Prof. Dr. Marcos Antônio Arturo Sebastiani Artecona

Entrevista realizada em 04/08/2014 com o Prof. Dr. Marcos Antônio Arturo Sebastiani Artecona em sua residência em Porto Alegre/RS.

Breve Biografia: o Prof. Marcos Antônio Arturo Sebastiani Artecona possui graduação em Licenciatura em Ciências Matemáticas pela Universidad Nacional de Buenos Aires (1964) e doutorado em Doctorat Ès Sciences Mathématiques Doctorat D’etat pela Université de Paris (1970). Foi professor na titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e atualmente está aposentado da docência.

Riemannianos: Vimos que o senhor concluiu o Doutorado em Ciências Matemáticas na França em 1970 e tem o título de Doutorado de Estado. O que é Doutorado de Estado?

Dr. Sebastiani: Seria o grau final da carreira de matemática e é o grau que habilitava para ser professor. Para ser professor na França, tem que ter o Doutorado de Estado. Então não foi por um programa do Governo Federal? Não, não. Fui para lá e meu orientador, René Thom, disse que eu poderia ser aluno dele, como aluno de Doutorado de Estado. René Thon trabalhava no IHES – Intitut de Hautes Études Scientifiques, na França. Eu era aluno da Universidade de Paris, mas ele era meu diretor de Tese. E quanto tempo durou seu Doutorado? Passei sete anos muito bons pois recebia fomento de órgão do governo francês que é o equivalente ao CNPqi. Eu recebia um salário muito bom para não fazer nada, mas era o que meu orientador me dizia. E como ele me falava para fazer o que quisesse, eu fazia o que eu queria. Mas ele era muito exigente. Cada vez que eu apresentava meus trabalhos, ele nunca ficava satisfeito. Dizia “um pouco mais, um pouco mais…” . Após idas e vindas para o Uruguay – por problemas pessoais – aos 23 anos e recebi o Doutorado, em 1970, com quase 29 anos. Lá era normal receber o doutorado de Estado com essa idade. Ás vezes as pessoas prolongavam esse período, eu mesmo prolonguei um pouco a defesa da Tese pois a pessoa já ficava na CNRSii, assim, sem obrigação de ensinar. Era bom. A pessoa publicava o resumo da Tese para ter reservado o resultado e depois podia apresentar a Tese quando quisesse. Não tinha um prazo então? Não, não. Tudo dependia do meu orientador. Ele tinha a Medalha Fieldsiii. Considerava ele o “Pontificado”, o que ele mandava fazer, eu fazia (risos).

Riemannianos: Qual foi sua motivação para realizar o Doutorado na França?

Dr. Sebastiani: Eu queria estudar questões relacionadas a Topologia e Geometria Algébrica e não havia nem no Uruguai, nem na Argentina nível suficiente para fazer um Doutorado. Tinha outras especialidades nesses lugares, mas não havia essas especialidades que eu gostaria de desenvolver. Só poderia fazer em um lugar mais desenvolvido, e consegui uma bolsa para ir a Paris.

Riemannianos: Quando e como começou o gosto pela matemática?

Dr. Sebastiani: Foi no ensino médio. No Uruguai, nessa época, era muito bom, os professores me estimularam e comecei a gostar de Geometria. E por aí segui. Claro que o nível de estudos no Liceoiv era muito bom. Eu tinha 13 anos quando comecei a estudar Geometria Racional, onde ensinavam o que era uma demonstração. Com 13 anos!!? Sim, no segundo ano do Liceo, 13 anos é a idade média e a pessoa tinha que fazer a demonstração. Quando o professor nos mandava ao quadro negro e se usássemos algo da figura que lá estava, se não estivesse justificado, tínhamos que demonstrar na figura e dizia “na figura se vê, mas isto não está provado”. E depois me deram os livros de Enricov e Amaldivi muito bons. Enrico é um grande geômetra algébrico italiano, já falecido, claro, no início do século XX. É um livro de geometria elementar, mas tem muitos exercícios e a professora me disse “tens que resolver TODOS os exercícios”. Mas foi daí me me entusiasmei. Eu tenho dificuldade para fazer demonstrações, e o senhor já fazia aos 13! Todo mundo tem dificuldade, ESSA é a dificuldade da matemática. Demonstrar uma coisa que parece tão óbvia.

Riemannianos: Gostaria de fazer alguma comparação de como era e como está o ensino universitário da matemática e consequentemente como estão os alunos?

Dr. Sebastiani: Isso eu não poderia responder por que como digo, há 10 anos que estou aposentado e não tenho mais contato com o ensino. Tenho contato com alguns pesquisadores. O que o senhor tem achado das pesquisas? O Brasil tem um desenvolvimento em pesquisa de matemática formidável! Parece que o Congresso da União Internacional de Matemática do ano 2018 vai ser aqui no Brasil e pela primeira vez na América Latina. Inclusive, foi pelo trabalho do IMPAvii. O IMPA tem formado e tem matemáticos de primeira linha. Os professores do IMPA atualmente, são como os professores de Paris, Princetonviii. Alguns alunos da UFPel estão se preparando para ir para a escola de verão do IMPA Isto é muito bom para o Brasil expandir a pesquisa matemática. O IMPA tem um nível muito bom. Tem pesquisadores formidáveis.

Riemannianos: Como desenvolver um talento em matemática?

Dr. Sebastiani: É uma pergunta difícil de responder. Normalmente das pessoas que tenho orientado, são pessoas que já vem com experiência. Não tenho trabalhado muito com ensino elementar (de matemática) somente com ensino de pós-graduação. São pessoas que já tem a orientação para a matemática. O que é delicado, é ver quando a pessoa começa, se tem talento para a matemática, se tem vocação. Isso é difícil de saber. Agora, quando a pessoa já está interessada, já vê que sua vocação é a matemática, aí sim já é mais fácil, de se entender. Ultimamente tenho ensinado na pós-graduação. Então, quem já fez graduação em matemática, está interessado em matemática.

Riemannianos: Como o sr. vê o futuro da matemática no Brasil? Que mudanças gostaria de ver?

Dr. Sebastiani: Sempre a pessoa deseja que o Estado dê mais recursos econômicos para favorecer o desenvolvimento de pesquisas. Mas, quanto a orientação geral dada pelo IMPA, eu acho que é excelente, não tenho nada a observar quanto a isso. Eles tem observado sempre o princípio de favorecer o trabalho científico de melhor nível e para julgar esses trabalhos científicos, é usada a opinião da comunidade científica internacional, para que não se forme “eu acho que fulano é um grande matemático”, mas o que acham na Alemanha, na França, na Russia? O que eles acham? Então esse ponto de vista que eles (o IMPA) tem adotado, de favorecer o melhor nível de pesquisa, tem que continuar. Por isso que eles tem uma concepção da pesquisa que não pode ser no sentido democrático usual, mas tem que pesar mais aquele que tem mais talento. É a única maneira de as coisas progredirem. Senão se forma uma massa medíocre que derruba o nível das pesquisas. Tem que ser muito cuidadoso.

As pessoas se julgam, à maneira de estimular a pesquisa, poderia dizer que Princeton, que é Top em Matemática, poderiam dizer “são idiotas”, pois mantiveram um indivíduo por anos, sem dar um seminário, sem publicar nada, sem falar com ninguém, só passeando pelos corredores. Mas esse indivíduo era Gödelix. Esse indivíduo morreu, quem sabe se não tivesse morrido, poderia ter feito alguma coisa formidável!. A pesquisa é sempre uma aposta. Mas isso foi permitido a Gödel, pelo que ele já havia feito. Não é uma coisa burocrática: “vamos ver quantos trabalhos foram publicados”. Não! O IMPA vê justamente isso, a importância (relevância) do trabalho. Pense num algebrista com 140 artigos publicados. Pode ser medíocre (em termos de relevância do trabalho). Por que ao invés de publicar qualquer coisa, tem que ser publicadas coisas importantes! Não se pode fazer 140 artigos importantes, mesmo sendo um gênio! Mas em relação a isso, o IMPA tem sido muito cuidadoso, creio que estão no caminho certo. A atividade científica não é uma atividade burocrática, pelo meu ponto de vista.

Riemannianos: Como o sr. sabe, somos um grupo que homenageia Riemann. Na sua opinião, qual foi a contribuição mais importante dele?

Dr. Sebastiani: E com razão! Normalmente se fala da matemática antes e depois de Riemann. Ele revolucionou. Sobretudo a ideia de introduzir a ideia de Geometria na Análise. Que para entender a teoria de funções tem que ver a geometria de certos objetos. Isso certamente foi uma revolução! A Superfície de Riemann é uma das coisas mais importantes! Talvez, historicamente, a mais conhecida. Mas é claro que ele fez outras coisas. Na Teoria Analítica de números. O estudo da função Zeta, a partir da qual ele define a função Zeta-Riemann, é um dos tópicos mais importantes de matemática! Mas, para mim, acho que o mais importante que ele fez foi introduzir essa ideia de geometria. De que para compreender Análise, tem que ter a geometria.

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Prof. Dr. Sebastiani e sua fiel companheira.

Referências:

i Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

ii Centre National de la Recherche Scientifique, França.

iii É equivalente ao Premio Nobel, já que não existe Prêmio Nobel em Matemática.

iv Colegio – Liceo Pallotti – Montevideo – Uruguay

v Bompiani Enrico (1889-1975), matemático italiano.

vi Ugo Amaldi (1875-1957), matemático italiano.

vii Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada.

viii Princeton University, New Jersey-USA

ix Kurt Friededrich Göedel (1906-1978), matemático austríaco, naturalizado americano.