O esquecimento de autores negros na literatura brasileira

Emilly da Gama Machado
Pamela Ramos Eugenio
Victor Hugo Alfaya

Introdução

Primordialmente, é necessário ressaltar que o contexto histórico brasileiro do século XIX apresentou uma ampla marginalização da população negra, principalmente por conta da escravidão e da posterior abolição sem a concessão de garantias fundamentais a esse grupo. Assim, fazendo um paralelo até o cenário de produção da literatura nacional, é visto que os indivíduos brancos sempre gozaram de protagonismo nessa seara, muito por estarem em uma condição de privilégio em relação aos negros, grupo étnico que pouco podia fazer por conta de sua já existente invisibilidade em outros âmbitos da sociedade.

É fato que a riqueza da literatura brasileira está intrinsecamente relacionada com a diversidade cultural que caracteriza nosso país. Contudo, essa riqueza nem sempre reflete de maneira equitativa à pluralidade de vozes que contribuem para a construção do panorama literário nacional. Por isso, este ensaio acadêmico se propõe a explorar uma faceta muitas vezes negligenciada desse universo: o esquecimento sistemático de autores negros. A escolha desse tema não é casual, mas sim um chamado à reflexão sobre as complexas dinâmicas históricas e contemporâneas que resultaram na marginalização literária desses escritores.

É necessário ressaltar que o objetivo principal do presente documento é traçar de forma abrangente o panorama dessa problemática, entrando nas origens históricas que moldaram a exclusão de figuras históricas como Carolina Maria de Jesus e Conceição Evaristo.

Ao longo deste artigo, exploraremos o contexto histórico que moldou a trajetória literária de escritores negros, destacando os períodos cruciais da escravização e da pós-abolição, nos quais as vozes desses autores foram sistematicamente subjugadas.  Analisaremos, ainda, casos contemporâneos que ilustram a persistência dessa marginalização.

Ao compreendermos as raízes desse fenômeno, poderemos entender a importância de desafiar as estruturas que perpetuam o esquecimento literário. Esta reflexão não se restringe apenas ao âmbito da leitura, mas se estende à esfera cultural e educacional, onde as narrativas e representações visuais moldam a percepção coletiva.

Portanto, no corpo do ensaio que trataremos abaixo estarão relacionados mais dados e argumentações acerca do propósito inicial do texto, que é o de desmistificar o que foi o processo de esquecimento dos autores negros na literatura brasileira, que por sua vez, segundo o entendimento da presente pesquisa científica, esse esquecimento contribuiu de maneira ampla para que atualmente tal grupo étnico tivesse que recuperar o seu posto de relevância na produção literária nacional. Para isso, a metodologia empregada pautou-se em uma pesquisa de abordagem qualitativa, e para tanto, utilizou-se da pesquisa bibliográfica a partir de obras de autores que já examinaram acerca do tema (GIL, 2002).

Desenvolvimento

Como destaca Marcio Pontes (2023), em publicação no blog da Sociedade  Artistíca Brasileira (SABRA), ao longo da história, muitos escritores negros  desenvolveram obras significativamente importantes para a riqueza e diversidade da  produção literária do Brasil, como o Quarto de Despejo de Carolina Maria de Jesus e  Olhos d’Água de Conceição Evaristo, no entanto, não é raro que seus trabalhos  frequentemente tenham sido superados e marginalizados, ou passado o seu  reconhecimento para um indivíduo branco.

Tory Oliveira (2012), em “Negros esquecidos: a herança maldita na literatura brasileira”, conta que no ano de 2011, a Caixa Econômica Federal produziu um anúncio em que retratou o autor Machado de Assis, um afrodescendente, interpretado por um autor branco. Desse modo, o ato condiz com mais um dos esforços históricos para apagar as raízes africanas do autor.

A deficiência de reconhecimento para autores negros está enraizada nas estruturas históricas de discriminação racial que permeiam a sociedade brasileira, como por exemplo a iminente Conceição Evaristo, que teve a sua primeira aparição documental aos 44 anos, por meio de textos literários, como aponta uma publicação de dados biográficos relacionados pela UFMG, por meio do curso de Letras. Durante períodos cruciais, como a escravidão e a pós-abolição, as vozes dos escritores negros foram subjugadas, limitando seu acesso à educação e oportunidades para publicação. Juliana Aguiar (2020), em sua publicação ao Diário de Pernambuco, ressalta:

A sociedade brasileira decidiu embranquecer Machado de Assis. Deixaram com que os clássicos perdurassem, mas não se conhecia a imagem do autor enquanto homem negro. Em uma época em que, aos negros, eram destinados os trabalhos braçais, muitos autores como Machado pereceram. Maria Firmina foi esquecida. Lima Barreto só teve suas obras de denúncia conhecidas depois de morto (AGUIAR, 2020).

Conforme publicação da France Junior no Jornal da USP, no ano de 2021, essa marginalização também persiste, mesmo em tempos contemporâneos, refletindo-se na seleção de textos acadêmicos, currículos escolares e nas listas de leituras obrigatórias. Autores negros muitas vezes são relegados a uma posição periférica, enquanto escritores brancos recebem maior visibilidade.

Ademais, é necessário ressaltar o que aduz um dos grandes autores negros, Abdias do Nascimento (1978), sobre a herança cultural africana e sua difícil tarefa de se manter viva frente a passagem do tempo, como se extrai do trecho abaixo:

A assimilação cultural é tão efetiva que a herança da cultura africana existe em estado de permanente confrontação com o sistema dominante, concebido precisamente para negar suas fundações e fundamentos, destruir ou degradar suas estruturas (NASCIMENTO, p. 94, 1978).

Por fim, pontua-se que a falta de representatividade na literatura não apenas diminui a diversidade de perspectivas, mas também perpetua estereótipos e perpetua a invisibilidade da contribuição cultural e intelectual dos autores negros. Essas características não são apenas um reflexo da negligência histórica, mas também um desafio para transformar as estruturas que perpetuam o esquecimento.

Assim, a partir desse panorama, faz-se necessário que a Gestão Pública, por meio de ações direcionadas, contemple o tema abordado nesse documento acadêmico, a partir do entendimento que o esquecimento sofrido pelos atores negros da literatura brasileira é prejudicial e muito influi na desigualdade racial no Brasil como um todo, ao passo que a produção e composição literária de um país reflete muito a maneira com que ele trata seus cidadãos.

Luiza Brandino (2023) comenta sobre a lógica supracitada por meio do trecho:

A presença de personagens negras é sempre mediada por esse distanciamento racial e de modo geral reproduz estereótipos: é a mulata hipersexualizada, o malandro, o negro vitimizado etc. É o caso das personagens negras de Monteiro Lobato, por exemplo, retratadas como serviçais sem família (Tia Anastácia e Tio Bento), e aptos à malandragem como um fator natural (como o Saci-Pererê, jovem sem vínculos familiares que vive enganando as pessoas do sítio). Assim, é por meio da literatura negra que as personagens e autores negros e negras retomam sua integridade e sua totalidade enquanto seres humanos, rompendo o círculo vicioso do racismo institucionalizado, entranhado na prática literária até então (BRANDINO, online, s.p, 2023).

Conclusão

Em vista do exposto, é necessário pontuar que a revisão cuidadosa do cânone literário brasileiro emerge como uma necessidade crucial para atenuar as disparidades evidentes, destacando obras frequentemente negligenciadas de autores negros. Note-se que iniciativas educacionais desempenham um papel vital ao realçar a diversidade e promover a representatividade na literatura. Simultaneamente, a promoção ativa da produção contemporânea de escritores negros é essencial, proporcionando plataformas que ampliem suas vozes e catalisem o reconhecimento, contribuindo para um panorama literário mais inclusivo e para a desconstrução de preconceitos enraizados na sociedade em relação a essa temática.

Em última análise, a abordagem abrangente do apagamento de autores negros na literatura brasileira requer uma revisão histórica meticulosa, combinada com uma promoção vigorosa da diversidade no cenário literário contemporâneo. Assim, e somente pela adoção dessas medidas, poderemos enriquecer genuinamente nossa compreensão da literatura brasileira, celebrando as inestimáveis contribuições de todos os seus criadores, independentemente de sua origem étnica.

Referências

AGUIAR, Juliana. Historicamente apagada, literatura afro-brasileira é redescoberta por pesquisadores. Diário de Pernambuco, 2020. Disponível em: <https://www.diariodepernambuco.com.br/noticia/viver/2020/06/historicamente apagada-literatura-afro-brasileira-e-redescoberta-por.html >. Acesso em: 10 de dezembro de 2023.

BRANDINO, Luiza. Literatura Negra. Brasil Escola, 2023. Disponível em: <https://brasilescola.uol.com.br/literatura/literatura-negra.htm >. Acesso em: 12 de dezembro de 2023.

Conceição Evaristo: Dados Biográficos. Literafro, 2024. Disponível em: <http://www.letras.ufmg.br/literafro/autoras/188-conceicao-evaristo >. Acesso em: 13 de fevereiro de 2024.

GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4º. ed. São Paulo: Atlas, 2002.

JUNIOR, France. Literatura reflete desigualdade racial no Brasil. Jornal da USP,2021. Disponível em: < https://jornal.usp.br/atualidades/literatura-reflete desigualdade-racial-no-brasil/ >. Acesso em: 13 de fevereiro de 2024. NASCIMENTO, Abdias do. O genocídio do negro brasileiro. 1.ed. Rio de Janeiro:  Editora de Paz e Terra: 1978.

OLIVEIRA, Tory. Negros esquecidos: a herança maldita na literatura brasileira. Portal Geledés, 2012. Disponível em: <https://www.geledes.org.br/negros esquecidos-a-heranca-maldita-na-literatura-brasileira/>. Acesso em: 10 de dezembro de 2023.

PONTES, Márcio. Livros brasileiros protagonizados e escritos por negros. Blog Sabra, 2023. Disponível em: < https://www.sabra.org.br/site/livros-brasileiros protagonizados-e-escritos-por-negros/ >. Acesso em: 12 de dezembro de 2023.