Por Eduardo Ritter/Superávit Caseiro

A primeira vez que ouvi falar dos sites das bets (apostas esportivas) foi aproximadamente três anos atrás. Um amigo meu me apresentou dizendo que estava ganhando “dinheiro fácil”. “Olha aqui, ganhei setecentos reais apostando em número de escanteios! É barbada!”, ele me garantia. Desconfiei, mas ouvi toda a sua explanação que, de fato, parecia fazer sentido. Fui conferir.

Coloquei R$100 para testar. Durante aproximadamente um mês fiquei apostando pequenos valores. A lógica era simples: apostar em situações “óbvias”, como por exemplo, marcar que um jogo em que o time da casa precisa ganhar vai ter mais de sete escanteios, ou que um jogo feio que está 0 a 0 vai terminar sem gols fazendo a aposta lá pelos 30 do segundo tempo. Cheguei a estar “ganhando” da banca. Porém, para fazer essas apostas “seguras” eu colocava um valor razoável (10% ou 20% do que tinha) para ganhar algo entre 1.3 e 1.5. Resumindo, isso quer dizer que se você apostou 10 reais que está pagando 1.5 (ou seja, 25%) você vai ganhar R$2,50. Aos pouquinhos, se você foi fanático por futebol a vida inteira, como eu, o negócio parece funcionar. O problema é que quando você perde, você perde um valor bem maior e o sentimento de frustração é imenso! Então, você quer acelerar para tentar recuperar o dinheiro e o tempo perdido, e aí você começa a cometer erros que fazem a banca ganhar de você rapidinho.

Cheguei a estar perdendo 40%dos meus R$100 na época, mas assim que recuperei, saquei de volta e nunca mais entrei de novo naquele aplicativo. É uma cilada na certa. Pode até servir para algo se alguém colocar um valor limitado, digamos, mensalmente, apenas para se divertir, sem se preocupar em ganhar ou perder. Mas 99% da população brasileira não tem maturidade para isso. Na época, até espiei canais no youtube e há mil e uma estratégias para “vencer” e ganhar uma “renda extra” – na minha humilde opinião, pura picaretagem. É como o personagem do filme “Lobo de Wall Street”, que fez uma fortuna vendendo ações furadas que eram negociadas fora da bolsa de Nova York com um valor bem acima do que realmente valiam. A lógica aqui é a mesma: quando tem muita gente perdendo, tem poucos ganhando. E muito!

Escrevi isso porque, no dia 28 de agosto, o presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) do Brasil, João Pedro Nascimento, comentou sobre o tema bets. “Não vai esvaziar o mercado de capitais como alguns disseram. Vai esvaziar a geladeira dos brasileiros”. Para a minha sorte, quando esse meu amigo apareceu falando sobre bets, eu já estava fazendo um curso tecnólogo em gestão financeira e estava preocupado em me educar financeiramente. Caso contrário, meu destino poderia ter sido parecido com o dele: poucos meses depois, ele havia perdido mais de R$10 mil e estava sacando dinheiro de sua economia de anos para tentar recuperar o que havia perdido. Segundo ele disse na época, quando o prejuízo total ficou em R$5 mil, ele parou. Nunca mais tocamos no assunto.

Por isso, concordo em grau, número e gênero com o presidente da CVM. Para quem estudou minimamente mercado financeiro, é óbvio que o mercado de capitais não tem nenhuma ameaça, pois as pessoas que investem seriamente em ações são diferentes dos apostadores. Os investidores de verdade estudam as empresas e INVESTEM seu dinheiro, baseado na análise de gráficos e indicadores, que vai lhe render dividendos e a valorização da empresa ao longo do tempo. Como disse o mestre dos investimentos Benjamin Graham décadas atrás: não existe investimento a longo prazo, porque se não for a longo prazo, não é investimento. E, como muito bem explica o integrante do Superávit Caseiro e acadêmico de Jornalismo Everton Iberse, no texto aqui do site “Investir não é divertido”, colocar o seu dinheiro no mercado de capitais não é nenhuma farra ou aposta. É trabalho e paciência para criar, aumentar e consolidar um patrimônio financeiro que vai viabilizar as realizações pessoais de cada um.

Infelizmente a maior parte da população brasileira é analfabeta financeiramente e, com isso, sonha acordada em encontrar uma fórmula mágica que a torne rica de uma hora para outra. E as bets surgiram da maneira mais cruel possível: sem regulamentação minimamente séria, com fácil acesso (basta estar online) e explorando aquilo que o brasileiro mais ama: o futebol.

Em 2014, quando estive em Las Vegas, fui em alguns cassinos onde também apostei pequenos valores. Lá, você ganha cerveja grátis enquanto joga. Parece que são bonzinhos, mas não é nada disso: quanto mais bêbado você estiver, mais emotivo e impulsivo você fica, logo, você joga, gasta e perde mais. E quando perde mais, quer recuperar o que perdeu, e perde mais ainda. As bets nem precisam fazer isso: um dos hábitos do brasileiro é ver futebol tomando cerveja. Já vi turmas de jovens assistindo a jogos em bares com seus celulares fazendo apostas. Alguns ganham (por um tempo) e vibram, comemoram e olham ao redor com um ar superior de quem descobriu uma mina de petróleo. É uma vitória passageira, pois logo a banca pega tudo de volta e, ela sim, enche os bolsos. Para cada um que de fato ganha (ou seja, para de jogar quando está ganhando) há milhões que perdem e querem recuperar o que perderam. Assim, o assalariado que ganha um ou dois salários mínimos acredita que pode dobrar a renda porque “conhece” futebol. Aliás, esse tema já está sendo pauta de diversas reportagens (funcionários pedindo adiantamento de salário, pessoas pensando em suicídio porque perderam todas as suas economias, etc).

Para problematizar ainda mais, as best estão financiando aqueles que poderiam levar ao debate público a problemática: os meios de comunicação. As grande casas de aposta online estão dominando o patrocínio dos grandes clubes de futebol, os anúncios nos estádios no mundo inteiro e praticamente todos os grandes veículos que transmitem os eventos esportivos. Como um canal de rádio ou de TV, em que seus apresentadores incluem na pauta dos programas as apostas que estão fazendo, vai ousar produzir uma reportagem investigativa ou vai criticar esse sistema de aposta? “Aposte com responsabilidade” ou “com moderação”, já ouvi de alguns apresentadores de programas esportivos e locutores. Papo pra boi dormir. É irresponsável e cruel. É insano. É balela. O brasileiro não tem educação financeira para apostar “com moderação” ou “responsabilidade”. O mais honrado seria o apresentador simplesmente ler o anúncio, e não ficar se prostituir ao vivo para as casas de aposta vendendo a sua alma e sua credibilidade para ela. O contraponto é que outros tubarões do mercado estão ficando zangados com os sites das bets: os bancos, o varejo e outros que estão vendo o povo gastando dinheiro em aposta e ficando sem grana para consumir outros produtos. Por incrível que pareça, o capital do peixinho pequeno pode ser salvo pelo capital de outro tubarão.

Eu, enquanto professor e coordenador do projeto Superávit Caseiro não posso fazer muita coisa no campo macro. Minha pequena contribuição para quem nos acompanha é deixar a dica: ao invés de perder tempo e dinheiro em apostas esportivas, invista em conhecimento financeiro. Estude o mercado de capitais. Leia sobre renda fixa, variável, títulos públicos. Comece com livros mais introdutórios, até mesmo aqueles no estilo de auto ajuda financeira, e depois parta para os mais técnicos. Faça cursos online gratuitos (ou pagos, se puder) e, de fato, invista o seu dinheiro para poder usufruir daquilo que você gosta e que (gostemos ou não) exige que tenhamos capital. Enfim: aposte e invista em você mesmo!