Quando a tecnologia vira vício: Avanço da dependência em smartphones aumenta no mundo todo

Dependência do uso de celulares vem crescendo no mundo todo. Foto: divulgação/Jeshoo

Por Lia Xavier

Talvez você esteja lendo essa notícia no celular, enquanto espera uma resposta em algum aplicativo de conversa ou uma nova notificação de curtida nas redes sociais. Chega a ser automático agir dessa forma, já que os smartphones têm se tornado parte indispensável do cotidiano. Mas você já parou pra pensar quanto tempo gasta em frente a essa tela?

Há quem estime uma frequência de cerca de 100 consultas diárias ao aparelho. Contudo, um estudo recente comprova que esse número vai muito além de uma centena. São cerca de 2.500 interações diárias, aproximadamente 145 minutos (duas horas e 25 minutos) de uso do celular. Para algumas pessoas essa interação é tão forte, que a mínima ideia de ficar longe do aparelho de telefone causa pavor, a nomofobia. O termo, cunhado no Reino Unido (em inglês no mobile telephone phobia), também pode ser utilizado para tratar sobre a dependência do telefone.

Para Manuela*, estudante de pedagogia, denominar a compulsão como vício foi algo que demorou a acontecer, apesar de todos os comentários de quem estava à sua volta. “Não conseguia perceber quanto tempo eu ficava a frente do telefone, adiando estudos e procrastinando as tarefas de casa. Para mim, era algo normal, demorou um tempo para eu perceber que isso ‘tava’ se tornando um problema”, comenta a estudante.

Cena da série distópica Black Mirror. Imagem: Divulgação/Netflix

Estudo da Universidade Estadual de São Francisco, Califórnia, mostra que o comportamento de um viciado em telefonia pode ser comparado com o uso de substâncias psicoativas, já que o uso constante de smartphone forma conexões similares a quem abusa de opiáceos, como oxicodona, remédio para aliviar dores.

O Brasil é o quarto país que mais utiliza a internet, ficando atrás apenas de Estados Unidos, Índia e China, segundo dados do relatório da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), e o quinto com maior número de smartphones do mundo, com 220 milhões de aparelhos em uso em fevereiro deste ano, número que chega ser maior que a própria população brasileira – 207,6 milhões de habitantes, segundo dados recentes do IBGE.

Mas Manuela é quase uma exceção. Em sua grande maioria, quem sofre com a nomofobia são homens, brancos e em idade entre o fim do ensino médio e a faculdade – entre os 17 e 25 anos. Hilarie Cash, cofundadora do programa reSTART de Seattle, nos Estados Unidos, vê isso como uma forma de afastamento social. “Quando vejo garotas adolescentes, elas querem se unir, garotos querem se isolar socialmente frente a uma tela” comenta Hilarie. O programa de Cash pode ser considerado um dos mais severos dos EUA, já que durante a primeira fase do tratamento, deixa os internos durante dois meses sem nenhum acesso às tecnologias. Nas fases dois e três é o período de transição de volta, os acessos são limitados e começam sendo vigiados até que os pacientes chegam ao estágio de autogerirem seu consumo de internet e jogos.

“Eu acabava brigando muito com todo mundo. Meu ex-namorado ficava bastante incomodado porque enquanto estávamos juntos, eu não tirava os olhos do celular, e muitas vezes nem estava no Whatsapp ou Facebook, era jogando alguma coisa mesmo. Eu não via problemas, achava que ele implicava demais”, relata a jovem que afirma que o relacionamento terminou por causa do uso abusivo do celular. “Chegou um ponto em que ele não aguentou mais. Foi ali que percebi que precisava de ajuda.”

No Brasil, centros de reabilitações em vícios digitais são poucas, principalmente por esse tipo dependência ser algo relativamente novo. Atualmente o Hospital de Clínicas da Universidade de São Paulo já oferece o tratamento, e também o Instituto Delete, no Rio de Janeiro.

Com Manuela, o tratamento está sendo feito com psicoterapia. “O começo foi complicado, é difícil assumir que se tem esse vício. Para muitos pode parecer bobagem, mas isso traz tanta dor na vida da gente… Agora ‘tô’ melhor e falo com menos vergonha sobre isso”.

Para aqueles que acham que usam o smartphone em excesso e querem ter controle sobre o tempo passado ao celular, a tecnologia te ajuda a manter-se longe da tecnologia. Já existem aplicativos que monitoram e controlam o consumo. Abaixo, trazemos alguns deles:

Forrest (Android e iOS): Você planta uma árvore e determina o período em que ela deve crescer (entre 5 e 120 minutos) e enquanto você não utiliza o seu telefone, o crescimento e a vida dela está garantida. Se você não conseguir passar o tempo estipulado longe do celular, a árvore morre. Caso cumpra direitinho prazo estipulado, você ganha moedas para comprar novas árvores a serem plantas. Uma boa tática para plantas mais árvores e parar com a procrastinação na vida real.

Menthal (Android): Esse aplicativo mede o tempo que você gasta em olhando o celular e traz um relatório sobre as redes sociais que vocês mais usa.

Mas é bom lembrar, caso você conheça alguém – ou até você mesmo – que fica muito tempo no celular e considere isso preocupante, auxilie-o a buscar ajuda. É importante manter-se saudável.

* Nome alterado a pedido da entrevistada que não quis ser identificada.

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