Até iniciar a segunda metade do século XVIII, a região de Pelotas era um vasto território coberto de matas, habitado apenas por algumas tribos indígenas, com economia baseada na caça e na pesca (ARRIADA, 1994).
Após a assinatura do Tratado de Santo Ildefonso (1777), a posse do território gaúcho foi assegurada pela coroa portuguesa (MAESTRI, 2010), iniciando desta forma a concessão de sesmarias, que tinham como objetivo fortalecer, ocupar e explorar o estado.
Com a divisão do território em sesmarias, Pelotas, então chamada de São Francisco de Paula, começou a ser povoada. O surgimento das primeiras Charqueadas[1], e o consequente aumento da demanda de mão-de-obra escrava para atuar nestes estabelecimentos, fez com que a cidade tivesse um grande crescimento em poucos anos.
Este crescimento possibilitou que muitos filhos de charqueadores e pecuaristas estudassem em outras cidades e países (MAGALHÃES, 1993) e, com o seu retorno, voltassem com ideais abolicionistas.
Além disso, o surgimento de uma série de leis que anunciavam a futura extinção do trabalho escravo[2] impôs a Pelotas a necessidade de buscar novas possibilidades para a produção de alimentos, uma vez que a economia da cidade girava em torno da produção do charque. Este foi um dos fatores que levou à criação de colônias de imigração no espaço rural do município (ANJOS, 2006).
Além desta necessidade interna, a região que havia recebido os primeiros imigrantes no Rio Grande do Sul estava ficando saturada, e, com o forte crescimento das correntes migratórias, tornou-se necessária a busca de novos territórios (MANFROI, 2001). Este crescente interesse pela colonização se deu também devido à criação da Lei de Terras, que possibilitava, através da venda dos lotes, a obtenção de grandes lucros, por parte dos proprietários (MAESTRI, 2000).
O município de Pelotas, que no século XIX vivia no auge da produção saladeiril, cujos empreendimentos se concentravam nas margens do Arroio Pelotas, tinha, assim, grande parte do território em situação de relativo abandono. Muitas terras não eram adequadas nem à pecuária, nem ao plantio, devido ao grande número de cursos d’água e ao declive acentuado de certas regiões (ULLRICH, 1999).
Visando à posterior comercialização destes lotes, os latifundiários promoveram a demarcação/ocupação de grandes faixas destas terras localizadas na Serra dos Tapes (ANJOS, 2006).
No sentido de diversificação das atividades econômicas, criou-se, em 1882, a primeira colônia de imigrantes fundada pelo poder público no município de Pelotas, a chamada Colônia Municipal. Em 1885 o Governo Imperial implantou outros três núcleos: a Colônia Maciel, Accioli e Affonso Penna (FETTER, 2006), uma vez que iniciativas anteriores já haviam mostrado resultados positivos[3].
Percebe-se claramente a intenção de diversificação econômica, pois as terras recebidas pelos imigrantes do Governo Imperial eram destinadas à exploração independente de cada família, e estes deveriam dedicar-se inicialmente à agricultura e à suinocultura (PEIXOTO, 2003, p. 8).
Apesar de estes anos serem considerados os marcos da imigração, deve-se considerar o fato de que, em Pelotas, na zona urbana, era marcante a presença de estrangeiros, anteriormente a este período (ANJOS, 2006). Esta presença, segundo alguns autores, foi uma das grandes responsáveis pela vinda de mais imigrantes, devido ao fato destes imigrantes aqui estabelecidos fazerem uma intensa propaganda do Novo Mundo, como é o caso do texto de Ullrich (1999), escrito originalmente em 1898, e publicado em Berlin no mesmo ano.
Na chamada Colônia Maciel, localizada no atual 8º Distrito do Município de Pelotas, o marco da colonização é o ano de 1883, quando o Governo Imperial acabou por promover a vinda do que viria a ser a Primeira leva de imigrantes italianos. Há uma breve descrição sobre a chegada dos imigrantes, nas primeiras páginas do Livro Tombo da Igreja da Paróquia de Sant’Anna:
No ano de 1883 (ou 1884 – início da colonização) mais ou menos, mandaram dividir esta data de matos em lotes coloniais, e um ano depois introduziram alguns colonos (imigrantes) italianos da região do Vêneto, em sua maioria da Província de Treviso. No centro desta colônia, o governo mandou construir um Barracão, onde os emigrantes moraram por algum tempo, até colocá-los nos lotes coloniais. Aos primeiros que aqui chegaram, deu-se um lote urbano, perto de onde construíram o dito Barracão. Mais tarde [este] serviu de capela. Na mesma ocasião o governo designou 4 lotes urbanos para o Cemitério da Colônia e um lote para a Igreja, que era o lote em que se achava o Barracão. Foi nos anos de 1884 a 1886 que vieram os primeiros colonos, para a Maciel. No primeiro ano, tiveram auxílio do governo tanto dos víveres, como das ferramentas para os trabalhos (LIVRO TOMBO, 1883).
Conforme percebemos na citação, após a chegada dos imigrantes à Colônia Maciel, os mesmos foram colocados em um barracão, cuja construção foi realizada pelo próprio governo, com o objetivo de alojar estes provisoriamente, até o momento em que os mesmos tivessem construído as suas casas, nos lotes que lhes foram designados.
De acordo com Peixoto (2005, p. 13), mesmo apesar de terem tido o apoio do Governo, estes imigrantes enfrentaram uma série de dificuldades. Encontraram, aqui, uma realidade bastante diferente daquela que imaginavam: um local desprovido de qualquer infraestrutura, matas a serem derrubadas, estradas péssimas, etc. As pedras espalhadas pelas terras eram retiradas, para permitir o plantio e depois utilizadas na construção das casas.
A construção das casas geralmente se dava em terrenos com declive acentuado, justamente para que tivessem um bom porão, que seria utilizado para armazenamento do vinho, cereais e carnes.
Enfrentadas as dificuldades de viagem e assim que chegaram ao local onde deveriam se estabelecer, a primeira providência foi o corte do mato, para em seguida realizarem as outras atividades. Depois começavam a cultivar as lavouras com milho, o qual foi, nos primeiros anos, a base da alimentação de todos os imigrantes, sendo a palha utilizada tanto na alimentação de animais, quanto no enchimento de colchões, conforme percebemos analisando os relatos.
Com o passar dos anos e o seu desenvolvimento, a Maciel passou a ter a economia baseada na agricultura. Os pequenos lotes eram responsáveis pela produção de quase todos os gêneros consumidos na localidade. O excedente era comercializado e com o dinheiro eram adquiridos os produtos que não podiam ser produzidos naquele local (PEIXOTO, 2003), como o sal e tecidos.
[1] Para mais informações consultar: MAGALHÃES, Mario Osório. Opulência e Cultura na Província de São Pedro do Rio Grande do Sul: um estudo sobre a história de Pelotas (1860-1890). Pelotas: Editora da UFPel/Livraria Mundial, 1993.
[2] Lei do Ventre Livre, Lei do Sexagenário, Lei Eusébio de Queirós e por fim, a Lei Áurea.
[3] Referindo-se à Colônia de São Lourenço do Sul, de caráter particular, fundada por Jacob Rheingantz, em 1858.

Fonte: GEHRKE, Cristiano. Imigrantes italianos e seus descendentes na zona rural de Pelotas/RS: representações do cotidiano nas fotografias e depoimentos orais do Museu Etnográfico da Colônia Maciel. Programa de PósGraduação em Memória Social e Patrimônio Cultural  Universidade Federal de Pelotas [Dissertação de Mestrado] Pelotas, 2013 (p. 65-68).