Por Eduardo Ritter/Superávit Caseiro
O ano é 1994. O Brasil começava a sair de uma economia marcada pela hiperinflação, com o caos financeiro arraigado na sociedade, para respirar o mínimo de organização com a criação do Plano Real. Na política, o sociólogo Fernando Henrique Cardoso ganhava as eleições para assumir o posto que seria deixado pelo improvisado e desajeitado Itamar Franco. No esporte, o Brasil comemorava o tetracampeonato de futebol conquistado na Copa do Mundo dos Estados Unidos e chorava a morte de um dos maiores ídolos da história esportiva do país, Ayrton Senna, após acidente durante o GP da Itália, curiosamente o país derrotado na final da Copa pela seleção brasileira. No cinema, enquanto estava a mil a produção do filme brasileiro O Quatrilho, que seria lançado no ano seguinte, o longa A Lista de Schindler conquistava o Oscar de melhor filme, relembrando à humanidade as atrocidades cometidas pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Na música, Kurt Cobain, astro da banda Nirvana, e Tom Jobim, um dos monstros da composição no Brasil, deixavam a vida para entrar para a história. Na televisão, o irreverente Antônio Carlos Bernardes Gomes, mais conhecido como Mussum, falecia em São Paulo. Já na literatura, morria um dos últimos escritores malditos do século XX: Charles Bukowski, aos 73 anos. Tudo isso, e muito mais, aconteceu no marcante ano de 1994.
No entanto, para um gaúcho de Bagé, que em 42 nos de vida havia se aventurado nos cursos de Engenharia e História e já tinha experiência como gráfico, jornalista e produtor artístico, o ano de 1994 foi um ano ainda mais marcante e inesquecível. Foi nesse mesmo ano que Nelson Rolim de Moura fundava em Florianópolis (SC) uma das editoras que se tornaria referência nacional no mercado editorial de diversas áreas, com destaque para o Jornalismo, a Comunicação e a Literatura: a Editora Insular, que em 2022 completa 28 anos de existência, enquanto o seu fundador e proprietário completou sete décadas de vida.
Até consolidar o seu negócio em um difícil e concorrido ramo, Rolim acumulou experiências que auxiliaram muito na formação do seu caráter e também na persistência em sempre acreditar e sonhar através das letras e da cultura. Ele conta que nos tempos em que estudou na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), sempre participou ativamente do movimento estudantil. “Na UFRGS, fui presidente do Centro de Estudantes Universitários de Engenharia (CEUE) e do Diretório Central dos Estudantes (DCE), sempre em sintonia com a União Nacional dos Estudantes (UNE)”. Mesmo quando estudava Engenharia, por exemplo, Rolim lembra que sempre esteve envolvido na produção de conteúdo cultural.
Essa paixão pelas artes e, em especial, pelos livros e pela literatura, acompanhou Rolim por onde ele passou. Primeiro, em Bagé, cidade natal. Depois, em Porto Alegre, onde estudou. Já no período da repressão militar, que além de perseguir opositores tinha uma especial aversão à cultura e às criações artísticas, Rolim teve que buscar asilo em Buenos Aires, na Argentina. Por fim, fixou residência em Florianópolis, capital catarinense, cidade de onde administra, planeja e controla o seu negócio, a Editora Insular.
O editor lembra que o sonho de trabalhar com livros era antigo. “Desde os tempos de estudante, no final da década de 1960 e início da de 1970, pensava em ter uma livraria. No início dos anos 1990 decidi que queria ser editor de livros, exclusivamente livros. Eu mesmo montei todas as livrarias que tive e também a editora, inclusive as prateleiras”, revela. Com uma trajetória uniforme, marcada pela dedicação absoluta, Rolim conta que teve grandes momentos como, por exemplo, quando foi publicada a obra História da Nação Latino-Americana, de autoria de Jorge Abelardo Ramos.
Outro ponto alto foi quando Nelson Rolim lançou, em 2015, o seu livro Não esquecemos a ditadura – Memórias da violência. Apesar de parecer fácil para um editor publicar sua própria obra, ele revelou ao Instituto de Estudos Latino Americanos (IELA) que esse não foi um processo tão simples assim. “O motivo que me fez libertar estas palavras é porque na verdade sabemos certas coisas que não queremos guardar para sempre no adormecimento da memória, pois podem significar algo para alguém. Fiz muitas coisas na minha vida, de tudo um pouco. Aqui uso duas práticas que desenvolvi: jornalismo, fazendo jornais, e literatura, editando livros. As duas no sentido mais prosaico que possam ter, mas agudamente. Como editor, foi difícil deixar outros livros para cuidar deste”, afirmou.
Além das dificuldades enfrentadas pela luta de direitos básicos que a sociedade brasileira vivenciou ao longo dos anos, Rolim conta que também não é nada fácil investir em livros no Brasil. “Vivemos em crise desde que surgimos e isso é compensado por sacrifícios pessoais. Publicar num país sem leitores é uma teimosia muito grande, alimentada pela utopia socialista de que algum dia todos os brasileiros terão direito a ter seus livros e lê-los”, comenta Rolim.
Outro desafio enfrentado pelas editoras no século XXI é se adaptar às novas tecnologias e à mudança cultural dos poucos leitores que sobraram. Rolim conta que segue mantendo o livro impresso como carro-chefe da editora. No entanto, ele não fecha as portas para as novas gerações que preferem o digital, investindo também na publicação de e-books. E sobre o futuro, quais os planos do editor de cabelos e barba branca, fala rápida e largo sorriso no rosto? Se aposentar? Que nada. “Pretendo publicar mais e mais livros, até que a velhice me impeça de ir para a editora de madrugada, como fiz e faço muitos dias nos últimos 28 anos”. Os leitores [e autores] agradecem.