Unilateralismo e crise humanitária: as consequências internacionais do embate entre Washington e Caracas por Eduardo Grecco

Em  agosto foi noticiado o envio de uma frota de navios militares dos Estados Unidos para a costa da Venezuela, no sul do Caribe, com aproximadamente 4,5 mil soldados, incluindo fuzileiros navais.

Segundo a Casa Branca, a operação tem como finalidade o combate ao tráfico de drogas, uma questão que o presidente Trump considera uma ameaça à segurança nacional. A porta-voz Karoline Leavitt afirmou que Washington está disposta a utilizar toda a força americana para impedir a entrada de drogas no país e responsabilizar os envolvidos. Por outro lado, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, classifica a justificativa de combate ao narcotráfico como um “falso pretexto” para justificar políticas intervencionistas na região. Maduro defende que uma mudança de regime seria ilegal e imoral, e assegura que qualquer tentativa de “colonizar ou escravizar” a Venezuela ou a América do Sul encontrará resistência. Ele declarou que, caso a Venezuela seja ameaçada, toda a América se levantará em sua defesa. (BBC,2025)

A complexa e prolongada hostilidade entre a Venezuela e os Estados Unidos, marcada por sanções econômicas e pressão diplomática, representa um dos mais significativos focos de tensão geopolítica no hemisfério ocidental. A estratégia norte-americana, que visa abertamente a uma “mudança de regime” em Caracas, revela uma política externa de intervenção que transcende a retórica, materializando-se em ações com profundas consequências para a população venezuelana e para a estabilidade regional (OUTRAS PALAVRAS, 2024). Essa abordagem, intensificada sob a administração Trump e mantida com nuances por seus sucessores, configura um cenário de confronto assimétrico com impactos duradouros.

O início do conflito remonta ao governo de Hugo Chávez, mas foi a partir de 2015, e com especial intensidade desde 2017, que os Estados Unidos impuseram um severo regime de sanções. Sob o pretexto de pressionar o governo de Nicolás Maduro, acusado de práticas autoritárias e violações de direitos humanos, Washington aplicou um bloqueio financeiro e um embargo ao petróleo venezuelano, a espinha dorsal da economia do país (BBC, 2024). Essas medidas, na prática, funcionaram como uma asfixia econômica, dificultando a importação de alimentos, medicamentos e insumos essenciais, o que agravou drasticamente a crise humanitária interna e impulsionou um êxodo migratório sem precedentes na região.

No âmbito internacional, as repercussões da política de sanções dos EUA são vastas e multifacetadas. Primeiramente, a medida gerou uma fratura no consenso regional. Enquanto alguns países latino-americanos se alinharam à postura de Washington, outros, juntamente com potências globais como Rússia e China, condenaram a abordagem, oferecendo apoio político e econômico ao governo de Maduro. Essa divisão enfraqueceu organismos multilaterais e fomentou um realinhamento geopolítico no continente, onde a Venezuela se tornou o epicentro de uma disputa por influência entre potências globais. A agressividade da política externa estadunidense, conforme denunciado por Maduro, serve para justificar a união de forças anti-imperialistas e a busca por novas alianças estratégicas (G1, 2025).

Ademais, a estratégia de isolamento e sanções unilaterais mina as normas do direito internacional e do sistema multilateral de comércio. Ao contornar mecanismos diplomáticos e impor sua vontade por meio da força econômica, os Estados Unidos projetam uma imagem de imprevisibilidade e desrespeito às instituições globais, incentivando um ambiente de instabilidade nas relações internacionais. A consequência direta é a erosão da confiança na cooperação e a promoção de uma lógica de confronto, na qual as disputas comerciais e políticas são resolvidas pela força, e não pelo diálogo. Conforme aponta a análise da BBC (2024), embora as sanções tenham o objetivo declarado de restaurar a democracia, seu impacto real tem sido o aprofundamento da crise e o fortalecimento do discurso governamental de que a Venezuela é vítima de uma “guerra econômica” externa.

Em síntese, o conflito entre os Estados Unidos e a Venezuela, impulsionado por uma estratégia de sanções e pressão máxima, transcende uma disputa bilateral. Ele reflete uma abordagem unilateralista que, ao tentar forçar uma mudança de regime, gerou uma catástrofe humanitária, desestabilizou a geopolítica regional e desafiou a ordem internacional baseada em regras. As consequências, sentidas dolorosamente pela população venezuelana, ecoam por todo o continente, evidenciando os perigos de uma política externa que prioriza a coerção em detrimento da diplomacia e da cooperação.

Referências

BBC. Os efeitos das sanções dos EUA sobre a Venezuela em 4 gráficos. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/c62l8x82l64o. Acesso em: 16 set. 2025.

G1. Maduro diz que ameaças dos EUA não intimidarão a Venezuela e fala em ‘agressão’. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2025/09/15/maduro-ameacas-venezuela-agressao.ghtml. Acesso em: 16 set. 2025.

OUTRAS PALAVRAS. O que Trump trama contra a Venezuela. Disponível em: https://outraspalavras.net/geopoliticaeguerra/que-trump-trama-contra-venezuela/. Acesso em: 16 set. 2025.

* Eduardo Grecco é pesquisador do GeoMercosul

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