A Complexidade da Multimorbidade

A complexidade da multimorbidade desde a condição até seus impactos socioeconômicos

Conhecida como multimorbidade, a condição responsável por assolar grande parte da população mundial é caracterizada pela presença de dois ou mais problemas relacionados à saúde. Dessa forma, esses problemas incluem condições físicas, como doenças cardíacas, pulmonares e diabetes, como também estão relacionados à saúde mental pelos diagnósticos de depressão e ansiedade.

Agravantes e parcelas populacionais

A problemática que por sua vez é constituída por combinações de doenças crônicas em um mesmo indivíduo, isto é, doenças de progressão lenta e longa duração, pode ser agravada por inúmeros fatores. Assim, hábitos como tabagismo, sedentarismo, IMC (índice de massa corporal) elevado, consumo excessivo de frango ou carne vermelha, alta ingestão de álcool e carência por qualidade de sono são responsáveis pelo desenvolvimento de grande parte dos diagnósticos detectados mundialmente.

Segundo o pesquisador Bruno Pereira Nunes, professor na Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e líder do Grupo Brasileiro de Estudos sobre Multimorbidade (GBEM), percentualmente, a parcela populacional que mais apresenta duas ou mais doenças são os idosos. Ainda assim, em termos absolutos, a condição faz-se mais presente nos adultos abaixo de 60 anos. Uma pesquisa realizada pela revista BMJ Open, em 2017, mostra que dois em cada dez adultos possuem duas ou mais doenças crônicas. Nas palavras do professor “não podemos definir multimorbidade como um problema específico de pessoas idosas, até porque o enfrentamento do problema passa por uma abordagem de prevenção desde o início da vida”.

Ademais, de acordo com uma pesquisa realizada por Nunes em Pelotas, o público mais afetado na cidade gaúcha é constituído por mulheres adultas e idosas, comumente pertencente às classes econômicas mais baixas. Dessa forma, vale destacar que, além dos agravantes citados anteriormente, fatores socioeconômicos fazem grande participação na problemática.

Questão socioeconômica

A revista Nature Reviews Disease Primers aponta que a multimorbidade se apresenta dez anos antes em pessoas menos favorecidas. Os estudos indicam que a combinação de doenças físicas e psicológicas exigem uso frequente de medicação e acompanhamento regular por profissionais da saúde, fatores que dificilmente se tornam acessíveis à população carente. “Pessoas com maior vulnerabilidade tendem a apresentar mais dificuldade para garantir direitos humanos básicos. Também possuem menos acesso a serviços e informações que podem contribuir para hábitos mais saudáveis de vida, como atendimentos preventivos em saúde e atividade física, por exemplo” explica Bruno Pereira Nunes. Dessa forma, é possível afirmar que a pobreza e a dificuldade econômica também são causadores de problemas relacionados à saúde que, por sua vez, não recebem o devido tratamento. Por consequência, inúmeras doenças adicionais são derivadas de outras condições que não foram tratadas, agravando, assim, a multimorbidade. Além da dificuldade que envolve o tratamento de doenças na população mais pobre, observa-se uma prática recorrente por parte dos médicos ao culpabilizar pessoas pela sua condição. Assim, aqueles que buscam e conseguem acesso às consultas, são colocados como responsáveis pelo contexto no qual estão inseridos.

Insegurança alimentar

A insegurança alimentar por sua vez é um dos grande pilares da situação socioeconômica das classes baixas, além de possuir um papel importante no tópico “multimorbidade”. Esta é uma das principais causas de estresse em populações vulneráveis, causadora da fragilização da saúde física e mental e pertencente na realidade de boa parte dos brasileiros. Coloca a população em uma situação na qual, ou não se alimenta, ou, quando se alimenta, não é da forma nutricionalmente correta. As principais consequências decorrentes da insegurança alimentar e, por conseguinte, da multimorbidade, acarretam em morte prematura, piora na qualidade de vida, enfraquecimento do corpo e uso contínuo de remédios durante a vida.

Um problema de saúde pública mundial

A multimorbidade é um problema de saúde pública mundial, visto que grande parte da população é detentora de duas ou mais doenças crônicas. Ainda assim, é fato que as nações enfrentam o problema de maneiras diferentes. Países menos desenvolvidos são mais vulneráveis se comparados aos países mais desenvolvidos, já que são mais expostos a doenças e menos suscetíveis a alcançar tratamento. Ainda assim, o professor e pesquisador responsável pelo GBEM afirma que o Brasil possui posição privilegiada ao ser detentor do Sistema Único de Saúde (SUS) que, apesar de não conseguir lidar com a multimorbidade, é capaz de fornecer atenção a toda população desde que tenha financiamento e gestão de qualidade, visto que um artigo realizado pelo APUBH (Sindicato dos Professores de Universidades Federais de Belo Horizonte) aponta que o sucateamento da saúde pública conta com cortes que acumulam o valor de 36,9 bilhões de reais.

Referências:

Pessoas pobres desenvolvem múltiplas doenças crônicas dez anos mais cedo, aponta estudo da Nature. Disponível em: https://oglobo.globo.com/saude/medicina/noticia/2022/07/pessoas-pobresdesenvolvem-multiplas-doencas-cronicas-dez-anos-mais-cedo-aponta-estudo-da-nature.ghtml. Data de acesso: 13/09/2022.

Pobres apresentam múltiplas doenças crônicas dez anos antes que mais ricos. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2022/08/pobres-apresentam-multiplas-doencas-cronicas-dez-anos-antes-que-mais-ricos.shtml. Data de acesso: 13/09/2022.

No Brasil, é a pobreza que mata por meio das condições sociais desiguais de acesso à saúde. Entrevista especial com Bruno Pereira Nunes. Disponível em: https://www.ihu.unisinos.br/621102-no-brasil-e-a-pobreza-que-mata-por-meio-das-condicoes-sociais-desiguais-de-acesso-a-saude-entrevista-especial-com-bruno-pereira-nunes. Data de acesso: 13/09/2022

Cortes na saúde afetam usuários: número de atendimentos no SUS cai mais de 12%. Disponível em: https://apubh.org.br/noticias/cortes-na-saude-afetam-usuarios-numero-de-atendimentos-no-sus-cai-mais-de-12/. Data de acesso: 14/09/2022.