Por Eduardo Ritter/Superávit Caseiro

Se ainda existisse, a Gazeta Mercantil seria um jornal centenário. Criado em 1920, em 1985 o periódico de economia foi reconhecido entre os sete veículos de negócios mais importantes do mundo em um levantamento da revista Fortune, dos Estados Unidos. Essa trajetória é recontada pela jornalista e escritora Célia de Gouvêa Franco no livro Gazeta Mercantil – A trajetória do maior jornal de economia do país, publicado no final de 2024 pela editora Contexto, de São Paulo.

Com a abordagem de quem escreve uma grande reportagem biográfica, Gouvêa Franco — que trabalhou na Gazeta por duas décadas, entre 1975 e 1995 — resgata a história do jornal e mergulha nos bastidores da família Levy, proprietária do periódico. A mesma família que impulsionou seu crescimento também esteve à frente do declínio que levou ao fechamento do veículo em 2009.

Segundo a autora, até os anos 1970, a Gazeta Mercantil era apenas um boletim financeiro de circulação restrita, fundado pelo empresário italiano José Francesconi e, posteriormente, adquirido pelo deputado Hebert Levy (1911-2002). O jornal era apenas um entre os vários negócios da família, cujo carro-chefe era uma empresa de reflorestamento. A grande virada aconteceu em 1974, quando Levy transferiu o comando do periódico para seu filho, Luis Fernando, dando início a um novo capítulo em sua história.

Para se ter uma ideia da transformação, no início dos anos 1970, antes da reforma, a redação contava com apenas seis jornalistas. Duas décadas depois, em meados dos anos 1990, o jornal reunia mais de 600 profissionais espalhados pelo país, além de correspondentes internacionais – a autora, por exemplo, chegou a trabalhar em Londres com o marido pela Gazeta. Mas qual foi a fórmula para esse crescimento? Célia de Gouvêa Franco explica.

O primeiro passo foi um investimento pesado na modernização do jornal, com uma reforma em 1974 que custou US$ 7 milhões — o equivalente a cerca de R$ 15 milhões em 2023. Em seguida, vieram as contratações de grandes jornalistas de outros veículos, entre eles a própria autora e seu marido, Celso Pinto (1953-2020), além de nomes como Sidnei Basile (autor do livro Jornalismo Econômico), Décio Bazin (criador do método de investimentos que leva seu nome) e grandes cartunistas, como Chico Caruso e Laerte. Para garantir um alto nível editorial, a Gazeta também oferecia cursos de economia aos seus jornalistas, com professores como Maria da Conceição Tavares e Carlos Lessa, entre outros.

O resultado veio rápido: o nome Gazeta Mercantil tornou-se sinônimo de leitura obrigatória para políticos, empresários, banqueiros, advogados, investidores e qualquer um que transitasse no mundo dos negócios e da política. Outro diferencial foi a liberdade editorial que Luis Fernando Levy deu aos jornalistas. Mesmo sob o regime da ditadura militar, os repórteres tinham autonomia para trabalhar com informação e publicar suas matérias sem interferência direta. Curiosamente, o próprio Hebert Levy não apenas apoiou o golpe militar como também foi integrante da Arena, partido que dava sustentação ao regime. Mesmo assim, segundo a autora, a grande maioria dos jornalistas contratados pela Gazeta eram de esquerda.

Os bastidores dessa trajetória são detalhados no livro. A Gazeta se diferenciava não apenas pelo volume de informação, mas também pela profundidade das análises. Enquanto outros jornais tratavam temas econômicos de forma mais generalista, ela possuía editorias específicas como Internacional, Nacional, Indústria, Agropecuária, Matérias-Primas, Finanças, Mercados, Administração e Serviços, Legislação, dentre outras. Além disso, a empresa investia fortemente em viagens de seus jornalistas pelo Brasil e pelo exterior, além de promover grandes eventos que reuniam as figuras mais influentes do meio político e empresarial.

Jornalista Célia de Gouvêa Franco

Diante desse histórico de sucesso, surge a pergunta inevitável: como um império da comunicação – que incluiu incursões pela televisão e criação de veículos fora do país – ruiu a ponto de fechar as portas em 2009?

Como explica a autora, não foi um colapso repentino. Se a ascensão da Gazeta Mercantil esteve diretamente ligada a Luis Fernando Levy, sua derrocada também passou por suas decisões. Gastos descontrolados, projetos milionários que fracassaram — e, em alguns casos, nem saíram do papel —, uso dos recursos do jornal para cobrir déficits de outras empresas da família… A má gestão se acumulou ao longo dos anos, levando o periódico à falência. Na parte final do livro, Gouvêa Franco detalha essas turbulências, incluindo tentativas frustradas de venda, a chegada do Valor Econômico (do grupo Globo) como concorrente no ambiente digital, cobranças judiciais por dívidas impagáveis e muito mais. Ela também explica que problemas econômicos, como atrasos de salários e até cortes de luz por falta de pagamento, acompanharam toda a trajetória do jornal, mesmo no momento de alta.

Em resumo, este é um livro essencial para quem se interessa por negócios, empreendedorismo, jornalismo econômico, finanças, história da imprensa e, acima de tudo, por uma grande narrativa construída com rigor e paixão. A apuração minuciosa e o envolvimento da autora tornam a leitura ainda mais instigante, transformando a trajetória da Gazeta Mercantil em uma das histórias mais fascinantes da imprensa brasileira.