Projeto de oficinas de vídeo experimental discente

Jéssica Thaís Demarchi
Mestranda Artes Visuais /UFPel

O presente relato pretende elucidar de maneira muito breve, um respiro a respeito da pesquisa de mestrado que venho realizando no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da Universidade Federal de Pelotas.
A pesquisa em questão consiste em um projeto de oficinas de vídeo experimental discente na conjuntura do ensino de Arte como uma tentativa de criar possíveis antídotos que se contraponham aos estímulos uniformizadores das subjetividades difundidos pela grande mídia. No trabalho em questão a grande mídia refere-se, sobretudo, à indústria cultural no sentido dos canais de maior audiência da televisão aberta brasileira .
As discussões acerca da indústria cultural serão tecidas principalmente com base em Theodor Adorno (2016) e Guy Debord (1997). Mas, como nesta ocasião daremos ênfase ao programa das oficinas que serão realizadas neste ano com uma turma da graduação em Artes Visuais da UFPel na disciplina de “Ateliê de Vídeo” e outra turma de ensino fundamental, por hora é mais importante que falemos um pouco sobre a lógica ecosófica em Félix Guattari (2001).
Através de poucas e densas palavras, o autor esclarece que a nossa experiência de vida vem sendo gangrenada pela mídia. O presente trabalho está impulsionado a buscar métodos para nadar em uma maré contrária à essa “gangrena” causada pelos estímulos uniformizadores da consciência emitidos pelos meios de massa. Nesse sentido, o contato com a ecosofia na pesquisa auxiliou na percepção de que a produção discente de audiovisual experimental poderia auxiliar na produção de “antídotos para a uniformização midiática e telemática, o conformismo das modas, as manipulações da opinião pela publicidade, pelas sondagens etc” (GUATTARI, p. 16).
Explorando relações de poder existentes nas estruturas de bens, de serviços e de produção de signos que vem se instaurando na sociedade, Guattari explica que a relação da subjetividade (seja ela vegetal, social, cósmica ou animal) com sua exterioridade vem sofrendo um processo de involução, de forma que o singular vai dissipando suas peculiaridades. Buscando uma reflexão sobre o futuro das maneiras de viver em sociedade no planeta, o autor complementa dizendo que:

As formações políticas e as instâncias executivas parecem totalmente incapazes de apreender essa problemática no conjunto de suas implicações. Apesar de estarem começando a tomar uma consciência parcial dos perigos mais evidentes que ameaçam o meio ambiente natural de nossas sociedades, elas geralmente se contentam em abordar o campo dos danos industriais e, ainda assim, unicamente numa perspectiva tecnocrática, ao passo que só uma articulação ético-política — a que chamo ecosofia — entre os três registros ecológicos (o do meio ambiente, o das relações sociais e o da subjetividade humana) é que poderia esclarecer convenientemente tais questões. (2001, p.8)

O autor vê na prática ecosófica, um vigor de confronto contra as brutas consequências do capitalismo pós-industrial, o qual ele prefere denominar como Capitalismo Mundial Integrado (CMI). Para ele, os princípios cultivados por esta norma econômica estão propensos a espargir sua pujança não só pelos mecanismos de produção de bens e serviços, mas também através dos veículos de comunicação de massa. A corpulenta parceria estabelecida entre o sistema regido pelo capital e a mídia auxilia na conservação dos valores preconceituosos e segregativos entre imigrados, mulheres, negros e toda uma gigante porção populacional que tem sido incansavelmente inferiorizada e explorada.
Pensando nas formas como a grande mídia nutre essas sementes de dominação e consumo, as oficinas de vídeo experimental são pensadas como um instrumento que auxilie os jovens em um processo em que eles sejam produtores de significações, e não apenas consumidores. Mais do que isso, deseja-se problematizar os conteúdos veiculados pelos meios de massa lançando sobre eles um olhar mais crítico e sensível do que muitos estão acostumados. Além de questionar esses materiais, serão exploradas também videoartes e quaisquer outros audiovisuais que possam ajudar no processo de uma ressingularização que se coloque na linha de combate contra a estandardização dos comportamentos alimentada pela mídia através da reprodução cíclica, com novas roupagens, dos mesmos tipos de informação.
Optou-se pelo vídeo experimental uma vez que, já que o intento é problematizar os traços da grande mídia, é importante que não compactuemos com seus padrões estéticos de imagem. Por isso, o experimental servirá como a tentativa da descoberta do novo sem compromisso com o circuito comercial, como uma produção de signos que surgem de uma experiência em que os estudantes possam estar o mais livres quanto for possível para criar.
Nesse sentido, o processo de criação é o ponto chave das oficinas. Não serão realizadas aulas destinadas exclusivamente para a explicitação de técnicas tradicionais da produção audiovisual como roteiro, direção, iluminação, enquadramentos ou edição. Conforme as necessidades dos alunos forem aflorando, poderemos explorar algumas dessas técnicas, mas sem que haja a necessidade de um domínio técnico avançado ou com ideais visuais enaltecidos pela grande mídia.
Então, o desenvolvimento das oficinas será feito através de bate papos coletivos que nos ajudarão a discutir os modos de vida na contemporaneidade, as implicações dos meios de massa em nossos modos de agir e a lógica ecosófica. Alguns assuntos serão levados como sugestão de pauta, mas conforme os participantes da turma forem se conhecendo, poderemos pensar quais serão os tópicos abordados para que melhor atendam aos interesses e necessidades do grupo.
Além dos diálogos, também serão propostas algumas experiências na tentativa de colocar em prática algumas das ideias levantadas durantes as discussões. Nesse processo é que será proposta a produção dos vídeos experimentais, ou seja, não haverão momentos preestabelecidos para a produção audiovisual e para as experiências. Eles estarão imbricados um no outro e vão ir acontecendo conforme o ritmo em que cada um dos participantes for sentindo-se capaz e desejar produzir sentidos para expressar os pensamentos que forem surgindo.
Exemplo de uma dessas experiências pode ser visto através de um breve esboço daquilo que poderá ser uma das oficinas chamada de Oficina da luneta de papel:
Nesta ocasião, será proposto um recorte singular no olhar: os participantes serão provocados a percorrer trajetos cotidianos, porém segurando um canudo – a luneta em questão – feito de papel sobre um olho, sendo que o outro olho estará fechado. A experiência visa proporcionar uma ressingularização do olhar por meio de um desconforto momentâneo (causado pela limitação da capacidade visual) que busca desterritorializar um olhar acostumado/viciado pelos estímulos midiáticos. A pequena luneta de papel, inspirada em uma ação realizada por Cláudio Tarouco de Azevedo (2013), é capaz de gerar uma nova moldura ao olhar, fazendo com que este precise adaptar-se à nova condição.
Essa ação vislumbra “uma estética que brota de um recorte, de um novo que surge com a limitação do olhar e que, paradoxalmente, amplia esse olhar” (ibid., p. 234). Através da momentânea limitação do olhar afunilado no canudo, nasce a provocação de uma maior atenção aos detalhes e direções que vão sendo percorridas. Em função dessa experiência peculiar, o olhar fica à margem de modificações que tendem à aguçar sua sensibilização, culminando em um olhar que desabrolha desse enquadramento singularmente meticuloso.
Esta oficina já foi realizada pela pesquisadora uma vez sob o título Vídeo Experimental – Olhar Sensível como um teste. A ação foi executada de maneira voluntária na 4º Semana Acadêmica dos Cursos Técnicos de Comunicação Visual e Design de Interiores, promovida pela Coordenadoria de Design do Instituto Federal Sul-rio-grandense, campus Pelotas. A produção e a análise dos dados sobre a experiência estão em curso e serão apresentadas no primeiro trimestre de 2018, na ocasião da dissertação referente ao trabalho do qual estamos falando.
Algumas das outras oficinas que serão propostas giram em torno de experiências relacionadas à devires humanos e não humanos, à questão da representatividade, da solidariedade e de possibilidades de reciclar materiais ao invés de consumir desenfreadamente.
Por intermédio das oficinas, vislumbra-se um trabalho que possa ramificar em frutuosas possibilidades de relações humanas e inumanas solidárias e de estruturação de um corpo social que se institua através de subjetividades enriquecidas pela valorização das formas raras de vida, da dessemelhança e das peculiaridades.
A ação pretende produzir dados que possam dar suporte para outros educadores que estejam dispostos a construir um processo de ensino e aprendizagem pluralizado e que, mais do que respeitar, valorize a potencialidade criadora da diferença e da singularidade como possibilidade de novos modos de vida mais justos e solidários.

Referências:

ADORNO. Theodor. Indústria cultural e sociedade. 10. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2016.
AZEVEDO, C. T. Por uma educação ambiental biorrizomática: cartografando devires e clinamens através de processos de criação e poéticas audiovisuais. 2013. 350 f. Tese (Doutorado em Educação Ambiental) – Universidade Federal do Rio Grande, Rio Grande. 2013.
DEBORD. Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.
GUATTARI, Félix. As três ecologias. 11. ed. Campinas: Papirus, 2001.
MACHADO, Arlindo. Pioneiros do vídeo e do cinema experimental na América Latina. Significação: Revista de Cultura Audiovisual, São Paulo, v. 37, n. 33, p. 21-40, jun./set. 2010.