
(Death and Life, Gustav Klimt, 1910–1915. Óleo sobre tela, 178 x 198 cm. Museu Leopold, Viena, Áustria.)
Na pintura “Death and Life”, Gustav Klimt propõe um embate simbólico e ontológico entre dois princípios fundamentais da existência: a impermanência e o desejo de continuidade. À esquerda, a Morte, envolta em tons sombrios e figura esquelética, observa, quase sorrindo, o amontoado de corpos humanos à direita, nus, entrelaçados, adormecidos ou sonhadores. Não há choque direto, mas uma presença vigilante e inevitável. É nesta tensão silenciosa que a pintura atinge sua potência filosófica.
A Morte, como figura individualizada, não aparece aqui como uma interrupção brutal, mas como uma testemunha necessária. A morte vela o sono da vida. E velar é tornar permanente. Sua postura lateral, quase à margem da cena, revela sua função: recordar. A aqui, a morte nada tem a ver com destruição (ver o meu livro Vita, a relação necessária entre vida e morte). Ela é, ao mesmo tempo, ameaça e medida. A vida, em sua plenitude de corpos e cores, só adquire forma por estar constantemente sob o olhar da morte. Este é o primeiro gesto ontológico da pintura: vida e morte não são opostos, mas co-implicações. A existência só se torna consciente de si porque é finita.
No centro da massa humana há um entrelaçamento de gestos ternos, de olhos fechados, de abandono ao instante, como se a vida, para resistir à morte, precisasse ignorá-la. E, no entanto, ali ela está. Essa recusa, essa recusa suave em ver, constitui a ilusão necessária à continuidade da existência. O homem, para viver, precisa fingir que não morrerá.
O que Klimt desenha, portanto, não é um combate, mas um equilíbrio trágico. O desejo de viver, nos abraços, na nudez, na geração, no repouso, é sempre atravessado pela sombra do fim. E, ainda assim, floresce. Esse impulso vital se aproxima do que Schopenhauer chama de “Vontade”: um movimento cego, irracional, que se manifesta na forma de desejo, reprodução, apego. A Vida, com seus corpos entrelaçados, é a expressão plástica desse querer que não se justifica, mas insiste.
Contudo, ao contrário da redenção estética proposta por Schopenhauer, onde a arte permite uma suspensão momentânea da Vontade, Klimt parece rejeitar a ideia de fuga. Sua pintura é carnal, fecunda, intensamente terrestre. Aqui não há renúncia, mas celebração. A morte não serve para fugir do mundo, mas para intensificar o espanto diante dele. A beleza da Vida está em sua fragilidade. Ao representar a morte com dignidade e serenidade, Klimt a reintegra ao ciclo, devolve-lhe sua função estruturante: não inimiga, mas contorno.
A pintura sugere ainda uma dimensão psicológica profunda: os olhos fechados dos vivos talvez não expressem apenas paz, mas também negação. A figura da morte, que observa do canto, parece tolerar esse gesto. Como se dissesse: “continuem sonhando, eu esperarei”. Há aqui um eco do trágico grego: a sabedoria consiste em reconhecer os limites, não em superá-los.
Em suma, “Death and Life” é uma meditação pictórica sobre a condição humana. Klimt propõe que viver é habitar o intervalo entre o desejo e o fim, entre o impulso e o silêncio. A pintura não consola, não promete, mas ilumina, como uma vela diante do abismo. E nessa luz tênue, vislumbramos o que há de mais profundo: não a vitória da vida sobre a morte, mas sua dança silenciosa e indissociável.
Prof. (e aluno) Alexandre H. Reis
