Você já pensou em ganhar dinheiro para viajar pelo mundo e escrever sobre essas experiências? O que pode parecer uma tarefa simples para muitos, na verdade exige muito esforço, disciplina, planejamento, trabalho duro e coragem. Foi só com muita preparação e ousadia que Airton Ortiz, hoje com 67 anos, conseguiu colocar em prática o que é o sonho de muitos escritores e viajantes: viver da atividade literária e, ao mesmo tempo, conhecer os mais diversos lugares do planeta. Teoricamente, uma missão impossível, o que torna o caso de Airton Ortiz um fenômeno singular em um mundo onde cada vez mais se valoriza a imagem em movimento (preferencialmente perecível) em detrimento das narrativas impressas atemporais.
Foi através do jornalismo e da literatura que Ortiz construiu uma biografia que é formada por um quebra-cabeça de viagens e experiências. Em dado momento, ele pegou sua mochila e viajou pelos lugares mais remotos da América Latina. Em outro, comprou um passaporte adulterado para entrar no Tibete pelo Nepal. Também houve tempos em que ele flanou tranquilamente pelas famosas ruas de Nova York, Londres e Paris. Uma aparente tranquilidade que não tem nada a ver com a aventura de escalar o monte Kilimanjaro, na África, ou de atravessar o Alasca até o Oceano Ártico. Pois foram todas essas experiências, e muitas outras, que o jornalista e escritor Airton Ortiz viveu nas últimas décadas e compartilhou com os leitores.
E quem é esse fenômeno, não apenas do jornalismo e da literatura, mas também da arte do planejamento e da estratégia para viabilizar tantos projetos, ano após ano? Para entender, é necessário ir até o município de Rio Pardo (RS), onde em 1954 nasceu Airton Ortiz. Durante a infância, Airton Ortiz era um assíduo ouvinte de rádio. Foi diante do aparelho radiofônico que o futuro jornalista inicialmente viajava nas ondas das emissoras AM, acompanhando as grandes reportagens dos anos 1960 e 1970. “Eu fui criado na zona rural, interior do município de Rio Pardo e, naquela época, o mundo chegava até mim pelo rádio. E aquilo me despertou a curiosidade de conhecer aqueles lugares que os caras falavam”, recorda Ortiz.
O jornalista salienta que depois de morar no município de Candelária (RS), ainda na infância, ele e sua família mudam para Cachoeira do Sul (RS). Foi lá que Ortiz teve seus primeiros contatos com o jornalismo e a literatura. Primeiro, em 1968, quando ainda na escola ganhou seu primeiro prêmio literário escrevendo sobre a amizade entre Brasil e Portugal. Pouco depois, ele passou a seguir os passos dos locutores que falavam sobre o mundo, ingressando no meio, inicialmente na Rádio Cachoeira. Os laços com o jornalismo ficaram mais fortes quando passou a colaborar com a editoria de esportes do Jornal do Povo, trabalhando como repórter. Em 1975, Ortiz muda para Porto Alegre, onde vai perseguir o sonho de ser jornalista, formando-se em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), afinal, Ortiz tinha consciência que a melhor maneira para conhecer o mundo era investindo na carreira de repórter. “Eu cheguei à conclusão que a única maneira que eu tinha para viajar e conhecer aqueles lugares era se eu fosse jornalista e se alguém pagasse para eu viajar”, comenta.
Posteriormente, Ortiz cursou pós-graduação em Administração na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), além de aprofundar o seu conhecimento em outros idiomas, como o inglês e o espanhol. Nessa época teve outra experiência marcante atuando na Rádio Farroupilha na equipe de Flávio Alcaraz Gomes, outro repórter que publicou livros de viagem como “Um repórter na China”, “Morrer por Israel” e “Eu vi: itinerários de um repórter”.
Mas foi no meio impresso que Ortiz teve uma experiência que mudaria a sua vida e lhe daria bagagem para mais tarde poder planejar a realização do grande sonho, que era viver de literatura. Tudo aconteceu quando ele mesclou os conhecimentos adquiridos no Jornalismo e na Administração, lançando um novo projeto empreendedor, que resultou na fundação do Jornal Tchê!, que tinha como temática a cultura gaúcha. O veículo circulou no Rio Grande do Sul até a primeira metade da década de 1980. Nesse período, ele também fundou e criou a editora Tchê!, que publicava principalmente autores gaúchos. Em 1997, no entanto, o jornalista encerrou as atividades da editora para atuar como repórter e fotógrafo freelance.
Assim, em 1999, já tendo uma boa bagagem de leituras e experiências profissionais de todos os tipos, que Ortiz publica o seu primeiro livro com narrativas de viagem: “Aventura no topo da África”, lançado pela editora Record. A partir de então, ele passou a publicar uma obra por ano, passando a produzir o que foi chamado de Jornalismo de Aventura. O autor apresenta a definição para esse tipo de jornalismo: “É uma mescla de emoção e informação. Mas a ideia principal é levar o meu leitor para aqueles lugares onde eu estou como se ele estivesse viajando comigo”.
Assim, Ortiz passou a ser referência na produção de narrativas de viagem no Brasil, tornando-se patrono de diversas feiras do livro e jornadas literárias, tal qual a Feira do Livro de Porto Alegre, em 2014. No entanto, como ele consegue se dedicar exclusivamente à produção desses livros? Ortiz revela que é extremamente necessário ter um projeto de longo prazo, pois a carreira de um escritor não é construída de maneira rápida e imediata, bem como a aprovação do público e o retorno financeiro. “É preciso ter paciência, dedicação e convicção de que é isso que se quer”. Ele revela que os projetos autorais são patrocinados pela rede de supermercados e hipermercados Zaffari, com sede no Rio Grande do Sul. “Desde a primeira viagem que eu fiz para produzir o primeiro livro, a viagem foi bancada pelo Zaffari e desde então todas as viagens são patrocinadas pelo Zaffari. É verba de publicidade deles e eles têm um bom retorno com isso”, salienta. Ortiz viajou para mais de 80 países e publicou 19 narrativas de viagem, além de livros de fotografias, obras infantis, infanto-juvenis e contribuições para antologias.
As narrativas de viagens escritas por Ortiz podem ser classificadas em três tipos de textos: livro-reportagem viagem, crônicas e narrativas de ficção. Aliás, é nas obras de ficção que Airton Ortiz pretende apostar na sua retomada com as flexibilizações das atividades após os piores picos da pandemia de Covid-19. “Daqui para frente pretendo me dedicar mais aos livros de ficção, mas sempre no estilo viagem de aventura”, destaca.
Ele explica que a pandemia acabou tendo impactos diretos no seu trabalho. “Em março de 2020 eu estava em Israel fazendo uma trilha conhecida como Trilha de Jesus, cerca de 80 quilômetros entre Nazaré e Cafarnaum, no Mar da Galileia, para escrever um livro sobre essa experiência. Ao final do primeiro dia de caminhada, em Canaã, fui expulso da cidade, em virtude do surgimento do vírus. Dali pra Tel Aviv e de lá para o Brasil, aonde cheguei dia 18, um dia após a primeira morte no país. Em virtude disso, em 2020 não publiquei nada. Primeiro ano, desde 1999, que não lanço um livro. O que se repetiu em 2021”, salienta.
Esse foi um duro golpe em quem precisa viajar para escrever sobre essas experiências. No entanto, há outras implicações que acabaram aliviando o momento de crise global. “Toda a minha renda é fruto do meu ofício de escritor. Isso implica, além dos direitos autorais, palestras, patrocínios, viagens guiadas (quando levo os leitores de determinada obra a percorrer parte do trajeto narrado no livro). Também avalio originais para editoras e, às vezes, faço até alguma revisão estilística. Enfim, vivo do meu ofício de escritor”, conta Ortiz.
Para chegar nesse patamar, de poder viver daquilo que mais gosta de fazer, o antigo dono da Editora Tchê conta que mantém uma boa relação com os seus editores, de forma completamente profissional. “Cumprindo prazos, participando de eventos de lançamentos, ajudando na divulgação. Editor e autor são parceiros na mesma empreitada: fazer o livro ser lido”, finaliza Ortiz.