Crítica de série: Dear White People

 

 

 

A atriz Logan Browning é Sam White, em Dear White People (Imagem: Adam Rose/Netflix/Divulgação)

 Calvin Cousin

            Tendo conhecimento dos casos de racismo na academia e no jornalismo que permeiam o cotidiano, é necessário encontrar veículos de comunicação contra-hegemônica que abordem causas sociais e lutem pela inserção de minorias em espaços que, muitas vezes, lhes são negados. Sob essa ótica, a série Dear White People (“Cara Gente Branca”, criada por Justin Simien e baseada em um filme do mesmo nome) apresenta os conflitos raciais existentes em uma renomada – e fictícia – universidade estadunidense, com diversos narradores.

            O “Dear White People” do título refere-se ao programa de rádio universitária apresentado por Sam White (Logan Browning), no qual a estudante expõe os casos de racismo que vivencia junto de seus colegas. Tratando desde as questões estéticas relacionadas aos seus cabelos até os fatos envolvendo a AP House, dormitório de todos os negros da instituição, Sam é uma voz da justiça social que exige ser ouvida. A primeira temporada do programa inicia com uma denúncia anônima: um dos jornais da universidade, coordenado por homens brancos, estava sediando uma festa de blackface como resposta ao programa de rádio, o que gera uma revolta generalizada entre os estudantes negros. A partir desse ponto, a série utiliza flashbacks de forma frequente e engenhosa para relatar os eventos que levaram até a festa e sua repercussão, alternando o foco, a cada episódio, entre personagens.

            Sam é uma personagem complexa e encarnada por Browning de maneira satisfatória, mostrando diversas facetas conflitantes de sua personalidade: a protagonista, ao longo de toda a temporada, precisa equilibrar ativismo com sua vida pessoal e afetiva, ainda que a escolha entre um e outro pareça inevitável. Dona de um carisma impecável, a figura nunca deixa de transparecer sensibilidade, especialmente quando precisa protestar contra a forma como é tratada.

            Ao lado de Sam, em um triângulo amoroso, estão seu namorado Gabe (John Patrick Amedori) e Reggie (Marque Richardson). O primeiro, um jovem branco. O segundo, um jovem negro. Gabe é a epítome do bom moço, apaixonado por Sam e simpático à causa da namorada. Sendo o único personagem branco a protagonizar um episódio, tem-se a expectativa de que o estudante irá proclamar algo extremamente problemático e perder a simpatia do público, mas isso nunca acontece. Ele realmente é uma pessoa bacana, e Amedori passa essa ideia.

            Reggie é um caso curioso. Um ativista radical que condena Sam por se relacionar com um branco, o personagem só ganha verdadeira personalidade nos meados da temporada, quando participa de uma briga na casa de um amigo e acaba sendo ameaçado por um policial, que aponta uma arma para o seu rosto. Em uma das diversas cenas nas quais a violência policial contra negros é evidenciada (refletindo o movimento #BlackLivesMatter), a expressão de puro pavor no rosto de Reggie – e a cena em que chora sozinho em seu quarto – rompem com a atitude durona que apresentava até então. Contudo, caso o espectador seja adepto do binge-watching e assista vários episódios na corrida, é provável que a simpatia desapareça logo em seguida, pois Reggie não tarda a manipular Sam e provocar Gabe sem um real motivo.

            Lionel (DeRon Horton) é o nerd jornalista que está se descobrindo gay, e um exemplo de como o alívio cômico pode ser, também, o personagem mais inteligente da trama, ao desbancar as falsas alegações a respeito dos patrocínios recebidos pela universidade para a manutenção da AP House. Suas cenas flertando, além de hilárias, fazem jus às primeiras experiências que qualquer homossexual teve ao ir a uma festa. Troy (Brandon P. Bell) é colega de quarto de Lionel e o primeiro presidente negro do grêmio estudantil da universidade. Sua virilidade ambulante pode ter sido influenciada pelo pai (Obba Babatundé), o reitor com expectativas muito elevadas em relação ao filho. Coco (Antoinette Robertson) encerra o enredo principal. É a “primeira dama” do grêmio estudantil e alpinista social, nascida em família pobre e adotada por um milionário, Coco abriu mão de sua estética e aderiu ao comportamento das amigas brancas para que fosse bem aceita pela classe alta do campus, ainda que abaixo de muito sofrimento.

            Alterando o foco de episódio para episódio, Dear White People consegue abordar diversas questões do racismo em sua primeira temporada, que inicia com a festa de blackface e termina com protestos de estudantes brancos sobre racismo reverso. Desde a boneca “feia” (negra) encontrada na infância até a hipersexualização de mulheres negras, os personagens carregam cargas emocionais que são extravasadas através do ativismo, da arte e da comunicação, pois nem mesmo renomadas universidades estão livres de opressões. Junta-se tais características às inspiradas escolhas narrativas e o resultado é uma série que merece um hype maior do que está recebendo.

  • Dear White People está disponível no Netflix.
  • A primeira temporada possui 10 episódios de 22-28 minutos.

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