O corte de 30% e por que precisamos romper a bolha acadêmica

A manifestação contou com grande número de estudantes no dia três de maio. Imagem: Tabaquara Cruz Filho

Por Nágila Rodrigues

Alunos da Universidade Federal de Pelotas mobilizaram-se, no dia três de maio, contra as ações do governo Bolsonaro. Faixas, cartazes, gritos de protesto e caminhada bloqueando o trânsito das principais ruas do centro de Pelotas, conduziram a manifestação. O dia anterior, havia caído feito uma bomba no setor educacional brasileiro, o Ministério da Educação (MEC), estabeleceu a medida de corte de 30% no orçamento de todas as universidades e institutos federais.

A Universidade Federal de Pelotas (UFPel) , por meio de comunicado do reitor, Pedro Hallal, tornou pública a possibilidade de fechar suas portas em setembro deste ano. Desta forma, o movimento estudantil organizou-se, e nós sabemos que ele é uma das principais fontes de luta pela democracia, uma das peças-chave no que diz respeito à garantia de direitos da sociedade em geral.

Eu acompanhei o protesto sabendo de sua legitimidade e inegável importância. Entretanto, enquanto caminhava pelas ruas, minha atenção era voltada para outra peça fundamental na constituição de uma sociedade igualitária e insubordinada aos métodos de qualquer governo que pretenda sucatear a própria estrutura estatal, visando servir exclusivamente aos donos do monopólio econômico. Essa peça chama-se: trabalhador.

Durante todo o trajeto eu conversei com populares que ocupavam as calçadas olhando as reivindicações estudantis. Alguns saíram das lojas, onde trabalhavam, outros tinham acabado de soltar o serviço, outros estavam operando em obras da construção civil. Das coisas que mais me chamaram a atenção: muitos apoiavam os estudantes; alguns não sabiam o motivo dos estudantes estarem na rua, sequer sabiam do corte; outros apoiavam, sabiam o motivo, mas viam a universidade como uma instituição alheia. Não sabiam mensurar o impacto do possível fechamento da UFPel em suas próprias vidas.

O grito acadêmico que tomou as ruas de Pelotas. Imagem: Tabaquara Cruz Filho

Não é de hoje que se fala em aproximar a academia da população em geral, principalmente daqueles que têm menos acesso ao conhecimento, dada suas circunstâncias de vida. Ao conversar com essas pessoas, percebi que lhes é passada a imagem de que os universitários estão lutando pelos próprios direitos, e por isso estão corretos, não que além de assegurar os próprios direitos, o movimento estudantil acaba defendendo todo uma estrutura coletiva que depende da universidade para continuar sobrevivendo.

Além de propiciar avanços sociais por meio da pesquisa científica, a UFPel ampara a comunidade pelotense por meio de iniciativas como o Hospital Escola, os postos de saúde em bairros da periferia e no Capão do Leão, e indiretamente, por interferir no fluxo positivo do mercado imobiliário, do comércio, e a criação de empregos que ajudam a movimentar a economia local.

O que podemos tirar de lição é que a universidade ainda não conversa de igual para igual com o resto da população. Ainda está presa à bolha acadêmica, a qual é de suma importância, mas precisa mostrar constantemente a sua potência, se o povo não deixar de ver o ambiente universitário como um universo paralelo ao seu ambiente cotidiano, será quase impossível impedir que governos conservadores e despreparados como o  atual voltem ao poder. Porque ninguém defende aquilo que não se sente abraçado.

E o populismo bolsonarista, independente da sua tosqueira, soube comover aqueles pouco informados e indignados, principalmente, com a violência. Não entrarei em detalhes aqui, a respeito daqueles que se sentiram representados pela forma preconceituosa com que o presidente se comporta, isso é assunto para outra faceta do espelho simbólico que o Bolsonaro representa.

Muitas das pessoas com que falei diziam-se arrependidas do voto em Bolsonaro, quando questionadas sobre o motivo de tê-lo escolhido, atribuíam ao fato de querer mudança, no entanto, estavam decepcionadas. Vários diziam querer votar em Lula, mas como não foi possível, Bolsonaro pareceu a melhor opção. Nossa população, de certa forma, não avalia a lógica, posicionamentos políticos, planos de governo. A imagem, o simbolismo e aquilo que lhes toca emocionalmente, permeado pelos mais diversos valores individuais, fala mais alto na hora de escolher seu representante. E isso também é falta de instrução, caso não o fosse, não estariam arrependidos.

Ninguém se opôs aos estudantes, todos os entrevistados, os que já sabiam o porquê do protesto e aqueles aos quais eu acabava explicando, legitimavam o ato. Mais do que nunca, o papel da universidade, dos professores e alunos é organizar esse espaço que parece tão distante para a população como uma fonte de luta e acolhimento aos trabalhadores e aos estudantes da educação básica. A alternativa para derrotar um governo ultraconservador é a união das classes combativas formando um organismo pautado pela autodefesa e entendimento do poder popular.

 

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