Como apontou reportagem do Superávit Caseiro da última semana, a guerra na Ucrânia está trazendo reflexos sobre a economia mundial. Para aprofundar mais o assunto, o Superávit Caseiro ouviu o coordenador do Curso Superior de Tecnologias em Processos Gerenciais da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), professor Dr. Alisson Eduardo Maehler. O docente tem mestrado em Administração pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e doutorado na mesma área pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Ele também é líder do Núcleo de Estudos em Estratégia, Conhecimento e Inovação (NEECI/CNPq). Na entrevista, o professor aborda as relações entre a guerra e a economia nos cenários macro e micro.
SUPERÁVIT – Vivemos um contexto em que a inflação está subindo em ritmo acelerado e com perspectivas um tanto quanto negativas diante do cenário da guerra da Ucrânia. Inicialmente, como se explica esse impacto da guerra na Ucrânia na nossa inflação?
Alisson Eduardo Maehler – Inicialmente cumpre ressaltar que com a economia globalizada, os mercados são interdependentes. O que acontece lá fora em outros países afeta o nosso, em maior ou menor grau. No caso da inflação, temos dois elementos: a questão dos fertilizantes, porque a Rússia e Balarus estão entre os maiores produtores do mundo e exportam bastante ao Brasil. Com menos oferta e instabilidade, vai encarecer a matéria prima para os nossos agricultores e consequentemente, os preços aos consumidores finais; outro ponto são os combustíveis, uma vez que a Rússia é grande produtor mundial e a instabilidade gerada na região afeta a cotação internacional, pois é uma commoditie e isso afeta o preço aqui no Brasil. E combustível afeta toda a cadeia, pois aumenta o frete, o transporte de passageiros etc. Então sentiremos os efeitos por ainda um bom tempo, resta saber quão grande será esse efeito.
SUPERÁVIT – Você trabalha com inovação e gestão de cadeia de suprimentos. Como a guerra afeta a área de compra das empresas aqui no Brasil e, mais especificamente, em Pelotas?
Alisson Eduardo Maehler – Acaba impactando sim, pois como eu disse, os países e as economias estão conectados. Afeta as empresas aqui em termos de maiores gastos com combustíveis, frete, preço de alimentos, em especial a farinha (Rússia e Ucrânia estão entre os maiores produtores mundiais), e por conseguinte o pão, bolos etc. O dólar fica mais valorizado porque na instabilidade as empresas e as pessoas físicas compram dólar, e com maior procura há maior a cotação. Temos empresas de fertilizantes aqui perto, em Rio Grande, que importam muita matéria prima desses países em guerra, então já tem impacto em suas cadeias. Então muitas empresas, e mesmo os países, se deram conta que dependem muito de poucos fornecedores e isso é muito arriscado. O caso da pandemia de Covid-19 foi um exemplo. Importamos muita coisa da China, desde luvas, máscara, respiradores… Precisamos produzir mais internamente no Brasil.
SUPERÁVIT – Qual é o cenário dessa área hoje, aqui em Pelotas?
Alisson Eduardo Maehler – Pelotas não tem uma base industrial tão forte e exporta mais produtos básicos, como arroz e outros alimentos. O impacto, penso, será maior no custo da farinha e dos combustíveis, na cotação do dólar. Vai depender se a guerra irá durar mais tempo e se envolverá mais países.
SUPERÁVIT – Sobre inovação, como as empresas estão fazendo para se adaptar a essa nova realidade que tem como pano de fundo a guerra e a pandemia?
Alisson Eduardo Maehler – Muitas empresas passaram a vender mais forte de forma online, como pelo whats app, usando redes sociais para divulgar os produtos, fazendo um site mais chamativo e adotando uma plataforma de e-commerce. Na verdade, se observa uma tendência de comércio híbrido, com parte das vendas em local físico e parte online. Acredito que as vendas online vieram para ficar e muitos empresários, em especial os pequenos, precisam apostar nisso. O consumidor cada vez mais escolhe o que comprar, como comprar e onde comprar. Então as competências e as tecnologias digitais precisam ser melhoradas, há ainda muito espaço para crescer. É preciso atender bem o consumidor que quer comprar pelo whatsaap ou pelo Facebook, por exemplo, em especial a geração mais jovem. Também buscar novos fornecedores de diferentes países.
SUPERÁVIT – Quais seriam os prováveis cenários diante de um controle maior sobre a pandemia e um acordo na Ucrânia? E no caso contrário: se surgirem novas variantes agressivas e voltássemos à situação de lockdown e se a guerra se estender mais e se tornar ainda mais cruel, com mais sanções para a Rússia?
Alisson Eduardo Maehler
A pandemia tende a melhorar, até porque o povo decretou o fim informal da pandemia. Como o Brasil tem tradição de vacinação e uma alta taxa de vacinados, em minha opinião que não sou da área da saúde, é que o pior já passou e vamos ter uma retomada lenta e gradual da economia e dos negócios. Não acredito que teremos novos fechamentos de comércio, até porque lockdowns, como na Europa ou na China, nunca tivemos. A questão da guerra é imprevisível, pois uma guerra se sabe como começa e nunca como termina. Ainda é cedo para dizer alguma coisa. Mas mesmo que acabasse logo, os efeitos ainda irão perdurar, pois atacaram as cadeias de suprimentos, as exportações e há muitas sanções contra a Rússia. Por outro lado, a guerra abriu a necessidade de termos mais produção nacional, como de fertilizantes, combustíveis e até itens de defesa, e depender menos de importações de outros países. Precisamos ter uma política industrial consistente, de longo prazo e incentivar uma base industrial nacional, reduzindo custos como tributários, logísticos e de produção. Isso geraria mais empregos (e bem remunerados) e receita interna. Mas isso é algo para médio e longo prazo.
SUPERÁVIT – O que podemos aprender com todo esse cenário?
Alisson Eduardo Maehler – As crises sempre são ruins e tem custo em vidas e econômicas enormes, que lamento muito. Por outro lado, nos apontam caminhos, soluções e necessidades, como incentivar a produção nacional de diversos itens, em especial de médio e alto valor agregado, como vacinas, equipamentos hospitalares, fármacos, fertilizantes… há elementos que alguns países como os Estados unidos já estão considerando de segurança ou interesse nacional, como chips de computador, muito importados da Ásia. A própria Europa, em especial a Alemanha, irá rever a importação de gás e petróleo de países como a Rússia e vai aumentar muito os investimentos em defesa, que por muitos anos foram reduzidos. Será que vacinas não deveriam ser consideradas de interesse nacional, e termos uma base forte local de produção? Ou chips de computador, fertilizantes para segurança alimentar? O Estado, junto com pequenas, médias e grandes empresas, precisa pensar uma política industrial séria, de longo prazo. Hoje grande parte do nosso gás natural é importado da Bolívia, por exemplo. E se esse país ameaçar parar de exportar para nós, ou dobrar o preço? Além disso, precisou uma crise para o governo federal criar uma estratégia nacional de produção de fertilizantes. Por que só agora, que o problema já está acontecendo? Precisamos pensar e planejar mais as políticas e os negócios no longo prazo e considerar diversas variáveis.