Por Airton Tetelbom Stein
A pandemia de Covid-19 trouxe uma pressão aos serviços de saúde para organizar o modelo assistencial em torno das necessidades dos pacientes com doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs). Essas doenças representam um desafio para o desenvolvimento sustentável dos sistemas de saúde e, hoje, são responsáveis por 80% da mortalidade no Brasil. Sabe-se que a maior parte dos serviços do SUS apresentam infraestrutura inadequada há muito tempo para atender à demanda dos pacientes com DCNTs, em função do financiamento insuficiente no setor.
Durante as fases mais críticas da pandemia, a ação de gestores e as pautas da mídia enfatizaram a necessidade dos investimentos nos serviços especializados para o atendimento aos casos mais graves da Covid-19. No entanto, ações complementares para atender casos mais leves também foram eficientes. Nos municípios onde ocorreu uma melhor adaptação da coordenação do cuidado, a partir das unidades básicas de saúde, houve um menor número de casos de óbito devido à Covid-19 e também um menor desajuste no atendimento aos pacientes com doenças crônicas, tanto nos aspectos de promoção de saúde, prevenção e atendimento clínico. Em síntese, o atendimento centrado no paciente deve ser o escopo de um sistema de saúde bem sucedido, mesmo em situações complexas como a atual.
Desde o início da pandemia, os serviços de saúde em todos os níveis de atenção – unidade básica de saúde, pronto atendimento e hospitais – têm desenvolvido estratégias para reorganizar o atendimento, em função de suas prioridades de saúde, devido ao aumento da demanda. Durante as semanas de aumento da curva epidêmica de casos de Covid-19, os serviços de emergência funcionaram como ordenadores da assistência – em conjunto com a vigilância epidemiológica e os órgãos reguladores do sistema. Juntos, essas três instâncias foram essenciais para determinar o sucesso ou não do atendimento coordenado e atenção integral à população.
A recomendação do distanciamento social, entendida como “ficar em casa e longe dos outros” foi uma das políticas mais relevantes para controlar a propagação do novo coronavírus e oferecer condições ao serviço de saúde para “achatar a curva” do número de casos e possibilitar um atendimento efetivo a todos os pacientes nos serviços de saúde, sem causar um colapso no sistema.
No período da epidemia com o maior número de casos, houve relatos de pacientes com doenças crônicas que diminuíram o seu acesso aos sistemas de saúde, o que pode ter efeito sobre a efetividade dos seus tratamentos. São pacientes com câncer, com doenças cardiovasculares, diabetes mellitus e doenças respiratórias que pausaram seus atendimentos presenciais por medo de contrair a Covid-19.
Por outro lado, este período pode também ter impactado a cultura do sobre-diagnóstico e sobre-tratamento, que provavelmente diminuiu intervenções médicas como o excesso de medicação ou cirurgias desnecessárias. Os provedores dos serviços de saúde perceberam este novo cenário e a necessidade de investir em outros modelos de assistência, como o modelo de tele-saúde.
Além da falta de acesso aos serviços de saúde, houve um aumento do sedentarismo e das mudanças alimentares em decorrência do isolamento social, o que afeta substancialmente as pessoas com doenças crônicas. Esperamos que esses efeitos colaterais da pandemia, relacionados ao “ficar em casa”, não tenham nos distanciado do controle das doenças crônicas e das metas estabelecidas em 2011 pelo Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das DCNTs.
Saiba mais:
Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Análise de Situação de Saúde, Coordenação Geral de Doenças e Agravos Não Transmissíveis. Plano de ações estratégicas para o enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) no Brasil 2011-2022.
Ministério da Saúde. Vigitel Brasil 2017 Vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico.
World Health Organization. Global action plan for the prevention andcontrol of noncommunicable diseases 2013-2020. Geneva: WHO; 2013.
Sobre o autor
Airton Telelbom Stein é médico de família e comunidade do Grupo Hospitalar Conceição, professor titular de Saúde Coletiva da UFCSPA e membro do GBEM
As opiniões expressas na seção “Análise” são do autor e não representam, necessariamente, a opinião do GBEM e de seus pesquisadores