Por Kaique Cangirana (*)/Superávit Caseiro
A denominada “taxa das blusinhas” foi, nas últimas semanas, debatida e aprovada no Congresso Nacional. A medida limita ainda mais o poder de compra do consumidor brasileiro com a justificativa de proteger empresas nacionais. O problema é aumentar ainda mais a carga tributária de forma desproporcional à liberdade econômica proposta pelos mesmos setores que hoje se blindam. As opiniões expressas neste artigo não refletem o posicionamento oficial do site Superávit Caseiro, a instituição da qual pertence ou seus demais membros.
Nesta análise opinativa, busco explicar: como a péssima deliberação sobre a taxa fere princípios de uma democracia mesmo que congressistas não tenham descumprido qualquer lei; como essa medida impacta a população e; como princípios liberais são ignorados pelo empresariado brasileiro que trabalhou no lobby que os protege da competição internacional, limitando a aquisição da sociedade, em especial, da classe média.
A taxação das blusinhas foi inicialmente proposta pelo Ministério da Fazenda em 2023, no início de seu plano econômico de política fiscal com metas arrecadatórias que englobam o arcabouço fiscal. Depois de uma grande rejeição pública da medida, o governo federal abriu mão da tributação, deixando compras internacionais abaixo de US$ 50 (R$ 268,87, na cotação atual) isentas do Imposto de Importação com a aderência das empresas ao Programa Remessa Conforme.
O nome da taxação é atribuído até mesmo de forma didática em grande parte pela mídia, que percebe o impacto sobre as compras de brasileiros a partir de empresas como a AliExpress, Shein, Shopee entre outros. Enquanto escrevo este texto, a nova alíquota que infere 20% sobre essas compras, espera a sanção presidencial que deve ser confirmada devido ao acordo entre o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional.
A medida foi aprovada como um “jabuti” no Projeto de Lei 914/2024, o termo é utilizado para descrever a inclusão de dispositivos divergentes em trechos de um projeto que propõe outra coisa. O PL 914/2024 institui o Mover, o Programa Mobilidade Verde e Inovação que promove incentivos à pesquisa e à produção de veículos menos poluentes (Agência Senado). Logo, percebe-se que falta um projeto de tributação específico sobre compras internacionais, o que não foi devidamente debatido nas casas que deveriam representar o interesse do povo brasileiro.
Esse cenário demonstra como a democracia vem sendo afetada por manobras legais de congressistas que desejam aprovar, mas sem sofrer o desgaste com a sociedade por medidas impopulares como uma taxação. “Democracias podem morrer não nas mãos de generais, mas de líderes eleitos”, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt consolidam, no Best Seller “Como as democracias morrem”, a ideia de que manobras legais desconstroem a democracia silenciosamente. Poderia ser uma análise dramática se não presenciamos regularmente na mídia a utilização de um trecho constitucional para justificar a existência de uma minuta que poderia viabilizar um golpe de estado.
Vale ressaltar que o projeto Mover é interessante e necessário para a indústria automobilística e para o planeta, que em frente a crises climáticas, depara-se com o desafio global de atuar sustentavelmente para conservar o meio ambiente que sofre com eventos climáticos extremos. O ponto que critico aqui é a falta de deliberação e transparência dos políticos brasileiros ao se aprovar uma medida tão importante como essa. Dispositivos como requerimento de urgência e votação simbólica, atropelam processos de discussão e protegem a classe política com a falta de transparência. Instrumentos constitucionais, porém, com um uso nada republicano.
O relator do projeto no senado, senador Rodrigo Cunha (Podemos-AL), tentou retirar o trecho da taxação das blusinhas do projeto Mover, mas a ação foi rapidamente revertida por líderes do senado que ameaçaram engavetar o projeto como um todo. Claro que negociações são necessárias para as articulações políticas, mas em que momento a população pode dizer que não se importaria com a taxação desses itens? Em que momento a população pode debater a alíquota sobre esse novo imposto? Em que momento as pessoas conseguiram se informar sobre a taxação e suas motivações?
No plenário da Câmara, um recorte virou meme: a cena do presidente da câmara, Arthur Lira, convocando os deputados inscritos a discursar favoravelmente ao projeto, não teve sequer uma presença. É mesmo disso que precisamos? Um dispositivo surpresa num projeto de lei em que deputados se recusam, se omitem a falar para não se indispor com a classe política ou com a classe média, que mais consome e portanto, que mais é impactada com uma tributação de itens antes isentos. Me parece que os princípios de democracia só funcionam quando todo mundo ganha. A tramitação deveria ter um destaque, debates e contrapontos que convergissem com os princípios de um estado democrático de direito mesmo que o resultado ainda fosse o mesmo.
Looby das empresas nacionais: o territorialismo capitalista
Lojas internacionais e compras feitas online se popularizaram nos últimos anos, principalmente durante o período da pandemia de Covid-19 que fechou estabelecimentos e ampliou os serviços de logística e transporte de bens. Durante a pandemia, o hábito das compras online se intensificou levando, segundo pesquisa realizada pela ConQuist Consultoria em novembro de 2021, 71% dos entrevistados a preferir fazer compras online. A pesquisa da IAB Brasil em parceria com a Offerwise, apontou em janeiro deste ano, que 85% dos brasileiros com acesso a internet já realizaram alguma compra online.
Restringir ainda mais o poder de compras das pessoas é limitar uma alternativa de consumo que se tornou cotidiano. A globalização sempre intensificou os fluxos financeiros e de mercadorias entre consumidores e empresas do mundo todo e por isso, medidas com menos sanções, tributação e restrições comerciais, favorecem a expansão da oferta de bens e serviços em um território ainda não explorado. Por outro lado, também há complicações relacionadas ao campo social como a centralização de empresas em locais com pouco ou nenhum direito trabalhista, falta de fiscalização e políticas que regulamentem a extração de recursos naturais de uma federação, entre outros fatores.
O ponto principal que abordo aqui, é como o empresariado brasileiro trabalha contra a estratégia e política econômica que os alavancou no setor nacional para evitar a competição de empresas internacionais do mesmo ramo.
Não adianta justificar a medida a partir da defesa do comércio local ou de microempreendedores, estes também produzem com insumos internacionais e comercializam bens importados. O consumidor paga o preço no fim das contas. Considerando que o propósito da taxa das blusinhas seja alcançado e que as pessoas passem a consumir mais de grandes lojas nacionais, quem nos garante que o preço de seus produtos seja proporcional a essa demanda? Como se certificar que a tributação de um é vantajosa para o outro? Ao meu ver, o consumidor se torna cada vez mais limitado, enquanto empresas brasileiras lutam para prejudicar competidores internacionais que ganham margem de mercado no cenário nacional. Não há vantagem para aquele que deseja presentear, revender, atualizar o guarda-roupa, os eletrodomésticos ou a mobília de casa.
Em suma, podemos considerar que essa medida pode ajudar na arrecadação do Governo Federal dentro de metas de déficit zero, nível de inflação e ritmo do corte de juros, porém, já é observado entre especialistas em contas públicas que as políticas de arrecadação estão saturadas exigindo que, na ausência de um teto de gastos, o governo possa começar a cortar gastos que não necessariamente impactam os mais pobres, mas sim, a elite da máquina pública.
Quanto à defesa da indústria nacional, não se sabe até que ponto é saudável para o país manter políticas deste nível, visto que a expansão de nossas empresas também podem ser limitadas em países que não possuem acordos bilaterais de incentivo ao livre comércio ou que não façam parte do mesmo bloco econômico. A sustentabilidade financeira dessa medida pode ser insuficiente a longo prazo. Este cenário não vai mudar enquanto não exigirmos o mínimo, o debate, a transparência e a honra da classe política para com a sociedade que a elegeu.
(*) Estudante de jornalismo da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL)