Conhecer para compreender: o patrimônio industrial do bairro Porto de Pelotas – RS

Por Bárbara Carvalho e Murilo Schurt Alves

O COMEÇO

O princípio da cidade de Pelotas é permeado pela história de colonizadores charqueadores escravistas e povos escravizados. Os vestígios desse tempo remoto pode ser identificado próximo às fontes de água que contornam este município, dentre eles o canal São Gonçalo e seus afluentes que dão origem ao Porto pelotense um dos principais precursores desta história, como declarado em uma das colunas do autor Guilherme Pinto de Almeida, para o projeto OTRO PORTO: “por estas águas chegaram o sal para o charque e o açúcar para os doces. Através destas águas chegaram os artigos importados que abasteceram o pujante comércio local e satisfizeram o gosto cosmopolita dos pelotenses. Um porto conectando Pelotas ao mundo”.

Parte do espaço em que hoje situa-se o bairro Porto teve seus principais donos no período antecedente a urbanização, estes eram Mariana Eufrásia da Silveira e seu marido e em período subsequente parte das terras foram cedidas para a implementação de outras duas charqueadas ao capitão Domingos Rodrigues e o sargento-mor José Tomás da Silva. Atualmente, o bairro Porto carrega em uma de suas principais ruas o nome de sua primeira proprietária, Rua Mariana e possui também a praça Domingos Rodrigues em homenagem ao capitão. A validação do espaço como uma zona urbana deu-se no ano de 1834.

A OCUPAÇÃO

A partir da década de 70 século XX a região do bairro Porto passa a sofrer um novo impacto de desenvolvimento e ocupação, pois as terras que antes eram dominadas pelos charqueadores e por escravos que para estes trabalhavam e que contribuem socioeconomicamente para o desenvolvimento da cidade, começaram a sofrer mudanças com declínio das atividades hidroviárias, declínio econômico, construções de rodovias, concorrência com o Porto de Rio Grande, estes e outros fatores contribuem para a falta de visibilidade para a região o que propicia a entrada do setor fabril na região no ano de 1933, neste ano ocorre a construção do cais, a construção de três armazéns e a instalação de três guindastes, e no ano de 1940 o Porto de pelotas passa a operar.

Com a introdução do setor industrial o bairro passa a sofrer com a superlotação e as diversas áreas do bairro passam a ser ocupadas desde os trabalhadores fabris das mais diversas famílias de baixa renda. Segundo estudo feito pelo curso de Geografia da UFPEL, “ao mesmo tempo em que as atividades relacionadas ao canal representavam uma fonte de renda para os moradores, as condições de moradia no local eram extremamente precárias, obrigando as famílias a resistirem, convivendo com diversos problemas urbanos como falta de saneamento básico, doenças causadas pela poluição, entre outros, que são resultados da falta de um planejamento urbano adequado a esse espaço.”

A INDUSTRIALIZAÇÃO

Com o início do processo de industrialização no Rio Grande do Sul, a cidade de Pelotas viveu períodos de transformação social e econômica que deixaram marcas em seu território e paisagem. A zona portuária, atualmente conhecida como bairro Porto, recebeu a instalação de diversas fábricas, armazéns e depósitos, devido ao seu posicionamento estratégico que possibilita escoar os mais diversos produtos e mercadorias pelo seu curso de água doce. Entre essas instalações, podemos citar: Cervejaria Sul-Riograndense (1889), Moinho Pelotense (1922), Frigorífico Anglo (1942) e Cooperativa Sudeste de Lãs (1954). Além disso, outra alternativa de transporte presente na região era o modal ferroviário, facilitando deslocamentos para outras cidades do Rio Grande do Sul e expandindo a possibilidade de fornecimento de insumos.

Nesse contexto, a zona portuária começou a figurar como uma das principais alternativas ao capital fabril estrangeiro, passando por transformações estruturais com a implantação de vilas operárias e construção de edifícios públicos. Como explica Francisca Ferreira Michelon, doutora em História pela PUC-RS e Jossana Peil Coelho, doutora em Memória Social e Patrimônio Cultural da UFPel, “ruas foram criadas e gradualmente se tornaram habitadas, construíram-se residências, escolas e clubes, se formou um bairro vibrante e acolhedor para morar e trabalhar”.

Contudo, a forte política nacional de favorecimento ao transporte rodoviário fez com que a zona portuária entrasse em decadência a partir da década de 1960. Soma-se, ainda, aos elevados custos de produção industrial pela deficiência de infraestrutura e pelo aparato tecnológico ultrapassado, além da distância geográfica que deixava a região em desvantagem contra outros produtos nacionais, sobretudo aqueles localizados em São Paulo. De acordo com o artigo “A zona portuária de Pelotas [RS]: nova paisagem de um bairro antigo”, publicado na revista científica Labor e Engenho, foi possível notar “o progressivo esvaziamento e estagnação de um bairro que, por décadas, via circular cotidianamente multidão de operários que seguiam rumo às fábricas, sempre ruidosas, efervescentes e ritmadas pelo fluxo da produção”.

Com a derrocada e a ociosidade dos espaços fabris, a zona portuária de Pelotas forma um representativo acervo de patrimônio industrial na região. Atualmente, muitos desses prédios são ocupados pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), através de um projeto de revitalização e utilização desses espaços como unidades acadêmicas das áreas de ciências humanas, engenharias, artes e design, entre outras. Nesse viés, a população majoritariamente idosa e juvenil-universitária se apropria desse território, reivindica suas necessidades e compartilha suas visões de mundo com o intuito de garantir direitos básicos e melhores condições de vida.