A memória é algo que não é significada apenas com a imaginação — no sentido fictício, fantasioso, irreal — mas com a sua capacidade de ser remetida ou “fazer-se remeter” ao passado. A memória pode ser entendida como uma capacidade de (re)significação de coisas e de si mesmo/a. Ela é o espaço-tempo segundo o qual figuramos os limites de nossa existência. Quando queremos nos apropriar de nossa vida, nós a narramos. Com estas palavras, ao propormos um espaço institucional de memória do ativismo LGBTI, buscamos a socialização de narrativas memorísticas e o direito de contar suas ações de existência/resistência.
O direito à memória é sinônimo de garantia de existência, resistência e conquista da cidadania para os movimentos sociais implicados na defesa da democracia em nosso país, a exemplo do LGBTI. A proposição parte do entendimento de que é em torno também do lembrar-se, (re)conhecer-se e recriar-se que é promovida a melhoria da qualidade de vida da população e os laços de pertencimento. Acreditamos que estas possibilidades de construção e apropriação da memória por parte da população LGBTI são eixos de extrema relevância ao enfrentamento das situações de violência física, moral e psicológica advindas da LGBTfobia que ameaçam aquilo que concebemos enquanto cidadania e democracia. São nos termos descritos que justificamos a criação do Centro João Antônio Mascarenhas de Memória do Ativismo LGBTI.
Ao criarmos o Centro de Memória do Ativismo LGBTI homenageamos João Antônio de Sousa Mascarenhas. Gaúcho de Pelotas, João nasceu em 24 de outubro de 1927 e foi um dos mais importantes ativistas do movimento, até então, homossexual entre as décadas de 1970 e 80. Formado em Direito, ele radicou-se na cidade do Rio de Janeiro, onde viveu a maior parte de sua vida. Falecendo em 1998. Além de ser um dos fundadores do jornal O Lampião da Esquina (1978), João Antônio Mascarenhas colaborou com o antropólogo na despatologização da homossexualidade na decisão do Conselho Federal de Medicina (CFM) em 1985. Como advogado e ativista, participou do debate da elaboração da Constituição Federal de 1988, sendo o primeiro homossexual brasileiro a ser convidado para falar à Assembleia Nacional Constituinte. O convite foi motivado pela possível inclusão do termo “orientação sexual” no artigo 3º, Inciso IV, que estabelecia “o bem de todos, sem preconceitos contra quaisquer formas de discriminação”. No dia 28 de janeiro de 1988, no entanto, o termo acabou rejeitado pela maioria dos representantes da Constituinte. Dos 559 políticos que exerciam mandato no Congresso Nacional do Brasil, 429 (ou seja, mais de três quartos) se opuseram à proposta de inclusão. Mas, a trajetória de João Mascarenhas foi decisória para aquilo que se constituiu o Movimento LGBTI brasileiro.
O Centro de Memória João Antônio Mascarenhas tem como intensão ser um espaço de identificação, sistematização, guarda, análise e difusão da história oral do ativismo LGBTI brasileiro.