Por Camila Fernandes/Assessora de investimentos
Atualmente muito tem se falado em sustentabilidade e a equidade de gênero. Este assunto que parecia muito distante em âmbito global, têm tomado um espaço maior na pauta de discussões de grandes agentes econômicos diariamente.
Porém, mesmo com esse crescimento exponencial dos últimos anos, na abordagem desse tema, tanto pelo governo, empresas, sociedade, investidores, entre outros, a igualdade de gênero ainda têm um longo caminho pela frente, já que, de acordo com o relatório Global Gender Gap Report 2020, ainda é necessário um século para que se alcançar a igualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho. Atualmente as mulheres ainda caracterizam 38,8% da força de trabalho global, contra 61,2% de homens.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Brasil esse percentual é um pouco mais próximo: têm-se uma proporção de 43% de mulheres contra 57% de homens.
Em relação a remuneração, as mulheres ocupam os mesmos cargos e desempenham as mesmas funções que os homens, ganhando em torno de 20 % a menos que estes, isso de acordo com recente pesquisa da Fundação Getúlio Vargas- FGV. Além disso, cargos de liderança são ocupados apensa 3 % por mulheres aqui no Brasil.
Desafios da equidade de gêneros
Há um bom tempo, a sociedade luta por direitos humanos, focando na igualdade de oportunidades, independente de sexo, cor, etnia, idade, orientação sexual, origem social, capacidade física ou mental; mas existe ainda muito a ser feito.
Conforme o IBGE, as mulheres trabalham, em média, três horas por semana a mais do que os homens, isso conciliando todo tipo de trabalhado desempenhado pela mesma durante o dia (remunerados, afazeres domésticos, cuidado de crianças e idosos, entre outros), impactando dessa forma a integração delas no mercado de trabalho. Essa inserção é definida pela necessidade de combinação da dupla jornada entre trabalho remunerado e não remunerado.
E além disso, a maioria das mulheres contam com um nível educacional mais alto, logo, as menores remunerações e maiores obstáculos encontrados pelas mulheres no mercado de trabalho não podem ser atribuídas à educação. Muito pelo contrário, segundo estudos e dados coletados, as mulheres brasileiras são em média mais instruídas que os homens, e mesmo assim ganham um percentual de rendimento bem inferior.
Em 2019, as mulheres foram remuneradas com aproximadamente 77,7% do rendimento dos homens. A Desigualdade de remuneração do trabalho se tornava ainda maior entre as pessoas introduzidas nos grupos ocupacionais que auferem a salários maiores, como diretores, gerentes e profissionais das ciências e intelectuais, grupos nos quais as mulheres receberam, respectivamente, 61,9% e 63,6% do rendimento dos homens.
Estudos mostram que em nível global os homens ocupam 60,9% dos cargos de liderança, e as mulheres 39,1%. E quando se fala em remuneração, as mulheres recebem aproximadamente 30% a menos que os homens, e para posições que demandam nível superior, essa diferença pode chegar a quase 40%.
As mulheres empreendedoras, por exemplo, encontram muita dificuldade no seu desenvolvimento profissional, pois muitas vezes há pouco apoio da família, falta de tempo para os filhos, difícil obtenção de recursos financeiros, além dos bancos privilegiarem empresas dirigidas por homens.
Logo, pode se perceber que apesar dos vastos esforços da sociedade, ainda há uma discrepância grande em relação a equidade de gênero nas empresas, e a busca constante para a igualdade de tratamento e direito para ambos os sexos em relação a qualquer tipo de atividade, seja na área trabalhista ou de oportunidades. Assim sendo, os empenhos em relação a essa causa precisam continuar com muita força, resiliência e persistência; muito já se foi conseguido, mas na prática a equidade de gênero ainda não acontece como deveria..
Devido a estes contextos, muitas perguntas surgem: por que ainda não há equiparação entre homens e mulheres? Por que as mulheres ganham menos e são mais cobradas? Como mudar esse contexto e cultura?
Mulheres na alta liderança, vida pública e tomada de decisão
Como já mostrado acima as mulheres são mais escolarizadas, mas, ainda segundo o IBGE, têm menor inserção no mercado de trabalho e na vida pública em geral. Assegurar às mulheres igualdade de oportunidades nos processos de tomada de decisão é uma meta da Agenda 2030 ( a Agenda 2030 da ONU é um plano global para atingirmos, em 2030, um mundo melhor para todos os povos e nações), pois, elas devem participar efetivamente da vida pública, em seus campos cívico, econômico e político, tendo por atribuição posições de liderança, tanto no setor público, quanto no setor privado.
Um dos indicadores que mensura a quantia de mulheres na política é o Percentual de parlamentares mulheres em exercício nas câmaras baixas (câmara de deputados) ou parlamento unicameral (CMIG 44a), este indicador, passou no Brasil de 10,5%, em dezembro de 2017, para 14,8% de mulheres exercendo mandato parlamentar, em setembro de 2020. O Brasil era o país da América do Sul com a menor proporção de mulheres exercendo mandato parlamentar na câmara dos deputados (estava 142ª posição de um ranking com dados para 190 países).
Já o indicador de Participação das mulheres nos cargos gerenciais (CMIG 45) que interpela a introdução de mulheres em posições de liderança tanto no setor público (maioria dos cargos são promovidos através de concursos públicos ou seleção interna), como, por exemplo, diretoras de órgãos governamentais; quanto no setor privado, como em cargos de diretoria ou gerenciais de empresas privadas.
O CMIG 45 é um indicador que, além de dirigir a participação das mulheres na vida pública, tomada de decisão e fazer parte da Agenda 2030, contribui com o entendimento de algumas características do mercado de trabalho, como a desigualdade de rendimentos entre homens e mulheres, por exemplo. No Brasil, 62,6% dos cargos gerenciais eram ocupados por homens e 37,4% pelas mulheres, em 2019.
O ambiente, a dinâmica e o desempenho das empresas e instituições são altamente influenciados pela quantidade de mulheres que fazem parte de seu quadro de funcionários desde o âmbito operacional a cargos maiores.
Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2019. Nota: Dados do 2º trimestre.
O ambiente, a dinâmica e o desempenho das empresas e instituições são altamente influenciados pela quantidade de mulheres que fazem parte de seu quadro de funcionários desde o âmbito operacional a cargos maiores.
E consoante a vários estudos desenvolvidos, as organizações que apresentam um número maior de mulheres em seu quadro de executivos, tendem a ter resultados mais significativos, já que elas atendem a mais reuniões, inspiram a frequência de diretores homens, e participam de mais comitês, especialmente no campo de monitoramento e auditoria.
Além disso, empresas que apresentam um corpo executivo diverso em gênero, mostram uma qualidade em gestão mais organizada, centro de estratégias mais inovadoras, enfim expõe resultados melhores, e promovem impacto social positivo, isso é muito significativo, especialmente para aquelas companhias que buscam por investidores, conseguindo assim maiores oportunidades de crescimento e desenvolvimento; e por fim, organizações que possuem mulheres na alta liderança também podem proporcionar uma melhor gestão de riscos, sobretudo financeiros.
Não há ainda uma resposta certa e concreta, pois há muito o que se fazer quando falamos em políticas públicas voltadas para equidade de gênero, uma possibilidade geral talvez, seria usar mais recursos disponíveis socialmente, para diminuir a disparidade entre homens e mulheres no setor trabalhista por exemplo.
As organizações precisam se atentar a esse tema, e traçar o máximo possível de estratégias e ações para alcançar a igualdade de gênero. Podendo começar com a paridade salarial entre homens e mulheres que desempenham a mesma função, podem também promover atitudes que mostrem que homens e mulheres possuem as mesmas oportunidades de crescimento dentro da empresa, deixando os colaboradores a par disso, jamais discriminando mulheres para determinadas funções que exigem mais racionalidade e pensamento analítico, por exemplo, ou ainda deixar de mostrar discriminação à mulheres que possuem filhos pequenos, dando estas maiores chances de crescimento.
Por fim é de suma importância que mulheres assumam papeis de liderança dentro da empresa, ou seja, se faz ideal que as organizações busquem o equilíbrio de gênero nas cadeiras de gestão. Existem algumas formas de atingir esse objetivo, como por exemplo a criação de programas de liderança feminina, onde deve acontecer a seleção de mulheres (alvo de metade dos cargos) para treinamento de futuras líderes da empresa. Ainda a organização deve ouvir mais o quadro de funcionárias, talvez através de um canal aberto com suas colaboradoras, criando grupos de debates e escuta.
Mulheres, finanças, investimentos e governança
A equidade de gênero vem alcançando maior espaço principalmente no meio dos investimentos. Investidores cada vez mais exigentes tem optado por investir seu capital em empresas que apresentam sustentabilidade em todos âmbitos possíveis, desde o cuidado com a natureza, a ética social, equidade de gênero e raça, atenuação das desigualdades sociais, combate à corrupção, transparência e uma governança corporativa bem definida, planejada e executada. Em síntese, empresas que tenham uma boa gestão ESG ( Environmental, social and Governance), ou em português Ambiental, Social e Governaça- ASG, três letras que basicamente substituem a palavra sustentabilidade no universo corporativo.
A grande gestora de fundos, Black Rock, escreveu que: “as perspectivas de crescimento de cada empresa são indissociáveis da sua capacidade de operar de forma sustentável e servir todo o conjunto de partes interessadas”. E ainda, explanou a sustentabilidade, bem como a diversidade em conselho nas cartas aos CEOs assinadas pelo seu líder, Larry Fink.
O presidente do banco Goldman Sachs, David Solomon, no início de 2020 anunciou uma nova política na área de estruturação de IPOs ( Initial Public Offering), que é a oferta Inicial de ações, onde ele relatou que companhias com mulheres na diretoria tiveram um desempenho maior do que as que não têm nenhuma e, portanto, só iria assessorar na abertura de capital empresas que tivessem ao menos uma mulher em seu conselho de administração. Já em meados de 2021, o banco americano aumentou essa exigência para um mínimo de duas mulheres no conselho.
O mesmo banco relatou que as mulheres estão se saindo melhor que os homens no mercado financeiro. Durante a pandemia em 2020, em torno de 500 fundos multimercados dos EUA monitorados pelo banco mostram que apresentaram melhor desempenho e retorno aqueles que tinham pelo menos 1/3 dos cargos de gestão ocupados por mulheres.
A presença de mulheres na governança corporativa de empresas de diferentes portes e complexidades, ainda é bem pequena, todavia, a participação das mesmas em níveis estratégicos da governança corporativa gera para a organização maior visão de futuro, melhor utilização de mão de obra, desenvoltura de gestão mais estruturada, mais eficiência empresarial e resultados mais significativos.
Estudos publicados pela Universidade de Stanford, mostram que organizações que contam com uma maior presença de mulheres assumindo postos de trabalho principalmente em sua governança, tiveram sua marca e ações ganhando uma maior valorização nas bolsas de valores.
Relatos e pensamentos de algumas mulheres em suas respectivas trajetórias
Isabelle Anchieta, doutora em sociologia pela Universidade de São Paulo (USP). | – Pouco a pouco, a população feminina ganhou espaço no mercado e passou a ocupar cargos antes exclusivamente destinados aos homens. Estamos seguindo um caminho interessante. Já rompemos muitas barreiras. – Ela lembra que a população feminina teve um atraso muito grande no aspecto educacional. – As mulheres só puderam entrar na universidade no século XVII praticamente; ressalta. |
Marilane Teixeira, doutora em desenvolvimento econômico pelo Instituto de Economia da Unicamp. | – A dupla jornada também é um obstáculo para as mulheres alcançarem cargos de chefia, o que explica o fato de elas ainda serem minoria nessas ocupações. Afinal, normalmente, as trabalhadoras têm menos tempo para atividades fora do expediente que poderiam contar pontos para uma promoção. Em geral, ascende profissionalmente quem tem mais disponibilidade, quem pode viajar toda vez que a empresa exige, quem tem a possibilidade de ficar fora de casa em horários que não são do expediente normal ou que pode fazer cursos fora. |
Juliana Guimarães. Formada em comunicação social pela Escola Superior de Propaganda e Marketing de São Paulo (ESPM-SP) e pós-graduada em gestão de negócios pela Fundação Dom Cabral. | Chegou a ser diretora de uma multinacional antes dos 30 anos. – Eu tive a oportunidade de viajar o mundo todo, foram experiências incríveis; lembra. No entanto, ela não estava satisfeita com o trabalho. Ela afirma que não conseguia se adaptar ao discurso das empresas de querer transformar o mercado, enquanto fazem tudo sempre da mesma maneira, com as mesmas burocracias. Então passou a empreender. E teve muito sucesso. |
Liliane Rocha é fundadora e CEO da Gestão Kairós, consultoria em sustentabilidade e diversidade | Recebeu, pelo segundo ano consecutivo, um prêmio pelo trabalho que desenvolve em prol da diversidade nas empresas. Trata-se do 101 Top Global Diversity, promovido pelo World HRD Congress, evento que reúne lideranças do mundo inteiro, na Índia, para discutir o futuro do mercado de trabalho. Ela foi a única brasileira na lista de indicados. – Eu até demorei um pouco para responder ao convite para o congresso, pensando que era trote. Como esse pessoal chegou até mim? |