Estamos testemunhando uma transformação paradigmática nas interações entre humanos e não humanos maquínicos. As mediações tecnológicas e os recursos multimodais proporcionados por dispositivos digitais, pela conexão em rede, a internet das coisas e a digitalização da vida têm causado mudanças profundas nos processos cognitivos, comunicacionais e sensíveis. Essas mudanças levantam questões éticas e políticas importantes, especialmente considerando que as máquinas operam com base em algoritmos criados por humanos e que as bases de dados reproduzem padrões hegemônicos, o que nos leva a repensar tanto as potencialidades, quanto as limitações observadas nas interações entre humanos e máquinas, a partir de uma perspectiva crítica e sistêmica.
Embora as criaturas artificiais povoem o imaginário coletivo desde os primórdios das civilizações, a dependência de máquinas tenha se generalizado depois da II a Guerra Mundial, e a IA tenha surgido na metade do século passado, foi apenas no século XXI, e principalmente nos últimos anos, que as automações facilitadas pelo aprendizado de máquina se popularizaram. A onipresença quase invisível da tecnologia em atividades cotidianas levanta uma série de questões sobre as relações entre humanos e máquinas, muitas vezes borrando as fronteiras entre ficção científica e realidade. Na medida em que nos tornamos mais dependentes dessas tecnologias, é crucial examinar de perto como elas influenciam nossa compreensão do mundo, nossa capacidade de refletir, sentir e expressar emoções. Se as IA’s são alimentadas principalmente com dados e informações codificadas, qual o seu impacto na produção do conhecimento antropológico, já que esse conhecimento depende da experiência prática e de um conhecimento muitas vezes entendido como imponderável, tácito ou háptico? Quais os efeitos dos códigos algorítmicos previamente formatados na produção do conhecimento sensorial, nas percepções e sensibilidades emocionais? Até que ponto as Inteligências Artificiais (IA) serão capazes de interpretar e representar emoções, desenvolver consciência ou substituir a criatividade humana? Quais são os impactos da robótica na vida contemporânea? Como lidar com a obsolescência das “novas” tecnologias? Essas são questões cruciais que emergem em meio ao crescente papel das tecnologias e sistemas inteligentes no nosso cotidiano.
Ademais, nos interessa pensar as potencialidades das (con)fabulações tecnopoéticas em termos de uma antropologia multimodal envolvendo a colaboração entre humanos e máquinas inteligentes, ou entre Inteligências Humanas (IH) e Inteligências Artificiais (IA). Essas relações nos instigam a uma reflexão sobre a produção da vida, a partir das relações entre ciências, tecnologia, comunicação, poéticas e grafias.
Acreditamos que o Encontro Internacional “Máquinas, Corpos e Grafias: Mediações Antropológicas sobre IA, Tecnopoéticas e Sensorialidades” ofereça a ocasião para a busca de ressonâncias a estas e outras questões relacionadas às motivações e fabulações humanas em torno da produção e do consumo de tecnologias, com suas implicações diretas, seus desafios éticos, políticos, culturais e sensíveis.