Uma nova constituição para o Chile

Rafaél de Lima

Resultado de um processo de quase três anos, a nova Constituição do Chile foi apresentada ao presidente Gabriel Boric em 04 de julho deste ano, fruto das reivindicações e protestos que tomaram o país em 2019, deixando 23 mortos, além de milhares de feridos e detidos, onde uma multidão foi as ruas pedindo melhores condições de vida, que resultou em um plebiscito no ano seguinte onde 78% dos eleitores chilenos votaram por uma nova Constituinte.

Para elaboração da nova Carta Magna os chilenos elegeram 154 representantes, 77 homens e 77 mulheres, com uma média de idade de 45 anos, para compor uma Convenção Nacional. Elaborada durante quase dois anos a nova Constituição tem como objetivo afastar o país do legado da ditadura de Augusto Pinochet, que perdurou de 1973 a 1990. O novo projeto tem como base dez pilares que reúne elementos fundamentais e normas relevantes: democracia; inclusão; tradição institucional; garantias de direitos; liberdade; igualdade de gênero; proteção da natureza e do meio ambiente; regiões; projeção futura e economia responsável.

Escrita de forma paritária entre homens e mulheres a nova proposta é composta por 178 páginas, 388 artigos e 54 normas transitórias e, têm como objetivo fundamental ampliar o papel do estado em políticas básicas e fundamentais para a população chilena. De forma inédita a Constituinte aborda temas como o direito para as mulheres, crianças e adolescentes, pessoas com deficiência, povos e nações indígenas e pessoas de diversidade e dissidência sexo genéricas.

No âmbito dos direitos sociais a nova Constituição descreve o país como um “Estado social e democrático de direito”, que tem a obrigação de fornecer bens e serviços para garantir direitos básicos aos cidadãos, enquanto a Constituição vigente estabelece que o Estado deve “contribuir para a criação de condições sociais”, ainda possibilitando a iniciativa privada de oferecer esses serviços à população. com o novo texto os chilenos ainda podem optar pelo serviço privado, mas é proposto a criação de um Sistema Nacional público e gratuito para a educação, a saúde e a previdência. Estabelece também direito a garantia de trabalho digno, moradia digna, alimentação e acesso à água (que na atual constituição é um bem privado), ainda disserta sobre uma remuneração equitativa, justa e suficiente.

A nova lei prevê reconhecimento de territórios indígenas como comunidades autônomas, numa tentativa de conter as desigualdades históricas e proteger as minorias. A nova Constituinte reconhece 11 etnias e nações indígenas, e prevê o reconhecimento em lei de outras etnias, enquanto a atual constituição não menciona povos indígenas em seu texto. O texto contempla proteção para as culturas, conhecimentos e identidade indígena e garante participação destes na política. Os idiomas, símbolos e emblemas passam a ser reconhecidos como oficiais pelo Estado, ainda assegura os indígenas o direito de manter suas práticas de saúde e o uso dos seus medicamentos tradicionais.

A nova Carta propõe também direitos sexuais e reprodutivos, entre outras coisas o direito de autonomia sobre o próprio corpo, sobre o exercício da sexualidade, do prazer e reprodução, assim o aborto também passaria a ser legalizado no país. Pela primeira vez na história constitucional do Chile as mulheres e pessoas LGBTQIA+ são mencionadas. Também é proposto o direito a uma vida livre da violência de gênero, e de forma inovadora prevê o trabalho doméstico, como um emprego socialmente necessário e essencial para o desenvolvimento da sociedade, e deve ser considerado na formulação e execução de políticas públicas.

O novo texto também cita a desmilitarização da polícia e define o papel das Forças Armadas exclusivamente a ameaças externas. Um outro ponto importante é o fim do Senado chileno, onde Câmara dos Deputados passaria a ser o Congresso de Deputados e Deputadas, com formação obrigatória de 50% de mulheres. E destaca também que a prática de paridade deve ser incentivada no âmbito privado. Também assegura percentual de cadeiras no Congresso para indígenas, baseado no percentual autodeclarado no último censo demográfico, que seria em torno de 13%, que resultaria aproximadamente 20 das 155 cadeiras.

Também é tratado o princípio da regionalidade, dando maior autonomia para governos regionais e municipais para aplicação de políticas públicas adaptadas as diversas realidades locais. A carta ainda estabelece mudanças no poder Executivo, mantendo o sistema presidencialista, mas com redução na idade mínima para concorrer ao cargo que passa de 35 para 30 anos, e a possibilidade de dois mandatos em sequência, diferente da atual constituição que permite a reeleição, mas não de forma consecutiva.

O novo texto também traz o entendimento da defesa do Meio Ambiente, tratando o Chile como um Estado ecológico, com o dever de adotar medidas para prevenir e amenizar riscos caudados pela crise climática e ecológica, tratando temas específicos como proteção a geleiras e pântanos. Ainda nesse sentido, como já mencionado no texto há a quebra do monopólio corporativo dos recursos naturais, como a água, que atualmente é privatizado.

A votação no plebiscito constitucional é obrigatória para todos aqueles que têm domicílio eleitoral no país, essa é a primeira votação com obrigatoriedade de comparecimento no Chile desde 2012, quando o voto passou a ser voluntário.

A seguinte pergunta compôs o plebiscito, que aconteceu em 04 de setembro de 2022 “Você aprova o texto da Nova Constituição proposto pela Convenção Constitucional?” – O eleitor deverá escolher entre as alternativas “aprovar” ou “rejeitar”. Com participação recorde, cerca de 80% dos cidadãos aptos ao voto, a opção “rejeito” venceu com 61,8% (equivalente a 7,8 milhões de votos) contra 38,1% (cerca de 5,8 milhões) do “aprovo” no plebiscito do domingo (04). Enquanto o “não” venceu em todos os estados e em 338 distritos chilenos, o “sim” foi maioria em apenas oito.

Não havia a possibilidade de aprovação em partes ou com ressalvas, com o resultado da reprovação na votação a Constituição atual continua vigente. Assim o Chile é 1º país a rejeitar Carta Magna escrita por Constituinte Popular.

Referências

https://static.poder360.com.br/2022/07/Texto-Definitivo-CPR-2022-Tapas.pdf

https://www.poder360.com.br/internacional/entenda-o-que-muda-no-chile-com-a-possivel-nova-constituicao/

https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/veja-cinco-pontos-para-entender-o-plebiscito-da-nova-constituicao-do-chile/