
RUBENS, Peter Paul. The Death of Seneca [A Morte de Sêneca], entre 1612-1615. Óleo sobre tela. Alte Pinakothek, Munique, Alemanha. Disponível em: https://www.sammlung.pinakothek.de/en/artwork/wE4KXQExZ5. Acesso em: 23 maio 2025.
Comumente, lembramos que Sêneca escreveu demasiado sobre a liberdade de morrer, veja-se, por exemplo, a paradigmática Carta 70, na qual ele discute o direito do indivíduo de escolher a morte diante de um sofrimento insuportável. Com isso, muitas vezes, encontramos o argumento da liberdade posto em oposição ao argumento da pertença, como se fossem forças antagônicas: de um lado, a liberdade do indivíduo sobre o próprio corpo e destino; de outro, a obrigação moral e social de permanecer vivo, vinculado à família, à sociedade, à vida.
Mas as coisas não são tão simples assim. O próprio Sêneca havia se filiado, existencialmente, ao argumento da pertença, como fica claro na Carta 78, quando ele confessa ter pensado em se matar, mas é a “indulgência” e a velhice do pai que o retêm: “Cogitavi enim non quam fortiter ego mori possem, sed quam ille fortiter desiderare non posset.” Não se trata apenas da força individual para morrer, mas da consideração ética que se tem pelo outro, pelo vínculo afetivo e moral que o obriga a continuar vivendo. Aqui, a pertença é uma força que não se opõe à liberdade, mas a modula, a orienta, conferindo-lhe um sentido ético e comunitário. A pertença, portanto, não aparece para Sêneca como um fardo que sufoca a liberdade, mas como um princípio que pode, paradoxalmente, fortalecê-la. A liberdade de morrer é uma prerrogativa que deve ser ponderada dentro do horizonte das relações humanas e das responsabilidades éticas. A decisão sobre a vida e a morte não é um ato isolado, puramente individual, mas parte de uma rede de vínculos que dão sentido e profundidade à existência.
Assim, a liberdade para Sêneca não é uma independência absoluta, mas uma autonomia responsável, aquela que reconhece a própria finitude, mas também a interdependência com os outros. Viver “fortiter” é também honrar essa pertença, assumir a vida não só como uma questão de vontade própria, mas como um compromisso moral com aqueles a quem se deve afeto e cuidado.
Essa ambivalência entre liberdade e pertença nos convida a pensar a vida e a morte não como opostos radicalmente separados, mas como momentos dialéticos em que o sujeito, em sua complexidade, negocia entre o desejo de autonomia e o reconhecimento da sua inserção no mundo dos outros. Sêneca, portanto, não rejeita a liberdade de morrer, mas a insere numa dimensão ética maior, onde viver também exige coragem, porque implica assumir a responsabilidade pelos laços que nos constituem.
Prof. (e aluno) Alexandre H. Reis
