Memórias e Narrações do Ativismo LGBTI

O Centro de Memória João Antônio Mascarenhas, criado em 2018, originou-se em decorrência dos 40 anos dos Movimentos Sociais LGBTI brasileiro.

Em maio de 1978, na Universidade de São Paulo, ocorria a primeira reunião do “Somos – Grupo de Afirmação Homossexual”. De modo pioneiro, esse encontro marcou o início da articulação no Movimento Homossexual Brasileiro. É nesse ano que também foi publicado o primeiro exemplar do Jornal “Lampião da Esquina”, o periódico voltado ao público homossexual e produzido por homossexuais. Ele circulou em várias cidades brasileiras entre os anos de 1978 a 1981, mesmo sob o controle da ditadura hetero-civil-militar. É inegável que as trajetórias de mobilizações de LGBTI que deram origem ao movimento social tem ligação direta com a luta em prol da defesa da democracia, das liberdades políticas e da plenitude dos direitos sociais e sexuais.

Neste sentido, seria politicamente injusto e equivocado, do ponto de vista histórico e político, desconsiderar as diversas iniciativas de lutas e de resistência da comunidade que insiste em se criar e recriar continuamente nestes anos de re-existência. A cada ano, as identidades vão se reconstituindo e reconfigurando o movimento. O desejo de existência é maior que qualquer ato autoritário heterodesignativo. Desta maneira, é relevante que ressaltemos também a especificidade, amplamente debatida em diversos setores, dentro e fora do âmbito acadêmico, ativista e governamental, dos grupos considerados como movimentos sociais. Tais organizações possuem características peculiares e modos de mobilização que permitem o acesso a uma estrutura de atuação direcionada à incidência sobre a realidade social. O movimento homossexual tornou-se L-G-B-T-I, e suas transformações acompanharam e contribuíram para importantes mudanças na sociedade e na atuação do Estado brasileiro em defesa da democracia cidadã. 

Neste ensejo confirmava-se o propósito do Centro de Memória João Antônio Mascarenhas: permitir com que cada ativista tenha o direito e a oportunidade de ter suas narrativas, histórias e memórias de vida registrada e reconhecida como uma fonte de conhecimento e compreensão da/pela sociedade brasileira.

O Centro de Memória João Antônio Mascarenhas

A memória é algo que não é significada apenas com a imaginação — no sentido fictício, fantasioso, irreal — mas com a sua capacidade de ser remetida ou “fazer-se remeter” ao passado. A memória pode ser entendida como uma capacidade de (re)significação de coisas e de si mesmo/a. Ela é o espaço-tempo segundo o qual figuramos os limites de nossa existência. Quando queremos nos apropriar de nossa vida, nós a narramos. Com estas palavras, ao propormos um espaço institucional de memória do ativismo LGBTI, buscamos a socialização de narrativas memorísticas e o direito de contar suas ações de existência/resistência.

O direito à memória é sinônimo de garantia de existência, resistência e conquista da cidadania para os movimentos sociais implicados na defesa da democracia em nosso país, a exemplo do LGBTI. A proposição parte do entendimento de que é em torno também do lembrar-se, (re)conhecer-se e recriar-se que é promovida a melhoria da qualidade de vida da população e os laços de pertencimento. Acreditamos que estas possibilidades de construção e apropriação da memória por parte da população LGBTI são eixos de extrema relevância ao enfrentamento das situações de violência física, moral e psicológica advindas da LGBTfobia que ameaçam aquilo que concebemos enquanto cidadania e democracia. São nos termos descritos que justificamos a criação do Centro João Antônio Mascarenhas de Memória do Ativismo LGBTI.

Ao criarmos o Centro de Memória do Ativismo LGBTI homenageamos João Antônio de Sousa Mascarenhas. Gaúcho de Pelotas, João nasceu em 24 de outubro de 1927 e foi um dos mais importantes ativistas do movimento, até então, homossexual entre as décadas de 1970 e 80. Formado em Direito, ele radicou-se na cidade do Rio de Janeiro, onde viveu a maior parte de sua vida. Falecendo em 1998. Além de ser um dos fundadores do jornal O Lampião da Esquina (1978), João Antônio Mascarenhas colaborou com o antropólogo na despatologização da homossexualidade na decisão do Conselho Federal de Medicina (CFM) em 1985. Como advogado e ativista, participou do debate da elaboração da Constituição Federal de 1988, sendo o primeiro homossexual brasileiro a ser convidado para falar à Assembleia Nacional Constituinte. O convite foi motivado pela possível inclusão do termo “orientação sexual” no artigo 3º, Inciso IV, que estabelecia “o bem de todos, sem preconceitos contra quaisquer formas de discriminação”. No dia 28 de janeiro de 1988, no entanto, o termo acabou rejeitado pela maioria dos representantes da Constituinte. Dos 559 políticos que exerciam mandato no Congresso Nacional do Brasil, 429 (ou seja, mais de três quartos) se opuseram à proposta de inclusão. Mas, a trajetória de João Mascarenhas foi decisória para aquilo que se constituiu o Movimento LGBTI brasileiro.

O Centro de Memória João Antônio Mascarenhas tem como intensão ser um espaço de identificação, sistematização, guarda, análise e difusão da história oral do ativismo LGBTI brasileiro.