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Como Dirac previu a antimatéria

Original: https://www.wondersofphysics.com/2020/07/this-is-how-dirac-predicted-antimatter.html

Para aqueles que não conhecem nada sobre o físico teórico inglês Paul Dirac: geralmente ele é comparado a um dos pais da física, Sir Isaac Newton. Ambos eram gênios da matemática; socialmente desajustados; fizeram suas maiores descobertas em seus vinte anos; ambos ocuparam a cadeira Lucasiana de Matemática na Universidade de Cambridge.

Mas alguns podem considerar Dirac um cientista ainda maior por várias razões. Newton, em seus dias, envolveu-se com pseudociências como alquimia e até tentou conciliar ciência com a fé em seus artigos. Paul Dirac, por outro lado, um agnóstico assumido, permaneceu fiel a seu caminho, e caminhou para fazer muitas contribuições significativas à teoria de tudo.

Além disso, Newton era considerado arrogante, muito confiante de si, que geralmente fazia uso de sua autoridade para desqualificar a opinião de outros. Dirac, por outro lado, era um jovem tímido, franzino, dócil, que sofria de ansiedade se fosse forçado a qualquer tipo de conversa típica. Ele inventou o termo férmion em homenagem ao físico italiano Enrico Fermi, apesar de ter trabalhado na equação que governa o comportamento de férmions.

Então aí está um pequeno resumo do homem que foi Paul Dirac. Infelizmente, ele nunca foi popularizado o bastante. Na verdade, quase ninguém sabe sobre quem ele foi ou o que ele fez em sua carreira científica. Ainda assim, seu trabalho é de extrema importância à eletrônica, especialmente em como os elétrons fluem nos transistores, dispositivos que são a base de qualquer computador moderno.

E mais importante: sua maior descoberta, a previsão da antipartícula, inspirou vários textos de ficção científica a criar um mundo espelhado em suas histórias, no qual em uma colisão com o mundo real, geraria uma sequência de eventos catastróficos nas vidas de seus personagens. Isso é baseado no trabalho de Dirac que, quando a matéria e a antimatérica colidem, elas se aniquilam.

No começo do século vinte, Dirac, que tinha acabado de completar seu diploma de engenharia, estava desempregado. Mas isso fez ele escolher matemática como carreira — ainda bem! Pois uma grande revolução quântica estava ocorrendo: Dirac, que tinha permanecido como observador, estava entusiasmado em fazer parte disso.

Todos na época estavam falando sobre um jovem físico austríaco chamado Erwin Schrödinger. Ele tinha acabado de formular a mecânica ondulatória, isto é, uma equação que explicava o comportamento do elétron dentro de um átomo. A então chamada equação da onda dava a probabilidade de encontrar o elétron em qualquer ponto dentro do átomo.

Dirac percebeu que a equação da onda de Schrödinger era inconsistente com a teoria especial da relatividade. Em outras palavras, mesmo que a equação fosse suficiente para descrever o movimento eletrônico a baixas velocidades, ainda assim era incapaz de fazer o mesmo a velocidades próximas a da luz. Dirac assumiu o desafio de encontrar uma solução para esse problema.

Ao contrário dos outros físicos, que insistiam que as revelações na física são firmemente fundamentadas em dados experimentais (e com razão), Dirac se baseou fortemente em consistência matemática. Para ele, se a equação que ele encontrasse tivesse beleza matemática, então ele assumia que estava no caminho certo. Isso apenas atesta que Paul Dirac era mais um matemático que um físico convicto.

Depois de muitos anos, em 1928, Dirac modificou a equação de Schrödinger para fazê-la concordar com a relatividade especial de Einstein. Sua equação inovadora também definiu os conceitos de spin e momento magnético do elétron. Ao desenvolver sua equação, Dirac percebeu que a famosa relação energia-massa de Einstein, E=mc², estava apenas parcialmente certa. A fórmula correta, ele alegou, deveria ser Emc², o sinal negativo porque devemos pegar a raiz quadrada de E²=m²c⁴, que de fato era uma correção sutil.

Mas então, de acordo com um axioma da física, partículas de matéria tendem a um estado de menor energia. Portanto, o sinal negativo em E=mc² implicaria que todos os elétrons caem a um estado de energia negativa infinita. Esse processo poderia continuar eternamente gerando uma quantidade infinita de energia!

Claramente, esse não era o caso no universo estável e atual; elétrons reais não se comportam dessa forma. Então isso fez Dirac pensar em uma solução para o problema: ele propôs um modelo teórico chamado de Mar de Dirac, em que imaginou que todos os estados de energia negativa estariam na verdade ocupados, significando que um elétron em um estado positivo não poderia cair para um estado de energia negativa (já que, de acordo com o princípio de exclusão de Pauli, dois elétrons não podem compartilhar o mesmo estado).

Se fosse fornecida energia suficiente para uma partícula desse mar de energia negativa, seria possível fazê-la subir para um estado de energia positiva. Um “buraco” resultante seria criado no mar de energia negativa. Esse buraco teria a mesma massa que o elétron original mas se comportaria como uma partícula de carga positiva.

Dirac escreveu em 1931, depois de uma sugestão de Oppenheimer, que esse buraco era um anti-elétron; uma recombinação com um elétron aniquilaria ambos. Pois quando o elétron entra em contato com o buraco ele espontaneamente  o preenche, e consequentemente deve ser liberado o excesso de energia corrrespondente.

Em 1932, enquanto examinava a composição de raios cósmicos, partículas de alta energia que movem-se através do espaço aproximadamente à velocidade da luz, o físico americano Carl Anderson descobriu o pósitron. Ele observou que uma partícula específica no raio comportava-se de forma incomum. A trajetória sugeria que essa partícula tinha que ter carga positiva mas ao mesmo tempo a razão 1/1836 da massa de um próton, exatamente a do elétron.

Em sua palestra do Prêmio Nobel em 1933, Dirac sugeriu que o par partícula-antipartícula deve ser uma simetria fundamental da natureza. Ele interpretou que a equação de Dirac significava que para toda partícula deve existir uma antipartícula correspondente, coincidindo exatamente a massa da partícula mas com carga oposta. Em 1955, o antipróton foi descoberto por físicos da Universidade da Califórnia, Berkeley.

O sucesso da equação de Dirac mostra que um resultado matemático pode se manifestar no mundo real. Paul Dirac uma vez disse, “Se você for receptivo e humilde, a matemática o levará pelas mãos”. Isso é basicamente verdade; seu trabalho é descrito em total igualdade com os trabalhos de Newton, Maxwell e Einstein. Dirac era, sem dúvida, um gênio.

 

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Traduzido por Robson da Silva Oliboni.

Publicado em 14/03/2023, na categoria Notícias.