“Meu Corpo”: além de um corpo

Por Victória Silva/Em Pauta

Capa da versão inglês de “Meu Corpo” (“My Body”). Foto: Reprodução/@emrata no Instagram

Em “Meu Corpo” (“My Body”, no título original), a modelo, atriz e ativista Emily Ratajkowski se despe de todos os filtros e mergulha de corpo e mente nas suas memórias, trazendo à tona reflexões poderosas sobre empoderamento, exposição e poder. Publicado pela Editora Buzz no Brasil em março de 2022, o livro ensaístico, e de estreia de Ratajkowski, é um best-seller do “The New York Times”.

Antes de iniciar a leitura, é preciso se ater à proposta da obra. A ideia não é apresentar discussões inéditas sobre misoginia na moda, e sim compartilhar as experiências e os pensamentos de uma mulher cis e branca que sentiu na pele o sexismo dentro e fora desse meio. “O objetivo deste livro não é chegar a respostas, mas explorar honestamente ideias para as quais não consigo deixar de voltar”, Ratajkowski escreve. “Estes ensaios relatam as experiências profundamente pessoais e o posterior despertar que definiu a casa dos meus vinte anos e transformou minhas crenças e minhas convicções políticas”.

Dividido em 12 ensaios, “Meu Corpo” trata de situações em que Emily se viu em conflito, de alguma forma, com o próprio corpo. Com uma narrativa franca, às vezes brutal e autorreflexiva, a modelo descreve desde a sua obsessão para atender a um padrão de beleza desde a infância e os abusos sexuais de um relacionamento na adolescência até os assédios nos bastidores da modelagem e as consequências da capitalização da sua imagem. A autora ainda é autocrítica: reconhece os seus erros, principalmente quando admite que também julgava outras mulheres. “Eu pensava nela como sexy e nada mais”, Ratajkowski escreve sobre a atriz norte-americana Demi Moore, lembrada por sua atuação em Ghost (1990).

A modelo Emily Ratajkowski com o seu livro de estreia, “Meu Corpo”. Foto: Reprodução/@emrata no Instagram

“Aos vinte e poucos anos, nunca havia me ocorrido que as mulheres que obtinham poder com sua beleza estavam em dívida com os homens cujo desejo, para começo de conversa, foi o que lhes concedera esse poder. Eram esses homens que estavam no controle, não as mulheres que o mundo bajula. Encarar a realidade da dinâmica que estava em jogo teria significado para mim admitir quão limitado meu poder realmente era – quão limitado é o poder de qualquer mulher quando ela ganha a vida e até obtém sucesso no mundo como uma coisa a ser observada”.

Dois ensaios se destacam: “Blurred Lines” e “Comprar-me de volta”. O primeiro aborda o controverso clipe de “Blurred Lines”, hit de 2013 composto e interpretado pelos artistas Robin Thicke, Pharrell e T.I. Aos 21 anos, Emily Ratajkowski ganhou as manchetes ao participar do videoclipe, no qual ela e outras duas modelos dançam seminuas e, por isso, na época, como a própria Emily relembra no livro, o clipe dirigido por Diane Martel foi taxado de misógino. O clipe lançou Emily à fama, ao mesmo tempo que trouxe um julgamento à sua imagem. Em “Meu Corpo”, Emily ainda fala pela primeira vez de um episódio de assédio durante as filmagens de “Blurred Lines”.

O segundo, “Comprar-me de volta”, a modelo retrata a falta de controle quanto à própria imagem, citando os processos de direitos de uso de imagem com paparazzis, os vazamentos de fotos pessoais na internet e os livros com fotos de sua nudez publicados pelo fotógrafo Jonathan Leder sem a sua autorização. “Meu Corpo”, portanto, é a resposta de Emily Ratajkowski a todas as situações de sua vida em que não se sentiu no controle. Para além das inúmeras reflexões que podem ser feitas a partir da leitura, a obra ainda entrega ao leitor uma escrita articulada, ágil e cativante. Uma estreia e tanto de Ratajkowski.

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