Por Eduardo Ritter/Superávit Caseiro
O ano de 1999 começava estranho. Após uma temporada cheia de lesões em 1998, o ala fixo do juvenil do Clube Brilhante, de Pelotas, sonhava que naquele ano ele arrebentaria no Campeonato Estadual da categoria, igual já havia feito tantas vezes desde que começara a jogar futsal quando ainda era criança. Em uma década defendendo a camisa do Brilhante, Rafael Nascimento já havia erguido diversos troféus e tudo indicava uma carreira promissora nas quadras, principalmente após a temporada de 1997, quando foi campeão do estado em uma temporada espetacular que contou com uma chuva de gols do goleador Rafael Almeida.
A impressão deixada naquela temporada por Rafael Nascimento, pelotense nascido no dia 5 de janeiro de 1980, foi tão positiva que naquela manhã ensolarada de 1999 ele recebeu um convite por telefone para se tornar jogador do time de futsal do Sercesa, de Carazinho-RS. Ao aceitar o convite, Rafael ouviu a seguinte promessa do dirigente:
– Te ligo de noite para dizer qual o ônibus você deve pegar e a hora que vai chegar aqui em Carazinho.
Ao desligar, Rafael não sabia muito bem o que pensar, pois ao mesmo tempo em que estava prestes a realizar o sonho de se tornar jogador de futsal profissional, ele começava a cursar o segundo ano de Educação Física na Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). Na tarde daquele mesmo dia, enquanto caminhava pelo centro a procura de um novo tênis de futsal para fazer a sua estreia em Carazinho, ainda ponderando sobre aquela guinada que estava prestes a dar, Rafael encontrou Jorge Alberto Candiota Duarte da Silva, o Betinho, um grande amigo que trabalhava no Paulista, outro clube de futsal da cidade. Após se cumprimentarem, Betinho revelou:
– Eu vinha pensando justamente em falar contigo! Você não quer ir trabalhar lá com a gente, nas categorias de base do Paulista?
Rafael balançou de novo. Em um dia recebia duas excelentes propostas. No entanto, uma das coisas que tinha aprendido até os seus 19 anos de vida, especialmente com o pai Sérgio Luiz dos Santos Nascimento e com a mãe Beatriz Helena Ribeiro Nascimento, era manter a palavra, custe o que custar. Diante de tal situação, depois de comentar sobre o acerto que havia feito mais cedo, ele informou ao amigo:
– Os caras ficaram de me ligar hoje de noite. Se eles não me ligarem, fecho contigo! – disse Rafael, certo de que os eu telefone iria tocar até o fim do dia.
– Combinado!
Após a despedida, Rafael Nascimento voltou para casa, que ficava na Rua Uruguaiana, no Laranjal, com um tênis novinho em folha, sonhando com a sua estreia como jogador de futsal pelo Sercesa. Contudo, o tempo passou e nada do telefone tocar. Deitado na cama, depois das 22h ele começou a perder as esperanças, sentindo-se um tanto frustrado, pois aquele foi o sonho que ele manteve durante todos aqueles anos e que o acompanhou durante todo o Ensino Fundamental e Médio, cursado no Colégio Gonzaga.
Mas, se o diretor do clube de Carazinho não cumpriu com a sua promessa, Rafael não faria o mesmo com o amigo Betinho. Assim, às 8h30 da manhã do dia seguinte ele liga para o parceiro de longa data.
– Fala Fufo! – disse Betinho ao atender o telefone, referindo-se ao apelido de infância do amigo.
– Os caras não me ligaram. Estou ligando para fechar contigo. Estou dentro!
Betinho ficou feliz com a notícia, pois teria um grande amigo trabalhando ao seu lado. Já deletando a ideia de ser jogador da cabeça, ao meio dia, Rafael recebe outra ligação. Do outro lado da linha está o diretor do Sercesa:
– É o seguinte: teu ônibus vai sair aí de Pelotas as…
– Calma aí. Eu não vou mais, não.
– Como assim?
– Olha, você me prometeu ligar ontem e não ligou. Por outro lado, surgiu um convite para atuar na comissão técnica de um time daqui e eu dei a minha palavra que aceitaria se vocês não me ligassem. Vocês não me ligaram e agora eu vou cumprir a minha palavra com eles. Encerra aqui a minha carreira de jogador de futsal – anunciou Rafael.
O trato foi cumprido e, assim, o estudante de Educação Física da UFPEL, filho de pai dentista, professor universitário e ex-integrante do conjunto musical Santos; filho de mãe com descendência alemã e portuguesa; o filho do meio, irmão de André Ribeiro Nascimento (29/04/1978) e de Marcus Ribeiro Nascimento (22/02/1981); tornou-se técnico da categoria de bases do clube de futsal Paulista.
Ao mesmo tempo em que soava o apito final para a carreira de jogador profissional de Rafel Nascimento, era dado o pontapé inicial na sua carreira de gestor, mesmo que inicialmente os seus comandados fossem garotos que corriam desengonçadamente atrás de uma pequena e pesada bola de couro.
Uma escolha para cada universo de possibilidades
Caso Rafael Nascimento estivesse vivendo a mesma realidade de multiverso da personagem Evelyn do filme “Tudo em todo lugar ao mesmo tempo”, vencedor de melhor filme do Oscar 2023, certamente em algum outro universo de alguma realidade paralela, haveria um Rafael que se tornou jogador de futsal profissional. E, certamente, esse Rafael jogador, oriundo de outro universo cosmológico alternativo, ficaria surpreso ao ver o que aconteceu com o personagem que nós, autor e leitores deste perfil, vamos conhecer nas próximas linhas.
A atuação de Rafael no Paulista coincidiu com a sua trajetória no curso de Educação Física da UFPEL, bem como em ambas as atividades ele logo se destacou. Enquanto ele via a escolinha do Paulista crescer, chegando aos 400 atletas, na universidade ele sabia o que queria. Tanto é que Rafael Nascimento surpreendeu o professor Renato Rochefort, quando ainda no primeiro semestre ele perguntou ao docente:
– Professor, o que eu preciso fazer para terminar a faculdade, fazer mestrado e doutorado e me tornar um professor universitário?
Assustado com a pergunta do novato, o docente se limitou a dizer para que Rafael estudasse muito, não faltasse as aulas e se candidatasse a entrar no Programa Especial de Treinamento (PET) da faculdade de Educação Física. Inspirado pela trajetória do pai, professor universitário, e do irmão, que concluía o curso de Medicina, ele estudou muito durante todo o curso, tornando-se bolsista do PET e orador da turma. “Era uma turma muito legal, que gostava de festa, mas que também fazia o que tinha que ser feito”, recorda-se, lembrando que daquele grupo sairia o árbitro de futebol Jean Pyerre Gonçalves, que pertence ao quadro de arbitragem da Confederação Brasileira de Futebol (CBF).
Após três anos e meio trabalhando no Paulista, em maio de 2002, Rafael Nascimento se forma em Educação Física, decidido a dar sequência ao seu plano acadêmico. Mesmo ganhando bem no Paulista, ele busca sair da zona de conforto e começa a pesquisar cursos de mestrado e doutorado fora do país, preferencialmente em Portugal e Espanha. Foi assim que, pesquisando na internet, sem comunicar a ninguém da família, ele se inscreveu na seleção do curso de Mestrado em Ciências do Desporto da Universidade do Porto, uma tradicional instituição pública com forte concorrência. Recém formado, em julho de 2002 ele recebe o comunicado de que havia sido aprovado e que teria que se apresentar em agosto do mesmo ano. Foi assim que, de repente, Rafael chegou para os pais e irmãos e disse:
– Pessoal, passei em uma seleção de mestrado e estou indo para Portugal!
Todos tomaram um susto, pois sequer faziam ideia de que Rafael estava fazendo a seleção. Assim, rapidamente ele começou a buscar mais informações e a procurar pessoas que lhe ajudassem nessa nova empreitada, que foi viabilizada graças a algumas economias que havia feito, pois ele queria fazer tudo com as próprias pernas, mesmo que os pais se disponibilizassem a ajuda-lo. Desta forma, Rafael viaja para Portugal, onde foi recebido no dia 13 de agosto de 2002 pelo amigo e músico Giovani Goulart, que havia trabalhado com o pai nos tempos de conjunto musical em Pelotas. Ao chegar ao país europeu, Rafael sentia que nunca mais seria o mesmo. “Sair do país e dar esse passo de ir para um lugar totalmente desconhecido, sem conhecer nada e onde ninguém te conhece, faz com que você perca as referências. Por isso que eu digo que nesse momento eu estava simbolicamente rasgando a minha identidade, reconstruindo quem eu era. Para alguns pode ser uma oportunidade, mas para mim era um recomeço: prova de novo do que tu és capaz”, comenta.
Além de Gioavani Goulart, outro nome importante na chegada foi Antônio Armino Nunes. Com economias suficientes para passar os primeiros meses, acompanhado então de uma namorada, após ficar algum tempo na casa de Giovani, Rafael se muda para uma espécie de subsolo da residência de Antônio Nunes, que morava no município de Braga, que fica cerca de 55 quilômetros da cidade do Porto. “Era um porão com três cômodos, um banheiro e uma peça vazia, que eu usava como cozinha”, descreve Rafael, lembrando que o anfitrião fez um aluguel muito barato ao brasileiro, que àquela altura residia com a namorada. Após mobiliar o “buraco”, como ele apelidou o lugar, com móveis que eram abandonados pelos portugueses na rua, aos poucos o dinheiro foi acabando e, com ele, o amor da antiga namorada. Assim, em pouco tempo Rafael se via morando em um país estranho, sofrendo para entender o que os professores portugueses diziam devido ao forte sotaque local, sem dinheiro e sem namorada em meio ao inverno rigoroso do final de 2002 e início de 2003. Esse seria um dos momentos mais difíceis de sua trajetória, mas também um dos mais importantes, porque foi nessa situação que Rafael foi além dos limites que até então nem ele imaginava que poderia suportar.
Nesse mesmo período Rafael começou a trabalhar em uma academia próxima à cidade do Porto, que acabou permitindo que ele seguisse com seu sonho, tendo o mínimo necessário para poder seguir em frente. E qual era o seu sonho? Concluir o mestrado? Ele não tinha tanta certeza disso, mas uma coisa era certa: após cada passo dado, ele sempre queria mais.
Foi assim que Rafael Nascimento encarou como uma excelente oportunidade o convite para fazer uma seleção no Holmes Place, uma cadeia multinacional de clubes de fitness e bem estar fundada em 1980 pela dupla de empreendedores Rudi e Liselotte Mayer, em Londres, na Inglaterra, e que atua em boa parte da Europa, inclusive em Portugal. No entanto, havia um detalhe: após ser selecionado, Rafael teria pela frente sete meses de estágio sem remuneração, sendo preparado para ser personal trainer do grupo. Nesse momento, a não ser pelo fato de ainda não ser pai, Rafael se sentiu na pele de Chris Gardner, o investidor que inspirou o filme “Em busca da felicidade” (2006), interpretado por Will Smith, e que igualmente ficou meses fazendo estágio sem ter dinheiro sequer para o aluguel. Enquanto isso, diferentemente do que acontecia no Brasil, as notas no mestrado eram apenas o suficiente para passar. “Foi horrível, mas foi o melhor que consegui naquele contexto com muito conteúdo e trabalhando o dia todo”, recorda.
Quando terminou o estágio, mais uma vez Rafael se encontrou diante de uma encruzilhada: investir no trabalho na multinacional ou partir para o segundo ano no mestrado para fazer a dissertação? A essa altura, ele já havia terminado as disciplinas, o que equivalia a uma especialização. Contudo, a vontade de querer mais falou mais alto outra vez. “Sabe quando tem um cara com fome e colocam um prato cheio de comida saborosa na frente dele? Pois é, ele devora. E foi o que eu fiz”, salienta. A partir do momento em que interrompeu o mestrado para, quem sabe, voltar algum dia, a dedicação ao trabalho de personal foi intensa. “Quem pode trabalhar no final de semana?”, perguntavam. “Eu!”, respondia Rafael de bate pronto. “Hoje não posso trabalhar, quem pode me substituir? Eu! Falta alguém para cobrir o turno da noite, quem pode? Eu! O colega ficou doente, quem vai no lugar dele? Eu! Quem pode trabalhar no domingo? Eu! No feriado? Eu também!”, sempre respondia Rafael.
A vontade era tanta que quando conheceu um aluno que era médico e que fazia cirurgias de joelho e coluna, Rafael pediu para acompanha-lo no hospital para aprender mais sobre recuperação de problemas nessas partes do corpo. Depois de dias na sala de cirurgia acompanhando tudo ele se tornou uma referência sempre que chegava algum sócio que demandava atenção em joelho ou coluna. Em menos de seis meses, Nascimento tinha o maior número de clientes dentro do grupo. Também foi nessa época que ele conheceu e começou a namorar Cristina Tavares da Silva, natural da Venezuela, filha de pais portugueses e que na época trabalhava em uma loja em um shopping.
Ao se apresentar para o seu personal trainer, ela tomou uma dura por chegar cinco minutos atrasada. Mas, no final das contas, logo Rafael e Cristina, que se conheceram em abril, começaram a namorar e já estavam casados agosto de 2004. Mas foi no início de namoro que Cristina, que futuramente também trabalharia no Homes Place, acompanhou um novo salto na carreira de Rafael.
De personal trainer a gestor: trocando a academia pelo escritório
Rafael Nascimento fazia um ótimo trabalho como personal trainer no Homes Place português quando surgiu uma vaga dentro da própria empresa para gym manager, uma função para trabalhar na gerência das academias. A vaga era para o bairro de Boa Vista, no Porto, e Rafael sabia que havia um colega que já estava sendo treinado para ocupar o cargo. Incentivado por Cristina, ele se inscreveu na disputa pela vaga. Como nas quadras, o pelotense se sentiu como um time pequeno que vai enfrentar um gigante, pois o concorrente sabia todos os caminhos para ficar com a vaga. Chegando para a entrevista, Rafael tem o seguinte diálogo com o diretor do clube:
– Você sabe o que faz um gym manager?
– Na verdade, não.
– Então por que se candidatou?
– Porque eu quero aprender, crescer e quero mais.
– E você sabe quanto ganha um gym manager?
– Não, mas o salario o não é o mais importante e não é por isso que estou me candidatando. Estou me candidatando para aprender e crescer.
A entrevista seguiu neste tom, até Rafael sair e o concorrente entrar na sala. Após as apresentações iniciais, o outro candidato perguntou ao diretor:
– Qual é o salário?
– Desculpa, mas acho que não entendi – disse o diretor, surpreendido.
– Qual é o salário? Pois dependendo de quanto for, eu não vou pegar esta vaga, pois tenho outras boas propostas…
O diretor encerrou a entrevista e, assim, Rafael foi selecionado para ser o gym manager. Mais tarde, ele ficaria sabendo através do diretor Pedro Vieira, que se tornou seu amigo, o que acontecera naquela seleção. Ainda sem trocar a academia pelo escritório, Rafael Nascimento e uma equipe de cerca de 120 pessoas elaboraram um projeto com o objetivo de transformar Homes Place de Boa Vista, que estava prestes a abrir, no melhor da Europa. Exatamente dentro do prazo programado, a equipe de Rafael estava batendo todos os recordes de resultados no continente europeu.
Com o destaque da equipe, logo Rafael foi convidado para ser manger adviser em Portugal e Espanha, prestando trabalho de consultoria, participando da criação do Holmes Place Academy, um grande clube de fitness que existe até hoje. Seis meses depois, em meados de 2005, o gerente regional Paulo Suares, que coordenava o Holmes Place em Portugal, viajou de Lisboa até o Porto para convidar Rafael para ser um novo Club Manager, integrando a diretoria executiva. “Posso não estar preparado, mas se me disserem o que é para fazer, podem ter certeza que eu faço”, foi a resposta do pelotense ao aceitar o convite. Foi nesse momento que Rafael Nascimento deixava as academias para trabalhar com gestão executiva em um escritório, usando terno e gravata, fazendo desde venda e serviços ao cliente até a administração de receitas, despesas, análise de resultados, dentre outras funções administrativas. “Essa foi a minha faculdade de gestão na prática e foi uma baita escola”, avalia.
Ocupando o novo cargo, outro momento marcante aconteceu em 2006 quando Cris Carvalho, referência no ramo de coaching em um tempo em que ainda não se falava tanto nessa profissão, prestou um serviço de assessoria para Rafael que foi importante para ele entender melhor como ele lidava com todos os processos da sua vida e trabalhasse a estratégia do “como” chegar aos objetivos propostos. Em seguida, Rafael tmbém fez a formação para ser coaching, bem como outros cursos de qualificação promovidos pela Holmes Place em Londres.
No entanto, outras mudanças importantes estavam por vir. A primeira delas chegou logo no início de 2007, quando no dia 7 de janeiro nasceu a pequena Rafaela. Com o bebê pequeno, Cristina deixou a Holmes Place e abriu uma primeira imobiliária, no distrito de Valongo, com o objetivo de aprender mais como funcionava esse ramo. “Ela ia com a Rafaela na cadeirinha, fechando para dar mama, trocar fralda, etc, numa correria, mas deu certo porque a Cristina sempre foi guerreira”, comenta.
No ano seguinte, percebendo que estava entrando mais uma vez em uma zona de conforto e acompanhando os negócios no ramo imobiliário da esposa, Rafael decide deixar o grupo Holmes Place para abrir uma segunda imobiliária, ambas pertencentes ao grupo americano Era. Assim, em agosto de 2008 Rafael e Cristina abrem a segunda unidade em Maia, porém, em outubro acontece a crise global do subprime, iniciada nos Estados Unidos devido ao colapso do mercado imobiliário e a crise de empréstimos imobiliários de alto risco. Logo, Rafael percebia que entrava no mercado imobiliário com os dois pés, mas o chão estava como uma areia movediça. “A gente ficou cinco meses sem fazer nenhuma venda, cinco meses com o mercado completamente parado”, recorda-se. Assim, o casal iniciou o ano de 2009 com uma situação financeira caótica, com custos fixos na casa dos 25 mil Euros, vendo todas as economias sendo queimadas como se fosse palha. A solução foi colocar a loja de Valongo para venda. Em pouco tempo apareceu dois investidores que deram um sinal considerável pela unidade, que foi o suficiente para pagar as contas e manter as atividades.
Mesmo com dificuldades, Rafael Nascimento decidiu participar do National Achievers Congress daquele ano, um importante evento que envolve empreendedores e que é realizado em Londres. Após assistir às falas de diversos nomes consagrados do ramo empresarial, ele volta para Portugal mais motivado. Concomitantemente, o escritório da Era ligou para ele informando que os dois investidores que haviam dado apenas o sinal de entrada na compra da unidade de Valongo haviam sumido, deixando a imobiliária abandonada. Eles pediam para Rafael voltar para reassumir a imobiliária e o convite foi aceito. Assim, após uma enorme tempestade, Rafael e Cristina conseguem fechar o ano com saldo positivo e com a família maior, pois no dia 9 de setembro de 2009 nascia Daniela, o segundo bebê do casal.
E aí, seu Costa, vamos ao Brasil?
Após a relativa recuperação da economia global, os anos 2010 e 2011 foram muito bons para as duas imobiliárias de Rafael e Cristina, obtendo lucros consideráveis. Mas, a alegria maior para o casal nesse período foi o nascimento do terceiro filho, Mateus, no dia primeiro de janeiro de 2011. Rafael Nascimento explica que o foco principal dos dois empreendimentos era a compra e venda de imóveis, com poucas locações. Com o tempo, eles também passaram a comprar imóveis em leilões, reformando e revendendo no mercado. “A essa altura já havíamos adquirido uma sensibilidade muito grande em relação ao preço”, observa Rafael.
Porém, assim como diz o chavão do mundo futebolístico, a vida do mundo real também é uma caixinha de surpresas e, como gosta de destacar Rafael, nunca somos um produto acabado, pois estamos sempre em desenvolvimento e em transformação. Foi através das imobiliárias que o pelotense conheceria uma pessoa que mudaria a sua trajetória no ramo empreendedor: Joaquim Costa, promotor imobiliário que construía imóveis em Valongo e em Maia, dois mercados onde Rafael atuava. Já no primeiro encontro entre os dois, seu Costa, que tinha um estilo enfático e instintivo de falar, perguntou se o brasileiro conhecia as suas obras. Diante da resposta negativa, ele respondeu, com forte sotaque português: “Então anda te comigo que vou te mostrar as minhas obras!”. Chegando lá, vendo tudo o que era feito pela construtora, Rafael sentenciou:
– Seu Costa, vou te dizer uma coisa. Se o senhor fizesse no Brasil, isso que o senhor está fazendo aqui, o senhor estaria ganhando muito dinheiro.
– Ah, mas meu sócios não vão querer, ora pois, eles já tem uma certa idade e não vão querer ir para o Brasil – retrucou seu Costa.
– Está bem, mas eu continuo dizendo que o que o senhor faz aqui, se fizesse no Brasil, daria muito dinheiro, porque lá as construções ainda não estão preparadas para esse nível que o senhor entrega aqui.
Cerca de um mês depois desse primeiro diálogo, seu Costa convidou Rafael para conhecer um prédio que estava fazendo em Maia, na região metropolitana do Porto. Ao ver as construções, Rafael repetiu que seu Costa estava perdendo dinheiro ao não ir para o Brasil
– E ai, seu Costa, vamos ao Brasil?.
– Tu já me disseste isso, Rafael.
– Eu sei e vou repetir: se você fizesse esse tipo de obra lá no Brasil, iria ganhar muito dinheiro.
– Mas meus sócios não querem, eles já têm certa idade e…
– Eu sei que seus sócios não querem, mas estou falando do produto, não dos seus sócios – interrompeu Rafael.
O tempo passou e depois de alguns meses estava marcado um terceiro encontro entre seu Costa e Rafael, no entanto, dessa vez era em uma situação não muito agradável: eles iriam se reunir para discutir uma comissão em que havia dúvida sobre se o valor a ser recebido era para a imobiliária ou para a construtora. Antes do encontro, muito mais para quebrar o gelo do que por qualquer outro motivo, Rafael olha para o seu Costa e bate na mesa:
– Seu Costa! Eu vou lhe repetir o que já lhe disse nas outras vezes: o senhor está perdendo dinheiro! Se estivesse construindo no Brasil estaria ganhando muito mais dinheiro!
Pensativo, seu Costa coça o queixo e, após um silêncio misterioso, dispara:
– Rafael, pois vamos falar sobre isso! Vamos lá pra fora antes de ver essa questão das comissões e vamos falar sobre essa tua ideia de ir ao Brasil.
A resposta pegou Rafael de surpresa, que aceitou o convite de sair da sala de reunião para conversar com seu Costa em um café do outro lado da rua. Nesse encontro informal, ele comentou a situação da construção no Brasil, dizendo que no sul também fazia muito frio no inverno e forte calor no verão e que os prédios de lá não eram preparados para isso e que havia uma carência de qualidade nas construções brasileiras. Depois de ouvir, Costa pensou mais um pouco e respondeu:
– Vamos fazer o seguinte: eu vou convidar um pessoal para você conhecer e vamos falar mais sobre isso. Te ligo hoje ainda para combinar.
Ao contrário do diretor de Carazinho, seu Costa cumpriu com a palavra e ligou, agendando o encontro para o sábado seguinte, às 9h da manhã.
Nos poucos dias que teve até a reunião, Rafael devorou todas as informações possíveis para ter uma apresentação robusta para convencer os portugueses a investirem no Brasil e, mais especificamente, na sua cidade natal. A expectativa inicial de Rafael era que se os portugueses decidissem investir no Brasil ele ficaria com a parte das vendas. Assim, quando o pelotense terminou a exposição, seu Costa bateu na mesa e sentenciou:
– Pois vamos ao Brasil!
Calmamente, Rafael fechou seu laptop e ponderou:
– Olha, nós ainda não vamos ao Brasil porque eu quero entender, de fato, se essa viagem acontecer, como é que eu vou participar disso. Eu tenho que entender como é que vai ser – questionou, esperando receber uma proposta para estar no comando das vendas do grupo que estava se formando. No entanto, seu Costa foi direto ao ponto:
– Funciona assim comigo: o que tu colocar em dinheiro é tua participação. Se o investimento for, por exemplo, de 1 milhão e de Euros e colocar 10 mil tem 1%, se colocar 100 mil tem 10%.
Surpreendido com a resposta, Rafael acabou tendo uma ousadia inesperada e projetou a seguinte logística ao grupo de portugueses:
– Entendi, seu Costa. Quer dizer então que, numa situação dessas, se eu colocar 500 mil eu fico com 50% e vocês ficam com o resto. É isso?
– Não! Isso não! Nem pensar! – retrucou seu Costa, saltando da cadeira.
– Ué, mas não foi isso que o senhor disse?
– Não! É no máximo 33% para cada um.
– Então se essa lógica serve para vocês, também serve para mim: no máximo 33% – salientou Rafael, colocando essa situação como uma possibilidade hipotética, distante da realidade. Porém, a resposta de seu Costa mudou tudo:
– É isso mesmo. Está fechado!
Assim, Rafael Nascimento saiu da reunião com uma cota de um terço do investimento que seria feito no Brasil, mas se questionando de onde tiraria o dinheiro para fazer tal aporte. Ao chegar em casa, ele disse para a esposa:
– Amor, tenho uma notícia boa e uma ruim! Qual quer ouvir primeiro?
– A boa… – respondeu Cristina.
– A boa é que fechamos o negócio e eu vou ter 33% do investimento.
– Que bom! E qual é a parte ruim?
– A ruim é que precisamos levantar o dinheiro referente aos 33% e temos pouco tempo para isso.
Mais uma vez Cristina incentivou o marido e, como diz o ditado popular, “o universo conspira a favor de quem trabalha”. Agora chegava a hora dos ventos soprarem a favor e tudo deu certo para Rafael, pois grandes negócios começaram a surgir nas imobiliárias. Destarte, rapidamente ele conseguiu o dinheiro para fazer o investimento inicial e mudar mais uma vez de ramo, desta vez, partindo para a construção em um retorno às origens.
Após gestação na Europa, empresa Porto 5 nasce em solo brasileiro
Com a definição da constituição do novo empreendimento, o grupo liderado por Rafael Nascimento e seu Costa desembarca no Rio Grande do Sul em fevereiro de 2012 para definir por onde começar. As duas principais candidatas eram as cidades de Porto Alegre e Pelotas. A Princesa do Sul acabou levando a melhor, pois além de ser a cidade natal que muito deu a Rafael Nascimento, seu principal idealizador, o município se mostrou receptivo aos investidores. Na ocasião, o então prefeito Fetter Júnior recebeu o grupo e reforçou que a cidade precisava de um investimento como o que estava sendo proposto.
Definido o lugar para começar, após dez dias de trabalho, que incluiu final de semana, o grupo já tinha o primeiro projeto. Assim, no dia 12 de junho iniciava a primeira obra da nova empresa que, por sugestão do seu Costa, passou a se chamar Porto 5 em uma referência aos cinco sócios que detinham as três partes do negócio: Joaquim Costa e o filho Emanuel Costa; Beto Pinto e o irmão Antônio Fernando Pinto; e Rafael Nascimento. Após algumas reformulações com o passar dos anos, a sociedade hoje em dia conta com Rafael Nascimento, Adão Costa e Fernando Pinto.
Inicialmente, Rafael imaginava que conseguiria fazer uma gestão à distância, seguindo em Portugal com a família, mas logo ele percebeu que era inviável devido ao sucesso do novo empreendimento e às demandas que exigiam a sua presença física em Pelotas. Além disso, ele logo se deu conta que não seria possível seguir com as duas imobiliárias em Portugal e, assim, ele passou adiante as duas unidades que mantinha no Porto. Com os três filhos pequenos, ele e a esposa decidem vir para o Brasil no início de 2013 para permanecer até o momento em que a empresa tivesse pernas suficientes para andar sem a necessidade da presença física de seus diretores. Esse período durou exatamente cinco anos e sete meses, findando em 2018, quando todos retornaram para Portugal e, finalmente, Rafael conseguiu começar a gerir o empreendimento à distância, passando alguns meses no Brasil e o restante em Portugal. “Com esse modelo, quando chegou a pandemia, nós já estávamos pronto, pois já fazíamos o trabalho à distância, com webconfêrencias e tudo o mais, desde 2018”, revela.
Rafael Nascimento recorda que ao chegar aqui, a cada passo dado, ele não sabia o que viria pela frente. E, assim, os projetos e obras foram sendo lançados, com a primeira iniciando em 2012, a segunda em 2013, mais duas em 2014 e assim por diante, sempre em uma crescente. Foi a partir de 2015 que o grupo de sócios percebeu que era necessária a formação de uma corporação, pois até então as obras sempre se caracterizavam por projetos artesanais, que eram mais demorados e que sempre necessitavam de alguma novidade. Assim, a Porto 5 passou a industrializar o processo da construção, trocando um foco artístico por um industrial. Tal objetivo foi alcançado quando eles encontraram uma empresa fora do Brasil para desenvolver esses sistemas. Para executar isso, o atual administrador, Rafael Rodrigues, foi fundamental e, a partir de então, como destaca Rafael fazendo uma analogia à sua antiga paixão, o futebol, a Porto 5 passou a disputar outro campeonato. “Nós saímos de oito funcionários diretos em 2015 para mais de 600 hoje, além de termos uma governança coorporativa, CEO, controladoria, toda a parte administrativa, setor de projetos, linhas e famílias de produtos que fogem do tradicional modelo artesanal, não industrializado. Com isso oferecemos rapidez, qualidade e preço justo”, explica, comparando a Porto 5 a uma máquina muito difícil de ser alcançada pela concorrência.
Após essa longa trajetória, Rafael conta com conhecimento e experiência para dirigir a Porto 5 que em 2023 já contabiliza 36 empreendimentos e 9.928 unidades habitacionais realizados em um prazo de onze anos. Para este ano, ele informa que estão sendo desenvolvidos oito empreendimentos com mais de 3.400 unidades, expandindo também a atuação da Porto 5 para outros municípios, como Rio Grande, Canela, Porto Alegre e litoral de Santa Catarina.
Diante de uma vida cheia de mudanças e de uma fome insaciável para sempre buscar mais, apesar do sucesso, Rafael Nascimento diz que não sabe o que vai estar fazendo, por exemplo, daqui a dez anos. Independentemente disso, uma certeza: ao voltar para Pelotas, ele não apenas recuperou a sua identidade que havia sido rasgada ao chegar em Portugal e, junto com ela, trouxe um grande empreendimento que traz um impacto econômico e social em toda a região Sul, com a geração de empregos e a expansão física dos municípios, fazendo com que outros empreendimentos também despontem nas obras feitas no canteiro do menino que sonhava em ser jogador de futebol mas que se tornou craque na arte da gestão, do investimento e da construção civil.