Análise dos pesquisadores GeoMercosul/LabGRIMA Caio Junior Auler e Nairana Karkow Bones.
Desde que assumiu o governo, em janeiro de 2019, Jair Bolsonaro não optou por esconder suas preferências político-ideológicas. Na inserção internacional, alinhou o Brasil diretamente à gestão de Donald Trump (2017-2021), passando a ser considerado até mesmo um “peão” de Washington na América Latina. Durante a administração Trump, os dois líderes compartilharam retóricas semelhantes, como a crítica aos organismos internacionais e ao que denominam de “globalismo”.
Após a derrota eleitoral de Trump, o comportamento de Bolsonaro na arena internacional passou a gerar grandes expectativas, especialmente nos temas de grande relevância para a atualidade, como o enfrentamento à pandemia e às mudanças climáticas. Neste sentido, analisando o papel do Brasil em dois dos principais eventos internacionais de 2021, como a Assembleia Geral da ONU e o encontro do G-20, o comportamento de Bolsonaro era muito esperado acerca do tom e das temáticas a serem abordadas.
No seu discurso na Assembleia Geral da ONU, realizado em 21/09/2021[1], houve uma ampla repercussão negativa internacional, visto que Bolsonaro mentiu e/ou distorceu informações acerca do próprio governo, do combate à corrupção, proteção ambiental e enfrentamento à pandemia da Covid-19. Em fala pouco propositiva e comprometida, o mandatário brasileiro foi acusado de utilizar a tribuna e o espaço da ONU para realizar um discurso voltado aos seus eleitores e apoiadores internos.
O líder brasileiro adotou uma postura negacionista em relação à Covid-19, fazendo menção ao denominado “tratamento precoce”, que sugestiona diretamente o uso da Cloroquina, medicamento que já foi comprovado cientificamente ser ineficaz no combate ao coronavírus. Além disso, criticou as medidas de distanciamento social e a imposição do “passaporte da vacina” para ingressar em locais públicos; assim, Bolsonaro cristalizou o isolamento do país também do ponto de vista sanitário, além dos já conhecidos ambiental e político.
Hoje, em decorrência disso, é comum e amplamente disseminada a noção de que o Brasil é um pária internacional. Se por pária entende-se aquele ou aquela que permanece à margem e excluído do convívio social, temos em Bolsonaro um ótimo exemplo que, para além de constituir-se em um dos últimos representantes do discurso negacionista e anti-científico, permanece como um dos únicos chefes-de-Estado ainda não vacinados.
Referente à questão ambiental, por conta de suas características naturais, o Brasil sempre buscou se inserir como um ator central nos debates acerca da preservação e combate às mudanças climáticas. Dentre os poucos compromissos assegurados por Bolsonaro durante seu discurso, consta a redução da meta de atingimento da neutralidade climática, de 2060 para 2050. Apesar dos elogios ao Código Florestal brasileiro, o presidente optou por omitir que as queimadas e o desmatamento na Amazônia atingiram em 2020, segundo o INPE, a maior taxa de desmatamento no bioma desde 2008. Ademais, a flexibilização da legislação ambiental e o sucateamento dos órgãos de fiscalização – preconizados pela gestão corrosiva do ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles – alçaram o Brasil à condição de ameaça ambiental mundial.
Já no discurso no encontro do G-20 ocorrido no dia 30/10/2021[3], mais curto e protocolar, Bolsonaro apresentou um tom mais moderado, fazendo menção a investimentos e o combate à pandemia. Na ocasião, o mandatário brasileiro abordou largamente a questão da recuperação econômica, apontando esforços e reformas no sentido de buscar investimentos. Além disso, ressaltou os números em relação ao combate à pandemia no Brasil, com destaque para a imunização no país e o total de vacinados – que, sabidamente, ocorreram apesar do presidente, e não por conta dele.
A agenda ambiental, por seu turno, não foi abordada em seu discurso à cúpula do G-20. A ausência de preocupação em relação à temática ambiental também fica evidente na decisão de Bolsonaro de não comparecer à COP 26, numa posição adotada pelo governo no sentido de evitar desgaste e retaliações internacionais. Isso foi corroborado com as palavras do vice-presidente, Hamilton Mourão, ao justificar a ausência de Bolsonaro afirmando que “Ele vai chegar em um lugar em que todo mundo vai jogar pedra nele”[4].
Como resultado de seu isolamento internacional, o Brasil sofre com uma crise de representatividade, com relações desgastadas com seus aliados e, observa-se sua política externa ser instrumentalizada quase exclusivamente para fins eleitorais. Infortunadamente, a imagem do Brasil no exterior é um reflexo das ações de seu Presidente, ou seja, um país desacreditado e cada vez mais isolado em diversas áreas nos debates internacionais.
[1] BRASIL. Discurso do Presidente da República, Jair Bolsonaro, na abertura da 76° Assembleia-Geral da ONU. 2021. Disponível em: <https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-o-planalto/noticias/2021/09/discurso-do-presidente-da-republica-jair-bolsonaro-na-abertura-da-76deg-assembleia-geral-da-onu>. Acesso em: 28 de set. 2021.
[2] Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. INPE. Taxa de desmatamento – Amazônia Legal. Disponível em: <http://terrabrasilis.dpi.inpe.br/app/dashboard/deforestation/biomes/legal_amazon/rates>. Acesso em: 30 de set. 2021.
[3] BRASIL. Discurso do Presidente da República, Jair Bolsonaro, durante reunião plenária da 16ª Cúpula do G20. 2021. Disponível em: <https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-o-planalto/noticias/2021/10/discurso-do-presidente-da-republica-jair-bolsonaro-na-cupula-do-g20>. Acesso em: 01 de nov. de 2021.
[4] MAZUI, G. G1. ‘Todo mundo vai jogar pedra nele’, diz Mourão sobre ausência de Bolsonaro na COP 26. 29/11/2021. Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/noticia/2021/10/29/vai-chegar-em-um-lugar-em-que-todo-mundo-vai-jogar-pedra-nele-diz-mourao-sobre-ausencia-de-bolsonaro-na-cop-26.ghtml>. Acesso em: 02 de nov. de 2021.
Caio Junior Auler: acadêmico do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Pelotas.
Nairana Karkow Bones: Bacharel em Relações Internacionais e mestre em História pela Universidade Federal de Pelotas.
Foto: File:Rossini e Meio Ambiente.jpg – Wikimedia Commons