Por Murilo Schurt Alves
Arroz, feijão, ovo cozido, refogado com batata e couve, e tomate. Cardápio do almoço de domingo, oferecido pelo Kilombo Urbano Canto de Conexão — rua Benjamin Constant, 1327. Trata-se da campanha “Sem fome e sem dor”, que semanalmente distribui entre oitenta e cem refeições gratuitas. A partir das doações recebidas durante a semana, são elaboradas marmitas que, a partir do meio-dia de domingo, podem ser retiradas.
O texto que você acabou de ler é um trecho da matéria “Kilombo Urbano oferece refeições e acolhimento”. Escrito pelo jornalista Carlos Cogoy e publicado em abril de 2022 no jornal Diário da Manhã de Pelotas, ele sintetiza brevemente o trabalho comunitário realizado pelo quilombo na zona portuária de Pelotas. Inicialmente, o coletivo se constituiu por um grupo de alunos da Universidade Federal de Pelotas que militava em prol da legalização da maconha, além de protestar contra os cortes orçamentários na área da educação em 2016, época do processo de impeachment contra a ex-presidenta Dilma Rousseff.
Através desses objetivos em comum e sofrendo com o cenário de violência que se alastrava pelo Porto, este grupo procurou ocupar e ressignificar um dos prédios abandonados da região. “A gente queria mudar uma região da cidade, transformar uma zona de conflito em um território de paz”, comenta Giovane Lessa, um dos moradores mais antigos do local.
Inicialmente, o processo de ocupação acontece com a limpeza e manutenção do espaço, desentupindo esgotos, arrumando telhados e construindo um espaço digno para que os estudantes pudessem ter direito à moradia. “O prédio estava totalmente degradado e bagunçado. A gente tirou, aproximadamente, 7 toneladas de lixo de dentro do prédio”, evidencia Giovane. Logo após, começa a se discutir iniciativas culturais e sociais em prol da população, como a distribuição de refeições gratuitas que viraram matérias de jornais.
Atualmente, o térreo do prédio conta com uma biblioteca, uma sala de música com uma vasta aparelhagem musical e um ateliê para empréstimos de motosserras, furadeiras e outros materiais de construção. Além disso, há um espaço para a realização de eventos culturais, uma cozinha comunitária e uma horta que garante diversos alimentos para as refeições de seus moradores. A parte de cima, por sua vez, reúne espaços para moradia e áreas de interesse social. “São duas pessoas que moram em cada quarto. São pessoas que procuram acolhimento, pessoas que brigam com a família e não tem onde ficar, pessoas de fora da cidade e mochileiros”, complementa.
Além disso, percebe que esse conjunto de iniciativas ajuda a desmistificar o preconceito e os estereótipos racistas que, lamentavelmente, ainda pairam sobre a região portuária. “Quando eu estou sentado aqui na frente e passa um pessoal de carro olhando para nós, eu me sinto parte de um povo escravizado e enjaulado ‘para inglês ver’. Eu tenho essa impressão, mas a gente conseguiu reverter muito isso com o trabalho que a gente desenvolve aqui”, finaliza Giovane.