Crônicas além-mar – Tecnologia… mas com afeto

Durante a realização do Doutorado, obtido em dupla diplomação (Brasil-Portugal), tive a oportunidade e felicidade de ser orientado por dois grandes acadêmicos, o Prof Fernando Gonçalves Amaral (Brasil) e o Prof Pedro Arezes (Portugal). Recentemente, o orientador português passou a escrever crônicas no Jornal Digital de Guimarães Duas caras (Cidade de Guimarães – Portugal). Tendo em conta seu notório talento prossional e virtude pessoal, solicitei a ele licença para divulgar mensalmente suas crônicas aqui no LABSERG, sobretudo por sua experiência e conhecimento em temas associados à Ergonomia. Espero que gostem e façam bom proveito das leituras. Confiram sempre a publicação original clicando no link disponível ao final do texto.
Pedro Arezes, 44 anos e natural de Barcelos, é Professor Catedrático na Escola de Engenharia da Universidade do Minho e Diretor Nacional do Programa internacional MIT Portugal (www.mitportugal.org). Tendo orientado mais de 100 teses e dissertações, é coautor de mais de 400 publicações científicas. Ao longo dos últimos 20 anos, foi palestrante convidado em mais de uma centena de palestras em cerca de 15 países.
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Tecnologia… mas com afeto
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Este é o primeiro texto da minha participação neste projeto, a qual será feita sob o compromisso de aqui expressar algumas ideias sobre tecnologia e ciência. Esta opção temática decorre não só da minha formação na área da engenharia, mas sobretudo da minha atual ligação ao programa MIT Portugal e, com isso, a uma rede de Universidades Portuguesas e a uma das mais prestigiadas universidades mundiais, o Massachusetts Institute of Technology – MIT, cuja notoriedade está frequentemente associada às áreas tecnológicas.
E porque a tecnologia é quase sempre um assunto frio e desprovido de emoção e afeto, decidi iniciar esta crónica exatamente a tentar mostrar que a tecnologia não é boa nem má, mas é o que nós, os seus criadores, queremos que ela seja. E, se quisermos, ela pode ser até muito afetiva.
São muitos os exemplos de tecnologia afetiva, mas um dos exemplos que me tem deslumbrado mais recentemente tem sido o caso da inteligência artificial (IA), que apesar de artificial pode ter uma componente social que talvez seja uma surpresa para muitos.
Um caso paradigmático desta componente social, também chamada Inteligência Social, é o caso da já celebre SIRI. Para quem não conhece, a SIRI não é mais do que um programa de computador que pretende, através da interação por voz (feminina), ser uma assistente pessoal que, entre outras aplicações, ajuda a interagir com o software e com as funções do telemóvel iPhone da empresa Apple. De forma muito simples, posso dizer que se trata de uma aplicação de IA que usa o processamento da linguagem natural para responder a perguntas, fazer recomendações e executar ações no telemóvel. Tudo isto apenas por comando de voz.
Existem inúmeros exemplos deste tipo de aplicações e, no passado, vários destes sistemas já tinham sido testados em várias plataformas, mas nunca com o sucesso que esta agora teve. A discussão à volta do sucesso desta aplicação é extensa, mas nem sempre consensual. Contudo, o que parece ser aceite é que em grande parte este sucesso se deve ao tato, ao charme e, até ao humor da interação que temos com esta aplicação, o que é surpreendente se pensarmos que estamos a falar de um programa de computador.
Esta aplicação, que tal como muitas outras teve as suas origens num projeto de investigação militar, oferece-nos uma elevada capacidade em termos de eficiência ou conhecimento, como por exemplo, caso lhe perguntemos qual o raio de Júpiter, com uma voz feminina suave, a aplicação irá de imediato responder é de “42 982 milhas”. No entanto, é a sua capacidade afetiva que mais nos surpreende. Apesar de não ser a mais evoluída tecnologicamente, quando comparada com outras aplicações que têm vindo a ser desenvolvidas, por exemplo, no CSAIL, o famoso laboratório do MIT dedicado à IA, o que lhe falta em capacidade inovadora parece sobrar-lhe em carisma.
As pessoas instintivamente aplicam as regras de interação social entre humanos para lidar com os computadores, telemóveis, robôs, sistemas de navegação dos carros, e outras máquinas similares. Por isso, não é de estranhar que a capacidade de empatia da SIRI esteja muito relacionada com o uso inteligente dessas regras de interação. E, neste caso, a afetividade da tecnologia está ligada também ao humor. Esta aplicação de computador faz um uso muito inteligente do humor, o qual é uma característica socialmente atraente e valorizada.
Um exemplo deste “humor tecnológico” é a resposta da aplicação quando lhe perguntamos “Siri, quanto pesas?”, em que a aplicação nos devolve, de forma espirituosa, a resposta: “Varia de planeta para planeta”.
Para terminar, sugiro que teste a inteligência social e o humor da SIRI (e dos seus engenheiros). Para tal, na versão em português (do Brasil, a única disponível nesta aplicação) deverá questionar: “Siri, você gosta de carnaval?”… será surpreendido(a), com toda a certeza.
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