Vamos falar sobre séries (e cinema)

Para o cinema, uma das maiores discussões recentes é sua capacidade de reinventar-se. As séries estão logo ali roubando o que há de melhor (em talento e investimento).

por Vinicius P. Colares

Imagine o seguinte cenário. Você é um roteirista trabalhando em conjunto comigo. Eu tenho a ideia para um pré-projeto bem definido, mas gostaria que você me ajudasse no desenvolvimento do roteiro.

O que eu tenho até agora é: um serial killer que mata um número X de pessoas (mais do que cinco) sem nenhuma relação aparente entre si a priori. Para resolver o caso eu pensei em uma dupla de detetives (um é experiente e outro um novato naquela região). Um deles é solteiro e se mantém assim graças a um affair “mal resolvido” e o outro é casado e bem resolvido – seja lá o que isso significa. Quero que, além da trama, o traço psicológico dos dois fique evidente. Quero que esse caso mexa com a cabeça dos dois.

Você aceita o desafio. Ótimo. A minha primeira pergunta, na nossa primeira reunião, é: vamos fazer um roteiro pensando em uma produção para o cinema ou para a TV? Vai ser um movie ou um TV show?

O Poderoso… Walter White

Não é tão recente assim a discussão filmes x séries. Entendemos melhor essa relação lendo os termos em inglês – movies e TV show, respectivamente.

Tudo tem uma origem. O ponto de confronto – arrisco – ganhou força em 1999 com a lendária Os Sopranos. A série que iria durar oito anos, ganhou crítica (TV Guide considerou a melhor série de TV de todos os tempos) e público (a segunda série mais assistida da história da HBO – perdendo para Game of Thrones).

Esse sucesso acendeu definitivamente a discussão entre roteiristas e produtores que viam nas séries o futuro. Alguns dizem que esse já é o presente. As grandes – e mais recentes – Homeland, Breaking Bad e House of Cards desconstroem a ideia de que não se encontram nas séries as grandes atuações guardadas para o cinema. O que falar das atuações de Kevin Spacey e Bryan Cranston? E Damian Lewis e seu Nicholas Brody?

O caráter folhetinesco das séries também soa imbatível. O folhetim, presença confirmada nos jornais do século XIX, prendia o leitor (a ansiedade pelo episódio da semana seguinte não é novidade) e o obrigava a ter uma relação próxima com seus heróis. Como é possível concorrer com uma trama que vai lhe exigir horas e horas de atenção em relação a um filme e seus meros 90 minutos? A resposta está na pergunta.

Pouco é muito

Está no próprio cinema a possibilidade de reinventar-se. O que parece ser um percalço pode ser favorável e até os Oscars estão percebendo. A vitória do Birdman, de Alejandro Inãrritu, fala por si. A capacidade do diretor foi posta a prova no momento que resolveu criar personagens profundos em uma trama atual e que criticava a regra do jogo (os blockbusters).

Essa é a saída do cinema. Roteiristas, produtores e, cada vez mais, atores estão vendo nas séries uma possibilidade de liberdade maior. Os exemplos de Kevin Spacey e Matthew McConaughey são pontuais. Dois dos maiores atores de suas gerações trouxeram duas das suas melhores atuações recentemente, em séries. Spacey em House of Cards e o vencedor do Oscar (2014) em True Detective.

Essa série, inclusive, inspirou o hipotético roteiro do início deste texto. McConaughey e Woody Harrelson formam umas das melhores duplas de detetives da história – se comparados com cinema e séries – e vão atrás de um serial killer complexo e que muda definitivamente a vida dos dois.

Imagem: Divulgação

Imagem: Divulgação

Mas, esperem…

Não é essa também a base de Seven (Sete Pecados Mortais), filme de David Fincher? Brad Pitt e Morgan Freeman não se encaixariam no roteiro que vamos criar juntos? Os personagens dos dois podem – e devem – ser comparados à dupla de True Detective.

Ambas as obras fogem da obviedade, surpreendem. São comparáveis às melhores produções audiovisuais – do cinema ou das séries de TV –, e servem como base para atuações poderosas. Em 12 ou 2 horas, deve ser levado em conta o conteúdo dessas produções. Um conto ou um romance não são superiores ou inferiores por serem conto ou romance. O que vale é o seu conteúdo.

Ao cinema, portanto, cabe a reinvenção. Às séries a busca pela novidade, sempre.

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