Por Natália Flores
Oferecer um atendimento médico de qualidade e financeiramente acessível são desafios enfrentados por sistemas públicos de saúde do mundo todo. Essa preocupação não é infundada, principalmente quando envolve atender pacientes com multimorbidade. Comparados a outras pessoas, esses pacientes tendem a ter mais dificuldade de acessar o sistema de saúde e tendem a ter mais gastos como a saúde, segundo aponta estudo de pesquisadores da Universidade da Califórnia, da Universidade de Illinois e da Universidade Federal de Pelotas.
Para entender as relações entre a atenção primária à saúde e a multimorbidade em seis países latino-americanos, os cientistas analisaram dados de uma pesquisa internacional de atenção primária à saúde do Banco Interamericano de Desenvolvimento aplicado em 2013 e 2014 no Brasil, Jamaica, Colômbia, El Salvador, México e Panamá. Eles também mapearam a prevalência de adultos com duas ou mais condições de saúde (multimorbidade) nestes países. Panamá e Jamaica tiveram as maiores prevalências de multimorbidade (25,1% e 18,3%, respectivamente). No Brasil, a prevalência de multimorbidade foi de 16,8%.
“O acesso ao atendimento, por si só, não é o maior problema dos indivíduos com multimorbidade”, analisa o coordenador do estudo James Macinko, da Universidade da Califórnia. “O que parece estar acontecendo é que o atendimento que recebem pode ser fragmentado, inadequado e, ainda, ter baixa qualidade. Essas ineficiências acarretam em mais custos para o sistema de saúde e para o paciente”, alerta.
Macinko analisa que, nos países estudados, “a cobertura universal de saúde é ilusória para alguns grupos populacionais. Inexistem, por exemplo, proteções financeiras que impedem pessoas com múltiplos problemas de saúde de não gastarem uma proporção considerável de seus rendimentos em cuidados e medicamentos”.
Um dado interessante levantado pelo estudo é que, no Brasil, existe um gasto menor com saúde em relação a outros países. “No Brasil, o número de problemas de atenção primária não foi associado ao aumento dos gastos com saúde tanto quanto foi o caso de outros países como o México, El Salvador e Jamaica. Isso sugere que o Sistema Único de Saúde (SUS) tem sido mais capaz de proteger as pessoas financeiramente”, afirma Macinko. Os brasileiros, também, relataram mais barreiras organizacionais para receber cuidados do que os outros latino-americanos.
Segundo a avaliação de Macinko, mudanças substanciais na organização e no financiamento da saúde precisariam ser feitas para oferecer um atendimento de saúde integrado – o que só pode ser alcançado em grande escala, por meio de reformas de políticas públicas. No caso brasileiro, Macinko acredita que o SUS terá um grande desafio nos próximos anos: “a próxima onda de reformas do SUS precisa acelerar mudanças e melhorias na coordenação, integração e qualidade da atenção, preservando seu caráter universal e gratuito, o que não é pouca coisa no contexto atual”, conclui.