Inspirada na União Europeia, há 25 anos a América do Sul realizava sonho de um mercado comum. O resultado é ambivalente e o futuro, incerto. Se antes era a Argentina, hoje é a crise no Brasil que impede coesão do bloco.
Vinte e cinco anos após a fundação do mercado comum sul-americano com o sonoro nome de Mercosul, os países-membros do bloco apostam numa nova primavera.
A ofensiva de charme é chefiada pelo novo presidente argentino Mauricio Macri. Atualmente, o político conservador é um dos governantes mais visitados na América Latina. Já em fevereiro, viajaram a Buenos Aires o presidente da França, François Hollande, e o primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi.
“A União Europeia (UE) está enormemente contente pelo fato de a Argentina estar disposta a reiniciar as conversações sobre o tratado de livre-comércio entre os dois blocos econômicos”, afirmou Olaf Jacob, diretor do escritório da Fundação Konrad Adenauer (KAS) em Buenos Aires. Segundo ele, o fortalecimento do Mercosul é um dos objetivos do governo do presidente Mauricio Macri.
Em 26 de março de 1991, a Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai assinaram em Assunção o acordo de fundação do mercado comum sul-americano nos moldes da União Europeia. Desde 1999, o bloco sul-americano negocia um acordo de livre-comércio com Bruxelas.
As negociações, no entanto, não estão sob um bom signo. Os anos de controvérsias em torno dos subsídios agrícolas europeus e o protecionismo sul-americano, a crise financeira internacional, como também a falência estatal argentina em 2001 fizeram com que as tentativas de aproximação entre os parentes de um lado e de outro do Atlântico tenham fracassado repetidamente.
Problemática Venezuela
Com a entrada da Venezuela no Mercosul, em 2012, os conflitos de interesse continuaram a aumentar. “O Mercosul foi fundado para promover a integração da América do Sul no mercado mundial”, assinalou Anne Marie Hoffmann, do Instituto Alemão de Estudos Globais e Regionais (Giga) para a América Latina.
No entanto, a partir de 2007, as questões político-econômicas passaram para um segundo plano em alguns países. “Brasil, Argentina e Venezuela apostaram no equilíbrio político-social e no fortalecimento dos mercados internos”, explicou Hoffmann.
Desde o fim da era marcada pelos ex-presidentes argentinos Nestor e Cristina Kirchner, em novembro de 2015, crescem as esperanças com vista a um sucesso de um acordo entre europeus e sul-americanos.
Exatamente um mês após a visita da chefe da diplomacia europeia, Federica Mogherini, a Buenos Aires, representantes da UE e do Mercosul querem apresentar, no próximo dia 08 de abril em Bruxelas, suas propostas para o acordo de livre-comércio.
Trata-se da aproximação entre dois atores globais, embora em níveis bastante diferentes: na UE, uma população de cerca de 500 milhões de pessoas gera um Produto Interno Bruto (PIB) de 18 trilhões de euros (por volta 72 trilhões de reais). Com quase 300 milhões de habitantes, o PIB do Mercosul soma cerca de 3 trilhões de euros (cerca de 12 trilhões de reais).
Antigas relações, novas esperanças
Economicamente, as duas regiões possuem relações consolidadas, mas ainda em baixos níveis. Segundo dados da União Europeia, a troca de mercadorias entre os dois blocos somou 110 bilhões de euros em 2013. Devido à crise econômica em alguns dos países-membros do Mercosul, em 2014, esse intercâmbio recuou para 96 bilhões de euros.
Comparando com as relações comerciais entre o Brasil, maior economia do Mercosul, e a China, pode-se ver a timidez desses números: em 2015, somente o intercâmbio comercial entre Brasília e Pequim atingiu 67 bilhões de dólares.
Em contrapartida, o comércio entre o Brasil e a Argentina se apresenta bastante modesto. Devido aos controles cambiais e ao protecionismo da Argentina, as exportações brasileiras para o país vizinho caíram de 22 bilhões de dólares, em 2011, para 12 bilhões de dólares, em 2015. A Argentina é o terceiro maior parceiro comercial do Brasil, depois da China e dos EUA.
No entanto, os Estados-membros do Mercosul não procuram somente apoio na Ásia e Europa, eles também olham para seus vizinhos latino-americanos. De acordo com o Ministério do Exterior do Uruguai, no início de março decidiu-se organizar “o mais rápido possível um encontro de alto escalão” com os países da Aliança do Pacífico, à qual pertencem a Colômbia, Peru, México, Chile e Costa Rica.
“A Argentina e outros membros do Mercosul também olham em direção ao Pacífico”, confirmou o diretor da KAS, Olaf Jacob. Tais países pretendem diversificar as suas relações e reduzir a crescente dependência da China. Jacob explicou: “O Mercosul é um caminho para se abrir de forma mais ampla, mas não é o único”.
A especialista em América Latina Anne Marie Hoffmann disse não acreditar que se chegue em breve a um acordo de livre-comércio entre a Europa e o Mercosul, apesar da mudança política na Argentina.
“Até pouco tempo, a Argentina era o obstáculo”, afirmou Hoffmann. “Agora é a crise no Brasil e na Venezuela que impede a coesão dentro do bloco econômico”, explicou a especialista, ressalvando: “Eu não acredito numa abertura significativa para a Europa num futuro próximo”.