos pensar a instabilidade, o vento, o sol, como fatores compositivos do trabalho. Havia a presença de um performer que dialogava tanto com a estrutura quanto com o ambiente, manejando esse vento e interagindo com ele. Esse performer provinha, por sua vez, de um personagem, que provinha de uma dramaturgia. Quando pensamos “Metadesvio”, transportamos esse diálogo inteiramente para a construção da estrutura: sem o performer, a ação tornava-se o montar e o desmontar, processo que foi repetido inúmeras vezes. Novamente, os elementos adjacentes ao trabalho, que provém do ambiente, foram fundamentais: não havia vento ou sol forte, estávamos em solo plano e firme e, principalmente, tínhamos tempo. Ao longo de uma tarde inteira, repetimos e modificamos o processo de montagem da estrutura. Tínhamos em mente o “desvio”, a princípio, porque transitamos por esse novo aspecto da montagem: a ação em si como performance. Depois, pensamos o prefixo, que soou coerente, uma vez que cogitamos a natureza de palavras como “metalinguagem”, por exemplo: descrever a si mesmo, descrever o desvio. O título não atua sobre o trabalho, mas justamente o contrário, é a exemplificação do conceito mais extenso, que está nas imagens e na ação, e sucede a execução do outro como uma consequência de sua existência. Mas é sempre interessante pensar nessa ação de nomear um trabalho, de substantivar uma ação, conferir identidade a algo. Nenhuma montagem em si necessita de um nome, mas sempre nomeamos, mesmo quando o título se torna “sem título”. Para que exista enquanto resultado, parece precisar existir enquanto sujeito. Em todos os casos até hoje, nos trabalhos executados pelo grupo, não houve nenhum inominável.
Nicolas Beidacki _
Trabalhando com artes visuais, teatro e literatura, é possível destacar que suas produções não são fruto do encontro/mistura entre as diferentes linguagens, mas elas se situam individualmente em campos específicos de cada área. Podemos dizer que você desenvolve uma produção em teatro, uma produção em artes visuais e uma em literatura, ou elas estão conectadas de alguma forma e constituem um todo, formam uma única poética? Qual a diferença em produzir artisticamente em cada uma delas?Laís Possamai _
Não gosto de usar a palavra “poética”, mas “método”. A poética presume, dentre muitas coisas, um compromisso enorme com uma certa linguagem e com a construção de uma persona. “Sou artista porque faço isso sobre isso”. Além de limitante, pode ser prepotente presumir essa exclusividade, porque presume também uma certa especialidade. Claro que a construção desse personagem-artista sempre existe em cima de qualquer aspecto do fazer artístico, basta dizer que se trabalha com isso ou aquilo. Mas quando eu coloco como “método”, quero dizer que penso mais no que fazer com esse personagem, no seu modo de atuação, do que na sua personalidade pré-estabelecida em si. Na poética, há essa insistência no “tema”, por exemplo, sobre o que se trabalha. Eu acho isso um tanto insignificante. Na construção de um método, há de pensar como se trabalha.
No desenho, há o resultado e o processo, nessa ordem. O resultado provém do rascunho, do planejamento, do ensaio do desenho. O processo é somente uma ação que acarreta nesse resultado já estabelecido. É a construção da imagem sem atribuições reais, sem ilusões, coloca-se como um desenho e somente isso desde o princípio. O tema é uma adjacência, como a técnica, o estilo, o suporte.
Na escrita e no teatro, no meu caso, indissociáveis, esse método de resultado > processo torna-se de outra natureza, relacionada ao som > silêncio. Há a visualidade, há a construção de imagens, mas o que define o ritmo de uma frase sempre são os intervalos de som e silêncio. Como no primeiro caso, um dos fatores subjuga o outro para o resultado ideal. A imagem vem depois, como adjacência. E esse ritmo é o equivalente ao rascunho, ao planejamento antes da montagem. Ele é quem define todo o resto, independente de fatores como tema, por exemplo. Em todo caso, eu jamais atribuiria isso à poética do meu trabalho. Se eu me detivesse a isso, penso que me preocuparia muito em estar traindo-a constantemente.Nicolas Beidacki _
Ao longo dos últimos anos, você tem produzido diferentes projetos sonoros com distintas parcerias. Há uma pesquisa antropológica em São Paulo, uma pesquisa sobre sonoridades brasileiras, projetos de trilha sonora e a sua produção individual. Como essas diferentes produções surgiram para você? Como elas se diferenciam e se aproximam no seu trabalho?
Daniel Dos Santos _
Desde o início, minha experiência com som e música se fez por caminhos intermitentes. Quero dizer, naturalmente, em contraponto com a construção da linguagem do artista visual, fui – trazendo aqui um conceito deleuziano – cultivando rizomas a partir dos quais pudesse desenvolver discursos e projetos heterogêneos e, ao mesmo tempo, gerar conexões de identidade entre eles. Na verdade, tal como a analogia que faz Lévi-Strauss entre a narrativa mitológica e uma partitura de orquestra, assim é minha percepção sobre meu próprio trabalho: artístico em leitura melódica (horizontal) e acadêmico em leitura harmônica (vertical). Agora, os trabalhos que você citou, claro, têm sua gênese na universidade. Sou formado em Ciências Musicais pela Universidade Federal de Pelotas e minha produção intelectual durante o curso – tendo apresentado, inclusive, um texto no Congresso Nacional de Musicologia na Argentina – girou em torno dos contextos socioculturais nos quais se inserem a música caiçara do litoral de São Paulo, especificamente, na cidade do Guarujá, minha cidade natal. Por minha ascendência caiçara, essa pesquisa torna-se bastante íntima. Em relação aos projetos audiovisuais (todos pensados por artistas que conheci através da universidade) participei de 3 videoperformances: “Manual Para Náufragos” ,2020; “parafazerdastripascoração”, 2020; e “menor”, de 2021. Além de ter composto três peças para o catálogo desta exposição. Em todos esses trabalhos, minhas influências foram desde o Roberto Damatta com a proposta do “olhar, ouvir e escrever”, Lévi-Strauss e a análise narrativa do mito, John Cage, Philip Glass até David Lynch. E sobre meus projetos pessoais: estou produzindo um EP duo de guitarra e baixo que será lançado no final deste ano e que tem uma proposta smooth jazz; e, há algumas semanas, comecei o “Um Brasil Por Todos Os Cantos: Interpretações e Leituras Críticas de Brasis Musicais – um podcast que acontece enquanto live pelas minhas redes sociais. Seu propósito é, influenciado pela micro história, convidar musicistas independentes de diversas linguagens sonoras e regiões do Brasil a ensaiarem suas percepções e perspectivas a respeito do país sob a ótica de seus fazeres musicais.
Há também o blog desse projeto que surgiu, em primeiro lugar, como forma de oferecer um espaço de aprofundamento de reflexões para os entrevistados através do texto escrito; e, em segundo, para criar uma comunidade de interesse em música ativamente crítica acerca dos aspectos que formaram e formam o conceito de memória, identidade, nação e Brasil.
Nicolas Beidacki _
No T.E.L.A – Teatro da Estrutura Latino-Americana, a interdisciplinaridade é um fator que constitui o grupo. Tendo esse cruzamento entre teatro, música e artes visuais, você iniciou experimentos diversos enquanto artista multidisciplinar. Como você articula a relação entre paisagem, lugar e produção sonora?
Daniel Dos Santos _
A partir do T.E.L.A, tenho a oportunidade de experimentar bastante a perspectiva da audiovisão – como escreve Michel Chion. Minhas reflexões tem a ver com a diegese do som na cena, ou seja, como a narrativa sonora se entrelaça com as outras. Sendo mais específico, minha ideia é borrar as fronteiras entre o som diegético (som que acontece dentro da realidade da cena), não-diegético (som que acontece fora da realidade da cena e não interage diretamente com ela) e meta-diegético (som que acontece fora da realidade da cena e interage diretamente com ela). Utilizando, para isso, artifícios como a música eletrônica modular enquanto texto narrativo, o som como personagem e o foley ao vivo. Além disso, falando especialmente do “Metadesvio”, reflito sobre a construção de paisagem sonora silenciosa a partir da fotografia; a fruição do som da paisagem na perspectiva do observador que interpreta de maneira metadiegética o silêncio.
REPORTAGENS
Confira as reportagens sobre a exposição
Mostra ‘No Horizonte Profundo’ em Pelotas
Com realização do Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo (Malg), exposição pode ser visitada por meio virtual
Mostra No Horizonte Profundo entra em cartaz no Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo, em Pelotas
Inauguração será nesta quarta-feira, 22, e visitação se estenderá até 31 de outubro, no site e nas redes sociais do Museu e dos artistas
Ali do Espírito Santo
@alidoespiritosanto
performer mato-grossense residente em Porto Alegre com graduação em Artes Visuais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e indicado ao Prêmio Aliança Francesa em 2017 com uma cosmogonia de trabalhos que envolviam performance, fotografia, vídeo e instalação.
Patrick Tedesco
@patricktedesco
graduado em Design Digital e pós-graduado em Artes Visuais – Ensino e Percursos Poéticos pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), residente em Pelotas, artista multimídia com enfoque em literatura, escultura, fotografia, videoarte e performance.
Tainah Dadda
@tainahdadda
natural de Porto Alegre, com graduação em Teatro e habilitação em Direção Teatral pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), atuante como encenadora, produtora cultural, artista visual e oficineira, colaboradora do coletivo artístico Cena Expandida e cofundadora e produtora executiva da Agência CKCO em Pelotas.
grupo T.E.L.A.
@teatrodaestrutura
composto por Laís Possamai, graduanda em Artes Visuais pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) e artista visual; Nicolas Beidacki, graduado em Teatro pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), Conselheiro de Cultura do Rio Grande do Sul, dramaturgo e artista visual; e Daniel dos Santos, graduado em Música pela Universidade Federal de Pelotas e músico independente.
PRIMAVERA DOS MUSEUS 2021
Cards de divulgação da exposição como programação da 15ª Primavera dos Museus
Comemorando a XV Primavera dos Museus em âmbito nacional, o MALG – Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo está inserido no calendário de eventos com a exposição “No Horizonte Profundo”. Parabenizamos os organizadores da XV Primavera dos Museus e desejamos que o legado dessa edição comemorativa traga bons frutos para um futuro próximo.
#PrimaveraDosMuseus2021
SOBRE O PROJETO
FotoTerritório: Trajetórias do Lugar e do Corpo é um projeto que tem como atividade principal uma exposição coletiva de âmbito virtual de fotoperformance de seis artistas do eixo Pelotas – Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, a ser realizada através das redes sociais do Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo – MALG, no segundo semestre de 2021. A proposta é desenvolvida pelos produtores culturais e artistas cênico-visuais Laís Possamai, Nicolas Beidacki e Tainah Dadda e foi selecionada para financiamento do Procultura Pelotas para sua realização.
Os artistas que compõem a exposição “No Horizonte Profundo”, resultado da pesquisa efetuada pelo projeto FotoTerritório, são Ali do Espírito Santo, performer mato-grossense residente em Porto Alegre com graduação em Artes Visuais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e indicado ao Prêmio Aliança Francesa em 2017 com uma cosmogonia de trabalhos que envolviam performance, fotografia, vídeo e instalação. Participará com o trabalho “Entre o parto e o estrondo”, de 2017; Patrick Tedesco, graduado em Design Digital e pós-graduado em Artes Visuais – Ensino e Percursos Poéticos pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), residente em Pelotas, artista multimídia com enfoque em literatura, escultura, fotografia, videoarte e performance. Participará com o trabalho Obra em Derretimento; Tainah Dadda, natural de Porto Alegre, com graduação em Teatro e habilitação em Direção Teatral pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), atuante como encenadora, produtora cultural, artista visual e oficineira, colaboradora do coletivo artístico Cena Expandida e cofundadora e produtora executiva da Agência CKCO em Pelotas. Participará com registros da performance “Deixar Para Trás”, de 2017; e o grupo T.E.L.A., composto por Laís Possamai, graduanda em Artes Visuais pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) e artista visual; Nicolas Beidacki, graduado em Teatro pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), Conselheiro de Cultura do Rio Grande do Sul, curador, dramaturgo e artista visual; e Daniel dos Santos, graduado em Música pela Universidade Federal de Pelotas e músico independente. O trabalho do grupo tem foco na produção de espaços que transitam entre a cenografia e a instalação. Participarão com registros da montagem da instalação “Metadesvio”, de 2019.
A curadoria é de Nicolas Beidacki. A proposta visa oferecer ao público uma mostra de projetos de fotoperformance que tenham em comum a relação espaço, deslocamento e movimento, e como essa relação se traduz na poética de cada artista. O projeto também prevê uma série de atividades ao redor do tema e da exposição, condensada em um box educativo a ser distribuído para cinco escolas públicas da cidade de Pelotas, para alunos do ensino fundamental e médio, em caráter virtual, devido à pandemia da Covid-19. O projeto educativo será ministrado pela artista, pesquisadora e mediadora Laís Possamai.
FICHA TÉCNICA
UFPel _ Universidade Federal de Pelotas
Reitora da Universidade Federal de Pelotas
Isabela Fernandes Andrade
Vice-reitora da Universidade Federal de Pelotas
Ursula Rosa da Silva
Presidente da Rede de Museus da UFPEL
Silvana Bojaoski
Diretor do Centro de Artes
Carlos Walter Alves Soares
Presidente da SaMALG
Luciana Dias da Costa Vianna
MALG _ Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo
Diretor do Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo
Lauer Alves Nunes dos Santos
Equipe do Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo
Fábio Galli Alves – Conservação e Restauro
Joana Soster Lizott – Museologia
Roberta Trierweiler – Secretaria, Documentação e Pesquisa
Bolsista
Daniel Moura
Design e expografia virtual
Amanda Machado Madruga
Renan Espirito Santo
Exposição virtual _ No Horizonte Profundo
Curadoria
Nicolas Beidacki
Artistas particiantes
Ali do Espírito Santo
Patrick Tedesco
Tainah Dadda
grupo T.E.L.A.
/ Laís Possamai
/ Nicolas Beidacki
/ Daniel dos Santos
No horizonte profundo
Convite | Catálogo
22/set _ 31/out/2021
Marcada pela relação experimental entre performance, paisagem, desencaixes e pertencimentos, a exposição aproxima práticas distintas sobre a necessidade de movimento e a pausa contemplativa frente a um lugar ou tempo que nunca cessam de recomeçar. Entrelaçadas por um contexto e observadas por suas dimensões poéticas, as obras de Ali do Espírito Santo, Tainah Dadda, Patrick Tedesco e do Grupo T.E.L.A procuram um diálogo entre o geopolítico e o geofísico, a catástrofe e o efêmero ou até mesmo entre o tempo histórico, ecológico, meteorológico e o inadiável cataclisma.
A fuga que promovem para um ponto de contemplação no horizonte evidencia um retorno íntimo e subjetivo para si e uma indagação sobre o jogo de dualidade e associação que existe entre o ambientado e o ambiente. Esse embate no qual nunca deixamos de exercer um papel crucial, tardio e muito provavelmente repleto de angústia. Sensações de “deixar para trás”, “ouvir o estrondoso silêncio”, “desviar-se de si” e “diluir a matéria” mesclam a interiorização de uma certeza que paira sobre os trabalhos: “nascer leva tempo”. Assim, sem deixar de abrir discussões sobre a linguagem da performance, da fotografia, da escultura e da instalação, as obras parecem sugerir a percepção de que existe uma inquietude, uma ruptura desconfortável com o lugar que nos cabe neste mundo. As águas do Guaíba, a Lagoa dos Patos, as margens, o objeto em chamas, o derretimento e o colocar-se na terra, por mais que se insiram numa lentidão visual programada, são intervenções de uma travessia, movimento, um turbilhão de delicadezas que avançam constantemente.
Avassaladora também é a sua radicalidade no vazio. A incerteza e a ambiguidade, partes fundamentais para as questões sobre os fins e começos, os lugares e não-lugares e o movimento interno e externo, vão surgindo quando todos os elementos utilizados nos trabalhos param, se desintegram, desambientam-se e voltam novamente a existir. Uma revelação de que tudo que conhecemos está permanentemente mudando, se desfazendo, ressurgindo e que não temos controle sobre a busca na qual seremos lançados. Nossa substância é um colocar-se no inesgotável fluxo que reúne o sentimento de “um mundo sem nós” e um “nós sem um mundo”, pouco a pouco andando, buscando o caminho do próprio caminho, numa travessia turva, triste e sombria. É a temporalidade daqueles que unificam passado e presente e estabelecem um mapa da compreensão do território de si, lançam uma cartografia da expressão mais íntima e veem a vida circular na terra.
Setembro de 2021
Nicolas Beidacki
Curador da exposição virtual No horizonte profundo
realização _ Teatro da Estrutura Latino-Americana
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