Agatha Ferrari
Rudy Karsburg
Guilherme Dutra
Dyenifer Ribeiro
Sophia Prestes
Para contarmos sobre a Proposta de Emenda Constitucional nº 280, que retira a obrigatoriedade daelaboração de um plebiscito para a venda de empresas estatais, é necessário percorrermos um caminho longo e turbulento até a conclusão do nosso objetivo. Caminho esse que vai desde o governo Britto, até finalmente chegar ao que a PEC desencadeou até o presente momento no Rio Grande do Sul. É como uma estrada cheia de buracos, com uma cratera ainda maior no final do trajeto.
A história do plebiscito começa de verdade nas privatizações esdrúxulas de 2⁄3 do braço de distribuição da Companhia de Energia Elétrica (CEE) realizadas durante o mandato do ex-governadorAntônio Britto. Após o insucesso dessa privatização da CEE, foi proposta pelo então deputado (e hoje excandidato à última eleição para governador), Carlos Eduardo Vieira da Cunha juntamente com mais 20 deputados, a emenda constitucional de nº120 que garantiu na constituição que o governo consultasse apopulação por meio de um plebiscito, quando um governo quisesse vender empresas de patrimônio público.Estabelecendo assim uma forma de participação popular mais forte nas decisões de administração públicapara com o patrimônio gaúcho.
Na sua primeira eleição para Governador, Eduardo Leite disputava com o atual governador José Ivo Sartori. Como sabido o estado do Rio Grande do Sul não tem o costume de reeleger governadores, ainda mais um governador com um nível baixo de aprovação como o de Sartori, sendo assim Eduardo Leite foieleito Governador do RS pela primeira vez, fato que voltaria a se repetir esse ano. Em sua campanha Leitecostumava afirmar que não buscaria privatizar nem o Banco do Rio Grande do Sul (Banrisul) e nem aCompanhia Riograndense de
Saneamento (Corsan), que os manteria públicos, sobre o controle do estado, mas então alguma coisa deve ter mudado no meio do caminho, o que fez com que Eduardo Leite repentinamente decidisse que iria sim buscar privatizar as estatais? Faltando assim com sua promessa na campanha para a eleição de 2018.
Segundo Eduardo Leite, o que o motivou a mudar de pensamento sobre a privatização da Corsan, foio marco regulatório sancionado pelo Presidente da República, Jair Bolsonaro através da Lei nº14.026, em 15 julho de 2020, tendo em vista que a estatal não conseguiria cumprir com as metas estabelecidas pelo marco legal do saneamento básico, de atingir uma área de atuação maior, estando presente em 99% dos municípios no estado. Podendo acabar como a CEE, acumulando dívidas e causando mais prejuízo ao estado do Rio Grande do Sul no processo.
O povo gaúcho não costuma olhar com bons olhos as privatizações de estatais, principalmentequando se refere a uma estatal de tamanha importância como a Corsan e o Banrisul. Porém como para privatizar as empresas de patrimônio público demanda um processo de participação popular, por meio deplebiscito, só seria possível passar a frente esse projeto de privatização e leilão dessas empresas públicas, se o povo gaúcho estivesse de acordo com essas questões. Pensando nisso, o Deputado Sérgio Turra (PP) e mais 24 deputados da base do governo de Eduardo, tiveram a “brilhante” ideia de simplesmente montaruma PEC buscando revogar os parágrafos §2 e §5 do art 22 da constituição do RS que exigiam a elaboração do plebiscito para a venda da Corsan, Banrisul e Procergs.
Após as mudanças proporcionadas pela PEC 280/2019 não há mais necessidade de ouvir a voz doscontribuintes para que a unidade federativa faça o que julgar apropriado com as empresas públicas,geralmente seguindo fielmente a cartilha ideológica neoliberalista de estado mínimo de modo a transformardireitos em produtos.
O despudor em atacar mecanismos de manifestação da vontade popular poderia ser amenizado ao adotar necessidade de consulta popular em qualquer matéria que trate da extinção desses mesmos mecanismos de manifestação da vontade popular. Não parece possível que a redução da participação popular aconteça de forma unilateral sem causar dano algum ao princípio constitucional implícito davedação do retrocesso. Fica evidente que os dispositivos de
manifestação da vontade popular, em especial os constantes na constituição estadual do estado do RioGrande do Sul, precisam de maior proteção.
Cabe também um adendo, que toda essa tramitação da PEC 280 se deu durante o ápice do período pandêmico entre 2020 e 2021, o estado com a bandeira preta que indicava alto risco de contaminação,portanto, como a população estava assustada com a pandemia, questões como a PEC não foram discutidascom o público.
Ainda assim houveram diversas audiências feitas de forma online, em vídeo-transmissões que se propuseram a tratar do assunto da PEC 280. Porém sem tanto apelo público, muito por causa da pandemia. Segundo uma pesquisa encomendada pelo Sindicato dos Bancários de Pelotas e região, divulgou que68,5% da população gaúcha se mostrou contrária à PEC. Muitos políticos com viés de esquerda das bancadas do PT, PDT, PSOL opositoras às ideias de privatização do governador, também foram contra a tramitação dessa PEC, buscaram veementemente combater a mesma, em uma tentativa de assegurar osdireitos da população gaúcha.
Mas como nem tudo são flores, mesmo essa pec se mostrando abertamente uma tentativa de calar a população, no dia 28 de abril de 2021 ela foi aprovada em uma votação de dois turnos na Assembleia Legislativa do RS, no primeiro turno que foi curiosamente realizado logo após o governador do estado,Eduardo Leite alterar a bandeira de preta para vermelha, a base governista ganhou com uma votação de certa forma expressiva 32 a 18 no primeiro turno e no segundo turno com uma votação ainda mais favorável,de 35 adeptos frente a 18 contrários foi de fato aprovada no dia 28 de abril de 2021.
Com essa aprovação, a PEC cumpriu assim seu objetivo, deixando caminho aberto para que o Governo de Eduardo Leite pudesse privatizar as estatais, que bem entendesse, ferindo assim a participação popular em seu governo, deixando o povo escolher apenas nas eleições de 4 em 4 anos.
Atualmente a Corsan está para ser leiloada, no dia 20 de dezembro com um lance inicial de R$4,1 bilhões, as vendas da Procergs e do Banrisul até o momento não foram anunciadas. Essa é uma história que ainda busca o seu destino final, qual será o destino dessas estatais em um novo governo de EduardoLeite? Veremos nos próximos capítulos…
Referências
JUNIOR, Aristóteles. Após marco regulatório, Leite decide dar início ao processo de privatização da Corsan. 2021. Disponível em https://guaiba.com.br/2021/03/18/apos- marco-regulatorio-leite-decide-dar-inicio-ao-processo-de-privatizacao-da-corsan/. Acesso em 01 de dezembro de 2022.
CANOFRE, Fernanda. Leite descumpre promessa e encaminha privatização de companhia de saneamento. 2021 Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/09/contra-promessa-de-campanha-leite- encaminha-privatizacao-de-companhia-de-saneamento-no-rs.shtml. Acesso em 30 dedezembro de 2022.
BRASIL. Lei nº14.026 de 15 de julho de 2020. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Disponível em:https://legislacao.presidencia.gov.br/atos/?tipo=LEI&numero=14026&ano=2020&ato=c faATWE9EMZpWT417 Acesso em 1 de dezembro de 2022.
RIO GRANDE DO SUL. Constituição do Estado do Rio Grande do Sul. 1989. Disponível emhttp://www2.al.rs.gov.br/dal/LinkClick.aspx?fileticket=IiPguzuGBtw%3d&tabid=3683 &mid=5358 Acesso em 30 dedezembro de 2022.
SINDICATO DOS BANCÁRIOS. Assembleia aprova PEC 280: 70% da população gaúcha se posicionou deforma contrária ao fim do plebiscito. Disponível em https://www.bancariospel.org.br/2021/06/02/assembleia-aprova-pec-280-70-da- populacao-gaucha-se-posicionou-de-forma-contraria-ao-fim-do-plebiscito/. Acesso em 1 de dezembro de2022.
REDAÇÃO, G1. Corsan: governo do RS publica edital de privatização de estatal de saneamento; entenda. 2022. Disponível em: https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do- sul/noticia/2022/11/28/corsan-governo-do-rs-publica-edital-de-privatizacao-de-estatal- de-saneamento-entenda.ghtml. Acesso em 1 de dezembro de 2022.